“Inesquecíveis”, por Dr Júlio Carvalho

Desde a minha juventude, gostei muito de ler bons livros. Alguns, apesar da fama, não me agradaram. Outros, todavia, foram inesquecíveis, permanecendo no meu pensamento até os dias de hoje.

Até os dezenove anos, encontrei o tempo suficiente para minhas leituras. Aos vinte anos fui para a cidade do Rio de Janeiro a fim de me preparar para enfrentar o vestibular de medicina, sendo todo o tempo consumido com a leitura das matérias cujo conhecimento era necessário para ser aprovado e ingressar na vida universitária. Nesse ano, meus olhos só estavam voltados para física, química, biologia geral, zoologia e botânica. Felizmente, nessa época, no vestibular de medicina, não havia línguas nem matemática, o que seria um risco para minha aprovação no vestibular.

Hospital Universitário Pedro Ernesto
Hospital Universitário Pedro Ernesto

Durante os seis anos na Faculdade de Ciências Medicas a situação permaneceu igual a do ano do vestibular, aulas o dia todo, em vários hospitais, além de plantões nos dois últimos dois anos do curso. Livros só os das matérias da faculdade!

Os quatro anos após a formatura foram de dedicação total e exclusiva a cirurgia. Trabalhando no H.U. Pedro Ernesto, permanecia no centro cirúrgico enquanto houvesse uma cirurgia. Ao chegar na residência, fixava-me nos livros de cirurgia, estudando o que tinha visto na prática.

Retornando a Cantagalo, em 12 de agosto de 1965, acabou todo tempo para leitura extra médica. Pela manhã, Posto de Saúde; à tarde, INAMPS; depois consultório e cirurgia, à noite. Ainda havia o compromisso com o Colégio Maria Zulmira Torres, onde trabalhei durante 10 anos.

Poderão me perguntar, mas onde houve tempo para leitura de livros? Eu responderei: enquanto, pacientemente, acompanhava os trabalhos de parto, li vários livros, principalmente à noite.

De todos os livros que li, três foram marcantes e inesquecíveis, com trechos com muita emoção.

Sinos de Nagasaki
Sinos de Nagasaki

O primeiro deles tinha o título: Os Sinos de Nagasaki, escrito por um japonês, Paulo Nagay. O autor é médico e tudo ocorre no final da 2ª Guerra Mundial. Os americanos, forçando a rendição dos japoneses, lançam as duas primeiras bombas atômicas sobre o país oriental, destruindo as cidades de Hiroshima e de Nagasaki, causando a morte de 300.000 pessoas, milhares no momento das explosões e outras, mais tarde, com doenças causadas pelas irradiações atômicas.

Primeiro foi Hiroshima, depois Nagasaky. Esta não estava no plano dos bombardeios. Todavia, como o céu estivesse recoberto por nuvens na cidade inicialmente escolhida, foi dada ordem para que a bomba fosse lançada em Nagasaky, onde o tempo estava bom, com o firmamento azul. Esta cidade era a cidade japonesa com maior número de católicos, sendo a bomba atômica lançada no dia 15 de agosto, data dedicada à Assunção de Maria.

O autor do livro, Dr. Paulo Nagay, médico, estava no hospital em que trabalhava, nas primeira horas da manhã. Após explosão, sai em busca da sua residência, caminhando sobre a destruição total, tudo cinza. No local onde residira, nada encontra em pé. Removendo as cinzas de onde fora a cozinha de sua casa, acha apenas parte do terço que sua esposa usava no pescoço, apanha e guarda carinhosamente como única lembrança de sua companheira.

Durante toda leitura do livro o que se percebe é a serenidade do autor que, mesmo perdendo tudo, não guarda rancor dos norte-americanos, procurando acalmar seus patrícios revoltados com aquele terrível ato. No meio da destruição, sem qualquer tipo de recurso, atende os sobreviventes.

Sob O Olhar de Deus
Sob O Olhar de Deus

Quando a cidade começa a ser reconstruída, Dr. Nagay sugere que o primeiro sinal da reconstrução seja a recolocação do sino da cidade, que toda vez que badalava era simbolizando a paz!

Fico imaginando a grandeza de espírito e pureza de coração desse médico, que alguns anos mais tarde faleceu vítima de leucemia, consequência da bomba atômica.

Outro livro inesquecível tem como título Sob o Olhar de Deus (memórias de um cirurgião). Seu autor é um cirurgião alemão Hans Killiam; surge, também, durante a 2ª Guerra Mundial.

Seu autor, em narrativas belíssimas, descreve fatos ocorridos no hospital em que era cirurgião durante aqueles tristes anos do conflito mundial. Narra, em um deles, a história de uma pequena menina que, após um bombardeio dos aliados, chega ao hospital sem um dos braços e, ao ser atendida, pede para o Dr. Killiam colocar o seu braço no lugar, como sua mãe fazia com suas bonecas. O médico vai as lágrimas perante tanta inocência da criança.

No final do livro, Dr.Killiam encontra o hospital totalmente destruído após um bombardeio noturno. Sente-se completamente derrotado diante de tamanha violência, caminha em direção a uma colina, onde senta sobre uma grande pedra e olhando para longe exclama: “Enquanto houver uma colina onde o homem possa descansar e meditar nem tudo está perdido. É hora de recomeçar!“.

Milagres que a Medicina Não Contou
Milagres que a Medicina Não Contou

Tinha razão o colega germânico: seu país derrotado, destruído e dividido conseguiu um dia se reerguer!

O terceiro livro que marcou minha vida foi Milagres que a Medicina não Contou. Seu autor: Roque Marcos Savioli, também médico.

Esse cidadão, cardiologista, não praticava qualquer religião, sendo casado com uma mulher israelita. Certa vez foi convidado a participar de um encontro de casais organizado pela Igreja Católica. Recusou-se, inicialmente, com os argumentos antes relatados por mim. Acabou aceitando o convite e tornou-se católico praticante. A partir desse momento, no hospital em que trabalhava, creio que no Incor, passou a observar determinados fatos que não deveriam ser coincidência, mas providências estranhas, extra-sensoriais talvez. Narrando essas ocorrências escreveu um ótimo livro, que recebi como presente de um prezado amigo, o Padre Gilmar, que hoje se encontra na Paróquia de Itaocara.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

Meus caríssimos leitores devem estar pensando: será que só os médicos escrevem bons livros? Claro que não. Mas os médicos, quando se associam aos sofrimentos do corpo e da alma de seus pacientes, conseguem escrever com o coração, o que dá um estilo diferente as suas obras.

O mesmo acontece com seus trabalhos. Quando JK, que era médico, construiu Brasília, em tempo recorde, sofreu todo tipo de pesadas críticas da oposição, mas construiu a nova capital sem ódio, com muito entusiasmo e amor. E lá está a nossa cidade de Brasília: “Capital da Esperança”, no dizer do francês André Malraux, ao visitá-la. Que assim seja!

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

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