“Mão de Luva: a verdade – parte 2”, por Celso Frauches

Mão de Luva na visão de Sebastião Carvalho, conferindo o garimpo do ouro colhido por escravos.

(Leia as partes anteriores deste artigo neste link)

O professor, pesquisador, escritor e jornalista Sebastião Antônio Bastos de Carvalho foi redator-chefe do jornal Cantagallo Novo, fundado em 1936 por seu pai, o jornalista Antonio Ferreira de Carvalho. Esse periódico funcionou até 1952. Foi substituído por O Novo Cantagalo, de 1953 a 1965, seguindo sob a direção de Antonio Carvalho e tendo como redator Sebastião Carvalho.

Sebastião nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 13 de janeiro de 1938, e faleceu no dia 24 de maio de 2020, em Nova Friburgo, onde residia, com 82 anos.

Sebastião Carvalho e Rosa Maria
Sebastião Carvalho ao lado de sua esposa, Rosa. Ele faleceu em 2020. O casal trabalhou junto nas pesquisas da verdadeira história de Mão de Luva.

Desde 1991, Sebastião realizou pesquisas sobre as origens de Cantagalo. Nesse mesmo ano, ele publicou o livro O Tesouro de Cantagalo, no qual ele já levantava a verdadeira história de Manoel Henriques, o Mão de Luva, como o fundador de nossa cidade. Em 2013, ele publicou a 2ª edição, revista e atualizada desse livro, onde aprofundou essas pesquisas, com base em documentos obtidos na Biblioteca Nacional e nos arquivos de Minas Gerais. Posteriormente, após a morte de Sebastião, a viúva, Rosa Maria Werneck Rossi de Carvalho, publicou, pela editora Outra Margem, A Odisseia de Mão de Luva na Região Serrana, lançado em novembro de 2020, na Fazenda São Clemente, no distrito de Boa Sorte.

Nesse livro, Sebastião resgata a verdadeira história de Mão de Luva e da fundação do município de Cantagalo.

Os documentos que serviram de fonte para o seu livro são, praticamente, os mesmos, usados pelo Prof. Dr. Rodrigo L. S. Oliveira em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Manoel Henriques nasceu nas Minas Gerais. Casou com Maria da Silva, na Freguesia de Ouro Branco. Seus irmãos: Antonio Henriques, Félix da Silva e Ignacio da Silva. Eles, identificados também por “Os Luvas”, acompanharam Manoel Henriques em sua aventura pelo Descoberto dos Sertões de Macacu.

Criação artística de Arthur Abreu. Mão de Luva na catequese dos índios do Descoberto dos Sertões de Macacu
Criação artística de Arthur Abreu. Mão de Luva na catequese dos índios do Descoberto dos Sertões de Macacu

Escreve Sebastião que Manoel Henriques, o Mão de Luva, cansado de sofrer perseguição oficial em Ouro Branco, perto de Ouro Preto, Minas Gerais, acompanhado de seus três irmãos, “dirigiu-se para o vale do Rio Paraíba do Sul, na Província do Rio de Janeiro, vindo a explorar seus afluentes, notadamente os rios Grande, Macuco e Negro”, citando como fonte a “Carta de Luiz de Vasconcellos e Souza (1742/1809), vice-rei do Brasil, a Martinho de Mello e Castro (1716/1795 – primeiro-ministro da rainha D. Maria I), em 21 de janeiro de 1786”. Essa correspondência confirma as determinações da Coroa Portuguesa, por sua rainha Maria I, cognominada “A Louca”, como na carta do vice-rei ao governador da Província das Minas Gerais, Luiz da Cunha Pacheco e Menezes, datada de 3 de janeiro de 1786.

Com base nesse e em outros documentos analisados, Sebastião pode “avaliar a extensão da atuação dos contrabandistas de ouro, em território fluminense, desde a divisa com Minas Gerais, em Porto do Cunha, margens do Rio Paraíba do Sul, penetrando nos Sertões de Macacu, mais tarde Cantagalo, em sua confrontação com o atual Município de Cachoeiras de Macacu, até o vale do Rio que lhe deu o nome”. Carvalho revela também que “as armas existentes eram usadas exclusivamente na caça e na proteção contra feras”. Os habitantes do Descoberto (Sertões de Macacu) viviam em paz, trabalhando, produzindo, criando seus filhos e progredindo.

No povoado que criou, Mão de Luva ocupava um rancho, com mulher e filhos. A casa era servida por escravo e “um pardo forro”. Quanto ao relacionamento dele com os índios e negros, Sebastião afirma que “era bom, tendo em vista os relatos existentes em documentos oficiais, como o relato do soldado José de Deos, verbis ‘A comunicação com os índios ainda a conservam…’”.

Vice-rei Luiz de Vasconcellos e Souza, governador da Província do Rio de Janeiro., por Leandro Joaquim. Reprodução fotográfica: Romulo Fialdini
Vice-rei Luiz de Vasconcellos e Souza, governador da Província do Rio de Janeiro., por Leandro Joaquim. Reprodução fotográfica: Romulo Fialdini

E São Martinho, em seu Relatório de 17 de maio de 1786 a Luiz da Cunha Menezes (1743/1819), Conde de Lumiares e governador das capitanias de Goiás e Minas Gerais, registra: “No dia 14, depois de feita a diligência das prisões, veio o Capitão dos Índios, chamado Joaquim, a falar-me e pedir-me lhe não fizesse mal, nem ao seu Manoel, que era bom, e que ensinava a gente a rezar, o que assim é, porque alguns rapazes o confirmaram, rezando algumas orações. Eu lhe prometi não fazer mal ao seu Manoel…”. E assim foi. São Martinho entregou os presos ao governador da província do Rio de Janeiro, o Vice Rei D. Luiz de Vasconcelos e Sousa, 4º Conde de Figueiró, sem qualquer violência física. Os presos foram entregues ao governador da Província do Rio de Janeiro por determinação de D. Maria I.

Carvalho informa que “houve várias discordâncias em relação a procedimentos militares, entre o Vice-Rei do Brasil e o Governador da Província de Minas Gerais, no decorrer da tomada do Descoberto do Macacu, que culminou numa verdadeira contenda epistolar”.

O autor de A odisseia de Mão de Luva na região serrana fluminense também revela que Tiradentes, cognominado o “mártir da Independência do Brasil”, foi designado pelo governador da Província de Minas Gerais, antes da invasão da aldeia de Mão de Luva, para “investigar o potencial aurífero, a configuração do terreno e da rede hidrográfica, verificando as possibilidades de penetração, para a implantação de postos avançados, e ainda a situação exata dos moradores: número de pessoas, forças de que dispunham e ocupações a que se dedicavam”. Tiradentes cumpriu a sua tarefa. Essas informações serviriam, mais tarde, após a desocupação da aldeia de Mão de Luva, para a divisão de Cantagalo em sesmarias, fato que ocorreu a partir de 1800.

Sebastião A. B. de Carvalho lamenta a história-lenda de Mão de Luva:

Celso Frauches
Celso Frauches

Vigora, há muito tempo, uma séria indiferença sobre a verdadeira história de Manoel Henriques. Desconsiderar assim um homem que, arrostando grandes perigos, penetrou na selva, em busca de ouro, contrariando as autoridades portuguesas e brasileiras, conseguindo edificar e manter por muitos anos (cerca de vinte) suas rancharias, nas bacias dos rios Negro, Macuco e Grande, é um crime contra a história do Estado do Rio de Janeiro e Brasil”.

Na administração do prefeito de Cantagalo, Saulo Gouveia, Sebastião solicitou constar no saite (isso mesmo: saite; sítio é onde eu criava galinhas, plantava bananas, batatas) da Prefeitura a história real da fundação de Cantagalo e de seu fundador, Manoel Henriques. Mas não foi atendido. Infelizmente.

Na próxima semana, farei um confronto das três narrativas sobre Manoel Henriques, o Mão de Luva: Acácio Ferreira Dias, Sebastião A. B. de Carvalho e Rodrigo Leonardo de S. Oliveira. E esclarecido um mistério: qual a origem da luva preta na mão direita de Mão de Luva? E por que Cantagalo?

Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

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