Jovem friburguense é campeão mundial no World Pro Jiu-Jitsu, em Abu Dhabi
Amélia Thomaz, aos 94 anos, no dia de seu aniversário, em 10 de agosto de 1991
Durante onze anos, tive o privilégio de conviver próximo àquela extraordinária figura humana responsável pela educação de milhares de cantagalenses e de jovens de outros municípios que vinham estudar em Cantagalo, única cidade que possuía o curso ginasial na nossa região, a querida mestre Amélia Thomaz.
Muito já se escreveu e falou sobre essa cantagalense que se dedicou à poesia e ao ensino durante sua longa vida de 94 anos. Todavia, sempre existirá espaço para se acrescentar outros aspectos desconhecidos por alguns.
Dois colegas dos cursos ginasial e científico escreveram sobre nossa saudosa professora. Dr. Edmo Rodrigues Lutterbach, grande cultor do nosso idioma, que faleceu próximo aos oitenta anos, no jornal Letras Fluminenses, nº. 49, de agosto a outubro de 1987, publicou longo e minucioso artigo sobre a poetisa cantagalense. Mais recentemente, meu querido amigo Celso Frauches, de retorno à Terra Prometida, também elaborou agradável e simpático trabalho a respeito daquela a quem tanto devemos.
Dr. Edmo R. Lutterbach, após visitá-la, quando a mesma se encontrava com 90 anos, ficou impressionado com a lucidez e atualização da mesma que, de sua residência, continuava acompanhando todos os acontecimentos literários do Brasil. O Dr. Edmo, retornando a Niterói, na reunião extraordinária da Academia Fluminense de Letras, apresentou o nome da Profa. Amélia Thomaz para integrar o Quadro de Membro Efetivo da Classe de Letras. “Proposta que foi aceita por unanimidade, com aplausos e elogios”.
Amélia Olga Herdy Tomás, filha de Alberto Augusto Tomás (primeiro prefeito de Cantagalo) e de Olga Herdy Tomás, passou sua infância na fazenda do Gavião Novo (local, hoje, conhecido como bairro do Cantelmo), sendo alfabetizada pela Profa. Cora Barros, de tradicional família dedicada ao ensino em nossa região.
Amélia Tomás, apaixonada pelas letras e pela arte, estudou desenho com professores da Academia de Belas Artes: Oswaldo Vieira Machado e Luiza Santos; e Latim com o seminarista Armando Silva.
Amélia Tomás foi adepta do Partido Integralista Brasileiro, chefiado por Plínio Salgado, o que determinou perseguições no governo de Getúlio Vargas, durante o chamado Estado Novo (1937-45); em parte desse período, a convite do Dr. Sylvio Freire, passou a lecionar na cidade de Miracema.
Retornando a Cantagalo, criou o Curso Amélia Tomás, com o chamado curso primário que preparava as crianças para a admissão ao ginasial. A Profa. Amélia Tomás residia na rua Chapot Prevost, nº. 89 , com duas irmãs, Maria e Hermínia, possuidoras também, de pendores literários e artísticos. A casa antiga possuía um pPorão habitável, com o pé direito bastante elevado e amplas janelas voltadas para o quintal do imóvel, onde havia um pomar e um belo jardim cultivado pela família. Aí funcionava o Curso Amélia Tomás, onde passei quatro anos absorvendo os ensinamentos e me preparando para o ginasial. Guardo com muito carinho, até hoje, duas provas feitas no Curso Amélia Tomás, em 1947, em junho e dezembro, as provas eram julgadas e devolvidas aos alunos envolvidas em uma capa onde a professora fazia algum desenho (pássaros, quadriláteros, etc.).
Durante quatro anos do ginasial e três do científico, foram aulas de português e desenho; nessa última matéria não conseguia me sair bem, não levava jeito para ser artista. No primeiro ano científico, recebi os primeiros ensinamentos do espanhol, língua irmã do português, também dominada e ensinada por Amélia Tomás.
Aos vinte anos de idade, Amélia Tomás já publicava seus trabalhos em diversas revistas e jornais da época: O Malho, Fon-Fon, Ilustração Brasileira e na Revista do Ginásio 28 de Setembro.
Colaborava, também, com jornais onde publicava seus trabalhos literários: O Correio de Cantagalo, O Nível, de Itaocara e a Folha Feminina, de Campos. Mais tarde foi redatora do jornal O Novo Cantagalo, propriedade do Sr. Antônio Carvalho.
Durante as aulas de literatura portuguesa, a Profa. Amélia Tomás discorria sobre a vida dos diversos autores com tanta facilidade e naturalidade que dava a impressão de que ela havia participado da existência dos mesmos.
Foi uma professora dura, rígida, que não admitia indisciplina, que com seu belos olhos azuis impunha respeito e dominava as turmas de alunos. Lecionou durante 35 anos no extinto Colégio Euclides da Cunha. Ao ser criado o Colégio da Comunidade, lá estava firme a já veterana e querida professora, pronta para continuar na sagrada missão de educar.
Amélia Tomás foi sempre uma pessoa de personalidade forte e caráter bem formado, jamais abriu mão dos seus pontos de vista, jamais aceitou a imposição e a prepotência. Em alguns momentos fico a pensar, como uma mulher tão firme em todas as suas atitudes poderia possuir tamanha sensibilidade em suas poesias.
Em 1967, quando o ilustre governador do estado de Rio de Janeiro, o cantagalense Marechal Paulo Torres, lançou a pedra fundamental da Casa de Euclides da Cunha, a Profa. Amélia Tomás foi nomeada Diretora da instituição. Escolha acertadíssima pois Amélia Tomás era a mais culta dos euclidianistas da região.
A Profa. Amélia Tomás foi uma poetisa perfeita, considerada por muitos como sucessora e herdeira de Olavo Bilac, parnasiana, pela rima e pela forma perfeita de seus versos.
A profa. Amélia Tomás nos deixou cinco livros de poesias: Jardim Fechado, Fonte de Aroma, Rosa de Jericó, Graal e Alaúde. Quatro em prosa: Biografia de Lameira de Andrade, Mão de Luva, o fundador de Cantagalo; Euclides da Cunha para Estudantes e Gente da Casa de Mão de Luva.
Pertenceu a seis academias de trovadores, sendo uma argentina e outra uruguaia, países onde possuía admiradores de seu trabalho literário; era membro, também, da Associação Brasileira de Imprensa. Recebeu durante sua longa existência quase uma dezena de medalhas e de diplomas de diversas instituições culturais brasileiras.
Dos seus versos, alguns consideram o mais perfeito a Morte de D. José, que foi bispo de Niterói.
O acervo da querida professora de tantos jovens é guardado e cuidado com todo zelo pelo Prof. Gilberto Cunha, seu aluno que a acompanhou até o momento de sua morte.
A partir de 12 de agosto de 1965, quando retornei para Cantagalo, passei a ser o médico da querida professora, indo vê-la em sua residência sempre que necessário. Em 22 de agosto de 1985, solicitou minha visita médica, estando impossibilitada de se locomover em virtude de terrível artrose dos joelhos. Encontrava-se com 88 anos e completamente lúcida. Depois de examiná-la, enquanto prescrevia a medicação, ela pegou um pedaço de papel sobre a mesa e passou a escrever. Ao terminar me entregou mandando que eu guardasse como uma lembrança dela. Vejam o que está escrito:
Humor negro
Quem quer purgar seu pecado
em maior ou menor dose,
mande a Deus este recado:
“Castigai com a artrose”.
Artrose! Dores internas,
Inchação, músculos grossos,
Dor nos braços, dor nas pernas,
Dor na carne, dor nos ossos…
Amélia Tomás – 22/08/1985
Creio que esses versos são super inéditos! Feitos de improviso em hora de sofrimento!
Infelizmente, em 19 de novembro de 1991, Dona Amélia, como era chamada, nos deixou. Todavia, permanecerá imortal enquanto sua obra literária existir encantando aos apreciadores da poesia e da prosa nacionais.
Breve será inaugurado em Cantagalo o Centro Cultural Amélia Tomás, justíssima homenagem àquela que dedicou toda existência à educação da juventude cantagalense.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.