“Mão de Luva e as origens de Cantagalo – 5”, por Celso Frauches

"Mão de Luva e as origens de Cantagalo - 5", por Celso Frauches

Leia a parte 1, a parte 2, a parte 3 e a parte 4 deste artigo nos respectivos links.

 

Segue, mais adiante, a narrativa do escritor Acácio: “Janeiro de 1784. Dezoito anos haviam decorrido desde que foram lançadas as bases do aldeiamento imaginado por ‘Mão de Luva’ e seus camaradas, nas cabeceiras dos Sertões de Macacú. Um sonho que se transformara em realidade, tomara vida e crescera em sua pujança”.

E continua:

Nascera uma fértil povoação, utopia alcandorada que vivera do embrião como uma crisalida de ouro na alma do sertanista. A aldeia tomava vulto, se estendendo exuberante e promissora por terras fecundas, que se abriam em vastas plantações de cereais, árvores frutíferas, celeiro onde mourejavam três centenas de famílias, colônia de onde surgiria dez anos mais tarde, uma cidade de tradições brilhantes, para se tornar grande e conhecida, pelo valor de seus filhos e pela suavidade de seu ambiente […]. Havia cerca de cinquenta moradas”.

 

Mapa da Capitania de Minas Gerais no século XVIII. Fonte:Araujo - 2008 - p 101.
Mapa da Capitania de Minas Gerais no século XVIII. Fonte:Araujo – 2008 – p 101.

 

Nascia a cidade de Cantagalo.

Já velho, diz o escritor, Mão de Luva governava “com sapiência e respeito” esse povoado, “disposto a defender seus direitos com armas na mão, sonhando ainda com a sua eleita, nas longínquas terras do ultramar”.

 

O duque de Santo Tirso travestido em garimpeiro em Ouro Preto–MG. Criação de Acácio Ferreira Dias.
O duque de Santo Tirso travestido em garimpeiro em Ouro Preto–MG. Criação de Acácio Ferreira Dias.

 

Acácio Ferreira Dias, apesar da lenda de Duque de Santo Tirso, reconhecia em Manoel Henriques as qualidades de um sertanista e garimpeiro, um empreendedor na segunda metade do século XVIII, que se recusava a pagar o quinto – “o quinto dos infernos” – à Coroa Portuguesa, que saqueava as riquezas minerais do Brasil, como todo colonizador, sob a governança do rei D. José I e, em seguida, D. João VI.

Estamos chegando ao fim da colônia El-Rey ou Mão de Luva, entre montanhas, longe das picadas abertas nos “Sertões de Macacu” para o garimpo de ouro de aluvião e seu transporte clandestino para os portos da Baía da Guanabara.

D. Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, convoca o sargento-mor São Martinho ao palácio para lhe dar a ordem de eliminar Mão de Luva e sua comunidade, todavia, antes, deseja conversar com o alferes Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes). Este deveria “investigar se as campanhas desses sertões eram dilatadas e abundantes de matos gerais capazes de fazerem neles amplos estabelecimentos…”. Queria saber que lucros a Coroa Portuguesa podia auferir daquelas terras.

 

Luís da Cunha Pacheco e Meneses, Conde de Lumiares (Lisboa, 1743 / Setúbal, 1819), administrador colonial português, governador das capitanias de Goiás e Minas Gerais. Parceiro de Mão de Luva, mas que foi obrigado a mandar prendê-lo em 1786.
Luís da Cunha Pacheco e Meneses, Conde de Lumiares (Lisboa, 1743 / Setúbal, 1819), administrador colonial português, governador das capitanias de Goiás e Minas Gerais. Parceiro de Mão de Luva, mas que foi obrigado a mandar prendê-lo em 1786.

 

A 20 de abril de 1784, São Martinho e Tiradentes partem para os “Sertões de Macacú” para cumprirem as ordens de D. Luís.

Em viagem, Tiradentes discorda do sargento-mor, que trata Manuel Henriques e seus companheiros como “bandoleiros, indivíduos semi-selvagens, chefiados por um bandido terrível, conhecido pelo apelido de Mão de Luva”.

O alferes, contudo, diz que o “poder real, que nos manda perseguir os garimpeiros, cominando a esses desgraçados, nossos patrícios, a pena de morte, pelourinho, açoites, confisco de bens, degredos para a India e para a Africa… Um governo que, na sua vesânia de ouro, proíbe que se abram estradas, admitindo aquelas que levam o vil metal às casas de fundição. Um governo que para encher as arcas de sua Côrte dissipadora e inculta, manda trancar os rios. Parece mentira, Senhor São Martinho, mas é a desnuda realidade”. Ao tratar Manuel Henriques como “patrício”, parece que o escritor, pelas palavras do Tiradentes, reconhece a nacionalidade brasileira de Manuel Henriques. Um ato falho do romancista? Mas enfim os dois delegados de D. Luís cumprem a sua tarefa. Simplificando: São Martinho não teve resistência de Manuel Henriques, seus irmãos e colegas garimpeiros. Mão de Luva abaixou as armas, após um tiro a esmo, e se entrega com os seus companheiros às tropas de São Martinho. Este prende o grupo e destrói a colônia de Mão Luva. As casas são incendiadas, eliminando os vestígios de um povoado rebelde à tirania portuguesa. Segundo registra o romancista, foram presos “sumariamente” os seguintes mineradores: “Manuel Henriques, por alcunha Mão de Luva, Augusto de Abreu Castelo Branco, Manuel Rodrigues, José Augusto de Lima, José da Silva Leite e seu escravo Narciso, Pedro Vieira de Menezes, Antonio Novais, Francisco Pegádo, Onofre Bernardes, José Preto e Felício Martins”.

 

Duque de Santo Tirso, em Lisboa (Imagem gerada por IA).
Duque de Santo Tirso, em Lisboa (Imagem gerada por IA).

 

Escreve ainda: “O Sargento-Mór, deixando o anspeçada Custodio Pinheiro de Faria, no Arraial de Cantagalo, entrou em triunfo como um Cesar, em Vila Rica, trazendo os prisioneiros carregados de ferros, e os seus despojos, constituídos por duas arrobas de ouro e 26 escravos”. No povoado havia, portanto, 36 pessoas sob a liderança de Mão de Luva. Julgado, Manuel Henriques foi condenado ao “degredo perpétuo para terras de Moçambique”, os demais foram condenados “de cinco a dez anos nas tenebrosas masmorras da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro”.

 

Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

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