Mão de Luva na visão humorística da TV Globo, com uma ridícula peruca branca.
O escritor Acácio Ferreira Dias, autor do importante livro de nossa história – Terra de Cantagalo –, editado em 1942, escreveu um segundo livro, uma história romanceada – O Mão de Luva (Fundador de Cantagalo) -, publicado em 1953. Nesse romance histórico, Dias traçava o perfil de Manuel Henriques:
[…] jovem bastante simpático, de porte alto e distinto, usando basta cabeleira empoada, cujos cachos caíam sobre a fronte clara de um rosto comprido e enfeitada por bem tratadas suíças, apresentava-se elegantemente dentro de vistosa sobrecasaca, em cujo peito se estendiam valiosas condecorações. Demonstrava, pela sua aparência, pertencer a mais destacada nobreza do reino. […] Evidenciando vasta erudição, eram as suas palavras apoiadas com respeito e admiração. […] Era D. Manoel Henriques, Duque de Santo Tirso.
O Conde de Santo Tirso participava de um baile no Paço de Queiroz, habitado pelo infante D. Pedro, irmão do Rei D. José, de Portugal. Geralmente, reuniam-se ali os desafetos do Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo), um nobre, diplomata e estadista português, então secretário de Estado do Reino. O Conde de Santo Tirso fazia parte desse grupo. Nesse baile, “levado por violenta paixão” e “por irresistível amor” pela Princesa D. Maria, com ela vai dançar, circulando pelos luxuosos salões do palácio.
Resumindo: o Marquês de Pombal acabou por iniciar uma “caça às bruxas”. O Conde de Santo Tirso foi preso e condenado à morte. Misteriosas mãos, talvez a Infanta D. Maria, transformaram essa punição em degredo para o Brasil. D. Maria, na véspera da extradição, visitou Manoel Henriques no presídio, jurando amor eterno, com um carinhoso beijo em sua mão direita e nela pondo uma luva preta, para que ninguém mais a tocasse, exceto ela, quando fosse rainha e viesse para o Brasil. Ela não devia ter essa paixão toda. Um ano após a vinda do Conde de Santo Tirso para o Brasil, ela casou-se e, na realidade, tornada a Rainha Maria, jamais demandou a procura desse sinistro Conde, que não aparece na história da Coroa Portuguesa. Mas a Rainha ficou com um parafuso a menos e foi alcunhada de “D. Maria, a louca”.
O Instituto Mão de Luva está desenvolvendo pesquisas e estudos sobre esse personagem que lhe dá o nome. Hoje sabemos que ele nasceu em Ouro Branco, nas Minas Gerais. É brasileiro, portanto, não português como narra a lenda. Pretendemos resgatar a verdadeira história de Manuel Henriques como desbravador dos “sertões de índios bravios”, mais tarde “Sertões de Macacu” ou “Sertões de Cantagallo”. Na realidade, um garimpeiro respeitado por todos os seus companheiros, e até pelo governador da capitania mineira, Luís da Cunha Meneses. Registre-se que Manuel Henriques viajou para o local onde hoje está situada a nossa cidade, com três escravos – Felipe, Domingos e José -, à época, sinônimo de riqueza.
Manoel Henriques era garimpeiro de posses, adquirida nas minas de São João del Rey e região. A sua verdadeira história foi contada com base em documentos do Arquivo Nacional e dos arquivos de Minas Gerais, por dois pesquisadores: Sebastião A. B. Carvalho [1] e Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira. Este, em dissertação de mestrado defendida e aprovada na Universidade Federal de Juiz de Fora [2]. Todas baseadas em documentos de responsabilidade dos governantes das Minas Gerais e do Rio de Janeiro, submissos à Coroa portuguesa. A história é sempre escrita pelos vencedores. Não há, em todos os documentos pesquisados pelos autores citados, qualquer depoimento de Manuel Henriques e seus companheiros de garimpagem nos “Sertões de Cantagalo”. Por cerca de 24 anos, entre 1760 e 1784, “Os Luvas” – Manuel Henriques e seus irmãos, Antônio Henriques, Felix da Silva e Ignácio da Silva – dominaram o garimpo na região de Cantagalo, possivelmente de Banquete a Itaocara, nos rios Grande, Macacu, Negro e outros menores, quando foi preso e entregue, como os demais parceiros, ao Vice-rei Luís de Vasconcelos e Souza, que governava, em nome do Império Português, a Província do Rio de Janeiro. Eles teriam muitas histórias a contar, incluindo os motivos da garimpagem sem o aval do Império lusitano, para sonegarem o quinto (20%), o imposto cobrado pela Coroa de qualquer produção no território brasileiro, alcunhado de “quinto dos infernos” pela população brasileira. E o ouro era todo transportado para Portugal. Uma propriedade da Coroa portuguesa.
Após condenado pelo Vice-rei, Manuel Henriques foi degredado ou morto. Não há nenhum documento sobre esse final da história do garimpeiro Mão de Luva. Degredado para a África, para algum lugar ermo do Brasil ou assassinado?
Do nome Cantagalo e a luva preta que Mão de Luva usava na mão direita, permanentemente, também não temos nenhum documento informando a veracidade desses eventos. Seguramente, ele deveria ter a mão preservada, mas por algum problema físico, como, por exemplo, queimaduras ou aleijão. Mão de madeira ou de qualquer outro material não biológico não tem sentido para a metade do século XVIII.
O denominado distrito de “Novas Minas de Cantagallo”, que integrava a gigante “Freguesia de Santo Antonio de Sá”, não pode ter origem na fantasiosa estória de que o grupo liderado por Manuel Henriques foi descoberto pelo Sargento-mor Pedro Afonso Galvão de São Martinho que, ao passar pelo local, em sua missão de prender Mão de Luva, teria ouvido um galo cantar. Isto porque, já em 1767, São Martinho esteve na região e lá esteve por várias vezes. Este, somente em 1784, entrou no arraial para prender os garimpeiros, que ele conhecia em detalhes, fruto do envolvimento do governador das Minas Gerais, por exigência do Vice-rei que presidia a província do Rio de Janeiro, com a exploração do ouro à margem da lei então vigente.
A lenda é bela, mas infelizmente, como toda lenda, plena de fantasias que a História não aceita.
A vida e obra de Manuel Henriques e a história de Cantagalo ainda serão escritas com base na realidade. Esse é um dos principais objetivos do Instituto Mão de Luva. Temos estudado, pesquisado, confrontado, reunido extenso material já produzido por outros estudiosos e historiadores, mas ainda dispersos, espalhados aqui e ali. É trabalhoso, mas vale a pena, para quem ama Cantagalo.
Precisamos de apoio, apoio público e privado. O Instituto sozinho não consegue. É como ter em mãos pedras preciosas que precisam ser trabalhadas, reunidas, ter o brilho restaurado e, enfim, aparecerem em todo seu esplendor numa magnífica joia – A HISTÓRIA REAL DE CANTAGALO! Quem nos apoiará?
[1] CARVALHO, Sebastião A. B. A odisseia de Mão de Luva na região serrana fluminense. 2ª ed. Cantagalo, RJ: Outra Margem, 2020.
[2] Disponível em: https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/2927. Acesso em: 10 fev. 2010.