“Mão de Luva: a verdade – parte 1”, por Celso Frauches

(Leia os artigos sobre Mão de Luva, a lenda: parte 1 e parte final)

Este e o próximo artigo sobre a verdade das origens e do processo que redundou na condenação e degredo de Manuel Henriques, o Mão de Luva, estão fundamentados na dissertação de mestrado em História, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFLF), realizada por Rodrigo Leonardo de Souza Oliveira e aprovada pela comissão designada.

Rodrigo possui pós-doutorado na Universidade Nova de Lisboa, Portugal; é Doutor na linha “História Social da Cultura” no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente, pesquisa sobre os sertões e o contexto da violência coletiva na capitania de Pernambuco no século XVIII.; é professor do Instituto Federal Fluminense e atua no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica.

Carta Geográfica da Província do Rio de Janeiro, 1823.
Carta Geográfica da Província do Rio de Janeiro, 1823. (clique para ampliar)

Em sua dissertação de mestrado, sob o título “MÃO DE LUVA” E “MONTANHA”: BANDOLEIROS E SALTEADORES NOS CAMINHOS DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XVIII (MATAS GERAIS DA MANTIQUEIRA: 1755-1786(*), o Prof. Dr. Rodrigo Leonardo de Souza Oliveira, com base em documentos citados em sua pesquisa, registra “OS BANHOS MATRIMONIAIS DO MÃO DE LUVA”, nos seguintes termos(**): “Querem casar Manoel Henriques, filho legítimo de Manoel Henriques Malho e de Maria da Silva, natural e batizado nesta Freguesia do Ouro Branco, e de presente morador na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga, com D. Maria de Souza viúva, que ficou de Manoel da Costa Ferreira, filha legítima do Capitão Antônio de Souza Ferreira e de Florência Luiza de Miranda, natural, e batizada, e moradora na dita Freguesia de Guarapiranga, aonde ambos os contraentes tem satisfeito aos preceitos quaresmais” (AEAM. Processo matrimonial de Manoel Henriques e Maria de Sousa. Data: 1º/1/1775, Local: Freguesia de Guarapiranga, Registro nº 6632, Armário 06, Pasta 664. p. 4). (grifos do autor).

Manuel Henriques nasceu e foi batizado em Ouro Branco nas Minas Gerais. Um brasileiro legítimo. O mesmo documento registra ainda que a mãe de Manuel Henriques era “Maria da Silva, mulher branca, casada, natural da Freguesia de Guaratinguetá do Bispado de São Paulo, moradora no Chopotó Freguesia de Guarapiranga, que vive de sua fazenda de idade que disse ter sessenta para setenta anos (…) conhece muito bem ao justificante Manoel Henriques por ser este seu filho tido de legítimo matrimônio com Manuel Henriques Malho e que fora nascido e batizado na Freguesia de Santo Antônio de Ouro Branco deste Bispado de Mariana e que não está certa no dia, mês, e ano, mas sabe que o justificante há ter trinta e quatro anos, pouco mais ou menos, sendo padrinhos Francisco Vieira e Maria Pires mulher do Capitão Vicente da Costa moradores na Freguesia das Congonhas do Campo, e que não está certa no nome do pároco que administrou o sacramento do batismo ao justificante, mas de certo sabe ser o justificante batizado na dita freguesia, e mais não disse”.

BN. Setor de documentos cartográficos, referência ARC. 12.2.12.
BN. Setor de documentos cartográficos, referência ARC. 12.2.12. (clique para ampliar)

E sobre o pai de Manuel Henriques: “Diz Manuel Henriques Malho morador na Freguesia de Guarapiranga, filho legítimo de Antônio Malho, e de Maria Pereira natural e batizado na Freguesia de São Lourenço da Vila de Mayorca Couto de Alcoubaça Arcebispado de Lisboa, que ele se acha justo para se [contrair] matrimônio com Maria da Silva Campos, viúva que ficou de Antônio Simões, cujo óbito tem já justificado, e porque para contrahirem o dito matrimônio lhes seja [permitido] dar em seus depoimentos, e justificar o suplicante (…)”. (grifos do autor).

Rodrigo comenta que, no processo anterior, fica claro que a idade do possível Manuel Henriques era de aproximadamente 35 anos. Mas seu pai casou com a mãe de Mão de Luva somente em 1761 e que “dessa forma, acreditamos que os contraentes tinham um relacionamento amoroso antes mesmo da morte do esposo de Maria da Silva. Afinal, mesmo considerando que o dito havia falecido cerca de 10 anos, a possível idade de Manuel Henriques não passaria dos 30 anos”. E ele deduz “que a existência do líder do bando de Macacu pode ter sido fruto de um relacionamento que contrariava as ‘sagradas leis da Igreja Católica’: o adultério. Mais intrigante foi perceber que não houve testemunhas que pudessem impedir o casamento de seus pais”.

A excelente dissertação de mestrado de Oliveira deixa claro que Manuel Henriques era descendente de portugueses e não era o Duque de Santo Tirso, na versão romanceada de Acácio Ferreira Dias. Aquele esclarece que as suas fontes são oficiais e comprovam uma parte da “procedência do Mão de Luva: filiação, idade, o nome de sua esposa, de seus padrinhos e alguns dados sobre o seu irmão Ignácio” (Processo matrimonial de Ignácio da Silva Campos Maciel e Ana Maria de São José. Ano: 1773, Lugar: Guarapiranga, Nº: 3136, Armário 03; Pasta 314, p. 3.). Paralelo a essa informação, Rodrigo diz que a mesma situação pode ser aplicada a um outro irmão de Manuel Henriques, Felix da Silva.

A condenação e degredo de Manuel Henriques é também controversa. Na obra de Acácio Ferreira Dias, ele é deportado para a África. No navio entrega uma carta ao comandante, para ser entregue à Rainha D. Maria I, na qual declara o seu amor eterno. A Rainha, após ler a carta, enlouquece, fato que lhe deu a alcunha de “Maria I, a louca”.

Celso Frauches
Celso Frauches

Rodrigo cita – MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. Editora Itatiaia, BH, 1978, p. 97. Nesse livro, sem mencionar a fonte, John Mawe informa que os homens do Descoberto foram presos, sentenciados e posteriormente enviados à África ou condenados à prisão perpétua, possível fonte de Acácio.

J.J. Von Tschudi, no livro Viagens às Províncias do Rio de Janeiro e São Paulo (São Paulo: Livraria Martins, 1953, p. 83), baseado em uma carta datada de 1786 – escrita pelo vice-rei e encaminhada ao Brigadeiro Xavier da Veiga Cabral da Câmara (governador do Rio Grande do Sul), defende que o “Luva” teria sido deportado para o Rio Grande do Sul, onde falecera em 1824 ou 1825.

Rodrigo, em sua dissertação de mestrado, diz que, não tendo os ditos processos, “considerar-se-ão todas as hipóteses apresentadas acima, pois as duas primeiras são oriundas de relatos orais, e a última, fruto de uma pesquisa arquivística. Assim, tomamos a posição de apresentar as premissas de cada um e deixar em aberto a dita questão”. Parece, todavia, que a versão de Tschudi é a mais provável, por se basear em “pesquisa arquivística”.

Essas histórias continuam na próxima semana.
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(*) Disponível em: <https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/2927>.
(**) As transcrições respeitam a grafia original.

Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

 

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