“Lameira de Andrade”, por Dr Júlio Carvalho

Fim de tarde. Depois do retumbante temporal, em que os raios cortaram o céu em todos os sentidos, acompanhados por trovões altamente sonoros, caía uma chuva mansa e suave, como uma sinfonia, convidando à meditação e ao repouso, enquanto curtia as dores determinadas por uma hérnia discal de estimação da região lombar. Alguém aciona a campainha. Claudicando, vou atender e vejo, protegido por um guarda-chuva, a figura culta e querida do meu amigo Prof. Gilberto Cunha, guardião do acervo cultural da saudosa Profa. Amélia Thomaz, de quem fui aluno durante onze anos.

Recusa-se a entrar e me entrega um envelope com um maravilhoso presente, a cópia reprográfica da primeira obra literária daquela que, durante toda vida, se dedicou ao ensino e ao culto da “última flor do Lácio inculta e bela”, uma biografia do Prof. Lameira de Andrade, sintetizada em um opúsculo de sete páginas, datado de 1935 (ano em que nasci), impresso pela Imprensa Phenix, do saudoso Sr. Juvenal Goulart, que tantos serviços prestou a Cantagalo.

Amélia Thomaz, aos 94 anos, no dia de seu aniversário, em 10 de agosto de 1991
Amélia Thomaz, aos 94 anos, no dia de seu aniversário, em 10 de agosto de 1991

Na capa, encimada pelo nome Amélia Thomaz (depois passou a usar o nome Amélia Tomás), encontramos: Notas Biográphicas do Professor Boaventura Plácido Lameira de Andrade – Para uso do Grupo Escolar Lameira de Andrade de Cantagallo, 1935.

Na primeira página, a dedicatória do livro ao Dr. Pedro Lameira de Andrade; na página seguinte, outra dedicatória: “À memória querida de meu pai Alberto Augusto Thomaz”.

No preâmbulo, a insigne mestra assim se expressou:

Arrancar do olvido tudo quanto possa engrandecer Cantagalo, tem sido sempre um desejo meu. Infelizmente, poucas vezes posto em prática. Aos olhos dos escolares de minha terra, procurei, em palavras singelas, retratar uma vida que foi uma glória e foi um exemplo.

Que os pequenos estudantes do Grupo Escolar Lameira de Andrade se orgulhem de aprender em uma casa que tem como patrono um dos vultos mais ilustres do magistério brasileiro e, em Cantagalo, empregou largo tempo de sua profícua atividade, colaborando na formação intelectual de muitos de seus filhos”.

A biografia é seccionada em sete itens: infância, mudança, Cantagalo, no Rio, valor, obras e o homem.

O biografado, cujo nome completo era Boaventura Plácido Lameira de Andrade, nasceu no Rio de Janeiro, em 17 de setembro de 1839, sendo filho de Antônio Lameira de Andrade, de nacionalidade portuguesa, e de Fortunata de Andrade.

Desde o curso primário, mostrou-se excelente aluno, classificando-se sempre nos primeiros lugares da turma. Mais tarde, se matriculou no Mosteiro de São Bento, onde se especializou no estudo das línguas mortas: latim, grego antigo sânscrito e hebraico. Talvez em virtude do estudo excessivo, Lameira de Andrade adoeceu, sendo aconselhado a migrar para Nova Friburgo, onde o excelente clima e a boa alimentação seriam fundamentais para sua recuperação física.

Recuperada a saúde, Lameira de Andrade passou a lecionar na Colégio Anchieta, casando-se depois com Maria Carolina Leuenroth, de origem suíço-alemã. Atraído por um centro maior, mais desenvolvido cultural e politicamente, empório comercial do café, Lameira de Andrade transfere sua residência para Cantagalo, onde cria o Instituto Collegial de Cantagallo, por onde passaram ilustres figuras cantagalenses.

Ao passar por Cantagalo, o Imperador Pedro II visitou a instituição escolar, deixando elogiosas impressões sobre a mesma.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

Em 1879, Lameira de Andrade transferiu seu colégio para o Rio de Janeiro. Associando-se ao Prof. Alberto Brandão, leva seu estabelecimento de ensino para Vassouras, no sul fluminense. Todavia, a epidemia de febre amarela obriga sua volta ao Rio de Janeiro.

Na capital, Lameira de Andrade presta concurso para professor de português da Escola Normal do Rio de Janeiro. Competindo com ilustres mestres, obteve o primeiro lugar. O Imperador D. Pedro II, assistindo o concurso, assim se manifestou: “as letras se honravam com a sua nomeação”.

No período republicano, o Presidente Floriano Peixoto o convida para ser professor de seus filhos; depois o nomeia professor de História e Geografia do Brasil, da Escola Militar do Rio de Janeiro, passando a ser conhecido como Major Boaventura.

Certa vez, referindo-se aos livros, Lameira de Andrade disse: “O livro é como um segundo berço, porque nascemos duas vezes, pelo corpo e pelo espírito”.

Lameira de Andrade escreveu uma Gramática da Língua Portuguesa, em parceria com Pacheco de Oliveira. Escreveu inúmeros artigos sobre língua portuguesa, geografia, história e filologia. Todavia, a maioria se perdeu.

Em 1895, aos 56 anos, em plena atividade intelectual, faleceu Lameira de Andrade. No seu sepultamento, o diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro, Prof. Cabrita, em sua oratória disse: “Enterra-se aqui o homem que mais sabia português no Brasil”.

Deixo aqui um apelo ao setor de educação e cultura do município de Cantagalo: a publicação e distribuição de mais uma edição da vida e obra do Prof. Lameira de Andrade, para ser distribuída na rede escolar e colocada nas bibliotecas, a fim de que seu nome não caia no esquecimento, como no prefácio do trabalho, desejou a querida Prof.ª. Amélia Thomaz, em 1935.

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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