“Grandes Jogos (II)”, por Dr Júlio Carvalho

Seleção de Cantagalo x C. R. Vasco da Gama – O segundo jogo histórico no Estádio Acúrcio Torres, também em uma festa de São Pedro, foi contra o C. R. Vasco da Gama, o Gigante da Colina, como é conhecido, que havia fornecido oito jogadores para a seleção brasileira de 1950. É evidente que não veio a Cantagalo o Expresso da Vitória, como era cognominado o time titular do Vasco da Gama, quase invencível, mas veio um time fortíssimo, com um goleiro argentino, cujo nome, se não me engano, era Corbata; zagueiro de área Conceição, que o Vasco havia contratado do Cruzeiro; no ataque Jansen e Vasconcellos, dois exímios atacantes que, no ano seguinte, jogaram como titulares do time do Santos; na ponta esquerda Chico, titular absoluto do Vasco e da seleção brasileira, que estava voltando, depois de séria contusão. Além de outros jogadores de alto nível técnico, pois o Vasco, naquela época, era uma escola de futebol.

Naquele tempo, Cantagalo possuía dois bons times de futebol, que mantinham enorme rivalidade: o Cantagalo E. C. e o Flamenguinho A. C., mas para enfrentar o Vasco da Gama fizeram uma seleção com nove atletas do clube rubro e dois do rubro-negro.

Iniciada a partida, Chico é lançado, voluntarioso como sempre, parte correndo pela lateral esquerda, mas ante de concluir a jogada é surpreendido por um carrinho e uma tesoura do Alcides (Flamenguinho A.C.). Sai correndo em direção ao técnico do Vasco e diz em voz alta: “Pode me tirar, vocês disseram que era uma brincadeira e esse homem quase me quebra, de novo!”. Saiu e foi substituído.

O Vasco da Gama dominava o jogo, apertava a seleção de Cantagalo, mas José Vieira cercava tudo, por baixo era uma barreira e por cima era imbatível, possuidor de grande impulsão; melhor zagueiro que já vi atuar! Na meta, Bibinho, que já era um bom goleiro, naquele dia resolveu mostrar que era ótimo, pegava tudo. Então, finalmente o Vasco fez 1 X 0.

No segundo tempo, a mesma situação, pressão do Vasco; Vieira cercando tudo e Bibinho voando no gol, agarrando todas as bolas, como se fosse um pássaro voando em busca de um inseto. Jogo quase acabando, torcida satisfeita com o resultado; a defesa da nossa seleção chuta para frente como pode, a bola cai na ponta esquerda, Maninho Leitão (Flamenguinho A.C.) a domina, parte como um bólido, chuta cruzado e forte e a esfera de couro vence o goleiro argentino. Final da partida 1 X 1.

Todos felizes e satisfeitos.

Terminada a partida, os dirigentes do Vasco da Gama convidam Bibinho e José Vieira para treinarem em São Januário. O clube da cruz de malta necessitava com urgência de um zagueiro central, capaz de substituir o argentino Rafanelli, dono da posição por muitos anos e que se aposentara. Os dois seguem, foi o assunto da semana.

Nos treinos no clube da colina, coube a Vieira marcar um ataque com Friaça, Maneca, Ademir, Ipojucam e Chico, melhor quinteto atacante da época. Nosso zagueiro saiu-se muito bem, marcar Ademir Menezes era quase impossível, ele era o maior artilheiro brasileiro da época. A diretoria fez todas as propostas possíveis a José Vieira, julgando haver encontrado a solução para a zaga central. Ocorre que José Vieira era noivo em Cantagalo. Como a eleita não aceitasse a sua ida para o futebol carioca, Vieira retornou para Cantagalo, onde se casou.

O Vasco da Gama trouxe Beline do interior de São Paulo. O paulista ocupou a vaga deixada por Rafanelli e a seguir estava na seleção brasileira, onde levantou a taça Jules Rimet na Suécia, em 1958. Poderia ter sido o Vieira.

Dirão alguns: “Foi o destino”. Eu prefiro dizer: “Foi o amor pela noiva”.

Na véspera desse jogo, à noite, a representação do Vasco da Gama foi a Cordeiro para prestar uma homenagem ao Sr. João Beliene Salgado, na sua residência, no centro da vizinha cidade, próximo ao estádio do Cordeiro F.C., pois o mesmo era um dos fundadores do clube carioca.

Eu e outros meninos daquela época fomos juntos com a comissão vascaína e tivemos a oportunidade de assistir a uma justa homenagem àquele que foi um dos pilares da emancipação política de Cordeiro e grande benfeitor do município.

Cantagalo E. C. x Fluminense F. C. – Finalmente, a terceira grande partida contra times do Rio de Janeiro ocorreu contra uma equipe mista do Fluminense F. C., que contou com Pinheiro, Pinguela e Simões, que eram titulares do tricolor, além de outros menos conhecidos do público.

No primeiro tempo, a defesa do Cantagalo E. C. praticou uma falta; o encarregado foi Simões, dotado de fortíssimo chute. Formada a barreira próximo a grande área, Ewandro Moreira ficou de costa para o batedor e de frente para o gol; Simões corre, parte a bomba, atinge a cabeça do Ewandro que apaga com a pancada. Todos apreensivos pois Ewandro era o secretário do ginásio e muito querido por todos. Felizmente, pouco depois o nosso lateral direito de recuperou.

Na metade do segundo tempo, o técnico do Cantagalo E.C. coloca na ponta direita o jovem Tarciso Fonseca, com 19 anos e torcedor do Fluminense F.C.; possuidor de boa habilidade com a bola, ao recebê-la parte para frente, consegue driblar Pinguela e, a seguir, Pinheiro; a torcida aplaude, Tarciso parte em direção ao gol e cai sozinho. Todos pensam em uma torção do tornozelo ou coisa parecida. O massagista vai socorrê-lo e o encontra deitado no gramado, chorando copiosamente. Pergunta-lhe: “você se machucou?”. Ele responde: “Não. Como torcedor do Fluminense nunca pensei que, na minha estreia, poderia driblar Pinguela e Pinheiro, dois titulares do Fluminense”. E saiu do gramado ainda chorando. Hoje, meu querido colega Dr. Tarciso Fonseca está aposentado, vivendo em Boa Sorte, terra que ele tanto ama, curtindo seus 87 anos de idade, depois de tanta luta em defesa da vida.

Enquanto escrevo fico pensando: naquele tempo havia só o Estádio Acúrcio Torres e dois bons times de futebol. Hoje, temos dois estádios e nenhum bom time de futebol. Seria ótimo se todo futebol cantagalense retornasse a ser como o do passado!

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.