Jovem friburguense é campeão mundial no World Pro Jiu-Jitsu, em Abu Dhabi
O 1° jogo não oficial de Garrincha no Botafogo: 28/06/1953 – Botafogo 5×1 Cantagalo. Em cima: Brito, Geraldo Bulaw, Floriano, Amaury, Orlando Maia e Calico. Em baixo: Braguinha, Orlando Vinhas, Ariosto, Geraldo e Garrincha.
Antes do nascimento das fábricas de cimento, quando Cantagalo era um município pobre, sem estradas asfaltadas e sem televisão, havia, no meio do ano, um acontecimento marcante que mexia com a sociedade de toda região em que estamos inseridos. Era a Festa dos Carecas, assim denominada porque seus criadores eram calvos e o homenageado era São Pedro, o rude pescador da Galiléia, que se tornou o primeiro Papa da Igreja Católica.
A festa era um acontecimento social regional. Certa vez, conversando com uma senhora da sociedade bom-jardinense, ela me disse que preparava com antecedência os seus vestidos para a Festa dos Carecas. As comissões organizadoras da festa, realizavam pequenos eventos, o ano todo, em algumas ruas da cidade, angariando recursos financeiros para o sucesso da festa junina.
Nos dias da festa, em geral três dias, a Praça dos Melros (nome daquela época) era ornamentada com motivos dos festejos juninos, balões, fogueiras, retratos dos Santos Antônio, João e Pedro, ficando São Paulo sempre esquecido. No dia magno da festa, uma grande fogueira era acesa na praça da igreja, ao lado, para não atrapalhar a procissão com imagens dos três santos, que eram feericamente iluminados nos seus andores, belissimamente ornamentados pela Prof.ª. Maria de Lourdes Dietrich Gonçalves. O povo ajudava financeiramente na confecção dos andores, eu colaborava no de Santo Antônio; admirava e admiro tanto a vida desse santo, talvez por ser neto de portugueses, e pelo fato que meu filho Marco Antônio nasceu em 13 de junho.
Três acontecimentos ocorriam sempre na Festa dos Carecas: a presença de uma importante banda de música, uma partida de futebol no Estádio Acúrcio Torres e um baile no salão do Cantagalo E.C., animado por grandes e famosas orquestras da época.
Como a TV ainda não houvesse chegado a Cantagalo, os jogos de futebol com agremiações da cidade do Rio de Janeiro eram importantíssimos. Todos queriam ver em carne e osso os atletas dos clubes cariocas. Lembro-me vivamente de acontecimentos que ocorreram em três dessas partidas. Foram marcantes até hoje em minha vida. Vejamos.
Cantagalo E.C. x Botafogo de F.R. – A Festa dos Carecas caiu em uma 4ª feira, feriado municipal, o Cantagalo E.C. tinha uma boa equipe, enquanto o Botafogo compareceu com uma equipe de reservas, que naquela época era denominada equipe de “come e dorme”. A equipe que veio a Cantagalo era dirigida por Paulo Amaral, cidadão alto e forte; diziam que ele era membro da polícia especial do Rio de Janeiro.
O primeiro tempo terminou equilibrado, com os cariocas vencendo de 1×0. No retorno para o segundo tempo, Paulo Amaral colocou na ponta direita um moreno, cabelo crespo, tórax bem desenvolvido, mas com acentuado desvio na altura dos joelhos, o que logo chamou a atenção dos torcedores.
Naquele tempo, o lateral esquerdo do Cantagalo E.C. era o Flávio Monteiro, jovem que saíra de Cantagalo para estudar em Nova Friburgo, onde jogava no extinto Fluminense da cidade serrana, sendo considerado um bom atleta. Certa vez o Fluminense F.C., do Rio de Janeiro, veio jogar com o Fluminense de Nova Friburgo, a atuação de Flávio foi tão boa que ele passou para o Fluminense do Rio, dirigido por Ondino Vieira, técnico uruguaio.
Mais tarde, Ondino Vieira se transferiu para o Botafogo, levando junto nosso conterrâneo Flávio Monteiro, que não chegou a ser titular dessas duas equipes, mas que atuava sempre que havia necessidade de substituir algum defensor afastado por contusão.
Do Botafogo, Flávio se transferiu para o Bonsucesso, também no Rio de Janeiro, onde foi titular absoluto na lateral direita. Com a morte do pai, vítima de um atropelamento no centro do Rio de Janeiro, Flávio voltou para Cantagalo, a fim de cuidar da mãe e das irmãs mais novas, voltando a jogar no Cantagalo E.C., onde havia começado (Ferroviário F.C.).
Nesse jogo, em dia festivo, era função do Flávio marcar o ponteiro das pernas tortas que entrara no início do segundo tempo. Na primeira jogada, o atacante deu uma série de dribles no Flávio, foi até a linha de fundo e centrou rasteiro para Ariosto, centroavante de chute fortíssimo, natural de Santo Antônio de Pádua. Segundo gol do Botafogo.
Pouco depois, novo lançamento para o ponteiro das pernas tortas, que parte em alta velocidade junto a linha lateral do gramado perseguido pelo Flávio. Repentinamente, o ponteiro pára. Flávio dá um carrinho, o ponteiro puxa a bola e o marcador passa deslizando e arrancando grama com suas chuteiras. O ponta corre novamente, agora sobre a linha de fundo do campo, vai até perto do gol e rola de mansinho para Ariosto. Botafogo três a zero. Quem era aquele terrível ponteiro?
No restante da semana, o coitado do Flávio foi achincalhado por muitas pessoas. Alguns diziam: “mas Flávio, você, um jogador profissional, levou um banho de um jogador aleijado!”. Ele, sem graça, dizia: “futebol é assim mesmo, não podia fazer nada”.
No domingo seguinte, quatro dias depois, “clássico vovô” no Maracanã, Fluminense x Botafogo, duas grandes equipes da época. O ponteiro das pernas tortas no time do Botafogo, ninguém o conhecia. Vitória do Botafogo com estupenda atuação do ponta direita, considerado o melhor jogador em campo.
O locutor Oduvaldo Cozzi tinha dúvida, não sabia se o nome era Garrincha ou Gualicho, nome de um cavalo vencedor de várias corridas no Hipódromo da Gávea.
Pouco depois, Garrincha estava na seleção brasileira, encantando o mundo e ajudando a trazer para o Brasil o título conquistado na Suécia, em 1958. Era o homem das pernas tortas que Flávio Monteiro não conseguiu marcar no dia 29 de junho, quando o mesmo estreou no Botafogo, em uma festa dos Carecas. Quanta honra para o nosso conterrâneo haver marcado, o maior ponta direita que o mundo já viu jogar, em sua estreia no Glorioso!
Os relatos continuam no artigo da semana que vem!
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.