“Mão de Luva: a lenda – parte 1”, por Celso Frauches

Mão de Luva, interpretado por Marco Ricca, na série “Liberdade, Liberdade”

O escritor, jornalista e historiador Acácio Ferreira Dias publicou, nos idos dos anos 50, um romance histórico sobre Manoel Henriques, mais conhecido como Mão de Luva, fundador do povoado onde seria erguida a cidade de Cantagalo. O livro: O Mão de Luva – Fundador de Cantagalo.

No Capítulo II – Um baile no Paço de Queluz -, o historiador dá-nos notícia do encontro entre D. Manoel Henriques, Duque de Santo Tirso, e a Infanta D. Maria (Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança – 1734/1816), filha do Rei de Portugal, D. José I (1714/1777), terceiro filho do rei D. João V (1689/1750) e a rainha Maria Ana Josefa de Áustria (1683/1754). Ao diálogo: (*)

Infante Pedro de Portugal (mais tarde, Rei Consorte Pedro III), em retrato de 1745 (28 anos de idade). Foto: Wikipedia.
Infante Pedro de Portugal (mais tarde, Rei Consorte Pedro III), em retrato de 1745 (28 anos de idade). Foto: Wikipedia. (clique para ampliar)

O Duque convida a Infanta para dançar. Acácio constrói o seguinte diálogo entre os dois, na grafia original:

Princesa encantadora e divina dos sonhos orientais, cândida açucena a perfumar o ramalhete das mais lindas flores colhidas em um jardim de fadas, quer dar-me a suprema honra desta valsa? Isso constituirá valioso favor ao mais humilde dos vossos vassalos, que todavia é o maior dos vossos admiradores!

– Enganai-vos senhor Duque, o prazer desta contra-dansa é todo meu, respondeu a princesa com um sorriso angelico a aflorar-lhe os lábios feitos de coral.

Mas a Infanta D. Maria, após declarar o seu amor ao Duque de Santo Tirso, levanta o véu que cobre a aproximação dos dois, e diz que o “diabólico Marquês de Pombal”, com sua ascendência sobre El-Rei de Portugal e pai da princesa, “destróe o meu futuro e esmaga o humano almejo de dois entes que aspiram unir os seus corações num sonho lindo de amor”. Sebastião José de Carvalho e Melo (1699/1782), o Marquês de Pombal e Conde de Oeiras, diplomata e estadista português, foi secretário de Estado do rei D. José I. Era uma figura carismática, mas controversa.

A Infanta, todavia, pede ao Duque de Santo Tirso para participar de uma reunião “às 10 horas da noite, dia 28 deste mês de agosto (1758), na casa do Senhor Marquês Velho, e lá talvez encontre a solução para o problema que parece insolúvel”. O Duque confirma sua presença.

O Mão de Luva - Acácio Ferreira Dias
Capa da 1ª edição do livro O Mão de Luva – Fundador de Cantagalo, de Acácio Ferreira Dias.

Acácio narra em minúcias, nominando todos os presentes, com a presença do Duque de Santo Tirso, a reunião na casa de D. Francisco de Assis Távora (Francisco de Assis Baltazar José António Bernardo Tomás Gonçalo de Távora – 1703/1759). A reunião foi presidida pelo padre Gabriel Malacrida (1689/1761), jesuíta italiano, inimigo do Marquês de Pombal, cognominado por muitos como o “Papa Negro”. O encontro tinha por objetivo “traçar o plano para afastar do poder o Ministro de D. José I, o Marquês de Pombal. D. Manoel Henriques, após desancar o Marques, conclui enfático: “Morte ao tirano!”. D. Maria não estava presente.

Segundo Acácio, em 13 de setembro de 1758, o Duque de Santo Tirso foi preso, “encarcerado nas masmorras de Belem” e a “a 11 de setembro de 1759, Santo Tirso é considerado réu do crime de lesa majestade” e é “privado de seus títulos nobiliárquicos, de suas ordens, e confiscados todos os seus bens, escapando do cadafalso por interferência, muito velada, da Princesa D. Maria, sendo apezar dessa alta proteção, condenado ao exílio perpétuo, nas longínquas terras da Colônia Brasileira”.

Marquês de Pombal. Foto: Concelho de Penacova.
Marquês de Pombal. Foto: Concelho de Penacova. (clique para ampliar)

D. Maria, trajada com espesso véu, “nas vésperas do embarque para o degredo perpétuo, na longínqua colônia do Brasil”, do agora plebeu Manoel Henriques, tem com ele longos diálogos, segundo a fértil imaginação do historiador Acácio Ferreira Dias. A infanta diz a Manoel Henriques que “mais cedo ou mais tarde, serei a soberana deste reino, e desse momento em deante nada, absolutamente nada, na superfície da terra, impedirá a nossa união sagrada pelos laços do casamento”. Ante a incredulidade ou fraqueza de seu amado, D. Maria afirma-lhe:

Usareis na destra, uma luva de couro, preta, esta que aqui vos entrego, que será sempre substituída quando rasgada ou inutilizada, por outra igual. Só a retirareis definitivamente da mão, para colocá-la desnuda e sem mancha pecaminosa na mão da Rainha de Portugal, recebendo-a como esposa. Este crucifixo, relíquia de minha infância, será a vossa bússola nas horas amargas, fazendo-vos lembrar o poder da Fé. Guarde-o com carinho. Aqui tendes também esta bolsa cheia de dinheiro, não recuseis! Ides para uma estranha terra e necessitareis nos primeiros tempos, de recursos.

Rainha D. Maria I. Foto: Reprodução da internet.
Rainha D. Maria I. Foto: Reprodução da internet. (clique para ampliar)

Manoel Henriques, imediatamente, afirma:

Juro usar eternamente esta luva negra na mão direita e trazer sobre o peito esse crucifixo. Aceito a bolsa, apenas como empréstimo!

“Um beijo trocado por ambos, selou o juramento fatal”.

D. Maria, todavia, não cumpriu sua palavra, casando-se, cerca de um ano depois, com seu tio D. Pedro (Pedro III – 1717/1786), “quiçá levada pelos interesses da corôa ou pela diabólica política de Pombal”.

O cognome Mão de Luva foi dado a Manoel Henriques pelo comandante “do brigue Afonso de Albuquerque, o capitão Oliveira, um velho lobo do mar”.

Celso Frauches
Celso Frauches

Após desembarcar no Rio de Janeiro, Manoel Henriques, ao lado de seu parceiro Francisco de Paula, se liga a dois aventureiros que iam garimpar ouro “nas proximidades de um riacho, que nasce nas cabeceiras da Serra do Queimado, além de Vila Rica”, nas Minas Gerais.

Após uma difícil jornada até as proximidades de Vila Rica, Manoel Henriques aparece como chefe de um grupo de garimpeiros a caminho das terras dos “certões de índios bravios”, posteriormente Cantagalo: José da Silva Leite e seu escravo Narciso, Pedro Vieira de Menezes, Antônio Novaes, Francisco Pegádo, Onofre Bernardes, Felício Martins e José Preto”.

Acácio narra a trajetória de Mão de Luva em sua caminhada, passando pela Aldeia dos Coroados, “penetrando a mata fechada, à força de golpes de facão e de machados” até chegarem ao que seria a aldeia do Mão de Luva e sua trupe. Estabelecidos, foram edificando cabanas, com o auxílio do trabalho escravo.

Essa história não termina aqui. Voltarei a ela na próxima semana.
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(*) Todas as transcrições respeitam a grafia original.

 

Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

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