“Mantendo a tradição”, por Dr Júlio Carvalho

Quando eu era bem pequeno, cerca de 6 anos de idade, numa tarde, voltava da estação da Leopoldina, de mão dada com do meu pai, que, como médico da rede ferroviária, fora resolver alguns assuntos com o agente local, Sr. José Marinho Falcão, a respeito de algum ferroviário doente.

Depois de duas casas afastadas da rua, com jardins na frente, vinha um armazém, onde um senhor idoso e gordo permanecia sentado junto à porta com uma bengala na mão direita; respondeu ao cumprimento de meu pai com uma fisionomia bondosa, própria daqueles que se consideram com o dever cumprido.

Levado pela curiosidade própria da infância, perguntei ao meu pai quem era aquela pessoa. Disse-me que era o português Sr. João Figueira, dono da loja. Mais tarde, um pouco, aos nove anos, em um início de noite fria, dia de São Pedro, fui com o meu pai a mesma loja, para comprar alguns fogos juninos que lhe havia pedido.

Fomos atendidos por um senhor simpático que me disse, sorrindo: – “Você deveria comprar os fogos dia 13, dia de Santo Antônio, pois meu nome é Antônio”. Meu pai respondeu: – “Um importante Santo Português”. Fomos para casa, onde meu pai queimou os fogos comprados para alegria e satisfação do meu espírito infantil, seguindo todas as recomendações de cuidados dados por minha mãe.

O tempo passou na sua marcha incessante, tornei-me um adolescente e fui saber que o português sentado na cadeira viera da Ilha da Madeira e era pai de cinco filhos homens: Joãozinho, Antoninho, Lulu, Chiquinho e Juquinha; e uma filha, cujo nome não me recordo, casada e residente em Nova Friburgo.

Com exceção do Joãozinho, os quatro filhos trabalhavam no armazém do pai, três no interior da loja, enquanto seu Juquinha pilotava um pequeno caminhão “Ford bigode”, fazendo entrega das compras na zona rural e em municípios próximos.

O senhor Chiquinho faleceu com pouca idade; depois, o senhor Juquinha, enquanto os irmãos Antoninho e Lulu permaneceram firmes na loja durante muitos anos. O armazém, como era chamado, por longo tempo foi importantíssimo em Cantagalo, vendendo de tudo, desde alimentos a materiais de construção (cimento, vergalhões, etc.).

 

Restaurante Velho Armazém, em registro de 2022
Restaurante Velho Armazém, em registro de 2022

 

O imóvel ficava em posição estratégica. Como os trilhos da ferrovia terminavam próximos ao prédio do atual banco Itaú, a Leopoldina costumava deixar um vagão com muito cimento e outras cargas estacionado defronte ao armazém da firma Figueira & Filhos. Era colocada uma tábua do vagão ao interior do depósito ao lado da loja, e, imediatamente, o Honório ou Osório, afro-brasileiro fortíssimo, de média estatura, começava o trabalho, arrumando todo material no depósito, indo e vindo sobre aquela passarela improvisada.

Mais tarde, quanto o Sr. Antônio Figueira se aposentou, a firma passou a ser dirigida por seu genro Sr. Roque Regazzi Pereira, casado com a Sra. Cléa Figueira.

Há cerca de vinte anos, um dos filhos desse casal, Senhor Rogério Figueira Pereira e sua esposa, Sra. Márcia, resolveram criar um restaurante, dando-lhe a denominação de Velho Armazém, funcionando no local do antigo depósito, que foi devidamente adaptado.

Recentemente, o Velho Armazém foi transferido para a antiga loja, estando aos cuidados da trineta do português João Figueira, senhora Mariana e seu esposo Anderson. Há dias, enquanto lá almoçava com minha esposa, saboreando alimentos bem confeccionados pelas cozinheiras, lembrei-me dessa história, da quinta geração que trabalha no mesmo local criado pelo patriarca lusitano João Figueira.

Que a história sirva de exemplo para outras famílias tradicionais de Cantagalo e que nosso Deus proteja os que assim procederem!

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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