“Mão de Luva e as origens de Cantagalo – 9”, por Celso Frauches

Garimpeiros em ação. Obra do Projeto Portinaria

Garimpeiros em ação. Obra do Projeto Portinaria

Leia a parte 1, a parte 2, a parte 3, a parte 4, parte 5, parte 6, parte 7 e parte 8 deste artigo nos respectivos links.

 

Carvalho revela também que “as armas existentes eram usadas exclusivamente na caça e na proteção contra feras”. Os habitantes do Descoberto (Sertões de Macacu) viviam em paz, trabalhando, produzindo, criando seus filhos e progredindo.

No povoado que criou – El-Rey −, Mão de Luva ocupava um rancho, com mulher e filhos. A casa era servida por cinco escravos e “um pardo forro”. Quanto ao relacionamento dele com os índios e negros, Sebastião afirma que “era bom, tendo em vista os relatos existentes em documentos oficiais, como o relato do soldado José de Deos, verbis ‘A comunicação com os índios ainda a conservam…”.

E São Martinho, em seu Relatório de 17 de maio de 1786 a Luiz da Cunha Menezes (1743/1819), Conde de Lumiares e governador da capitania de Minas Gerais, registra: “No dia 14, depois de feita a diligência das prisões, veio o Capitão dos Índios, chamado Joaquim, a falar-me e pedir-me lhe não fizesse mal, nem ao seu Manuel, que era bom, e que ensinava a gente a rezar, o que assim é, porque alguns rapazes o confirmaram, rezando algumas orações. Eu lhe prometi não fazer mal ao seu Manuel…”. E assim foi. São Martinho entregou os presos ao governador da província do Rio de Janeiro, o vice-rei D. Luiz de Vasconcelos e Sousa, 4º Conde de Figueiró, por determinação de D. Maria I, sem qualquer violência física.

 

Luís da Cunha Pacheco e Meneses, Conde de Lumiares (Lisboa, 1743 / Setúbal, 1819), administrador colonial português, governador das capitanias de Goiás e Minas Gerais. Parceiro de Mão de Luva, mas que foi obrigado a mandar prendê-lo em 1786.
Luís da Cunha Pacheco e Meneses, Conde de Lumiares (Lisboa, 1743 / Setúbal, 1819), administrador colonial português, governador das capitanias de Goiás e Minas Gerais. Parceiro de Mão de Luva, mas que foi obrigado a mandar prendê-lo em 1786.

 

Carvalho informa que “houve várias discordâncias em relação a procedimentos militares, entre o vice-rei do Brasil e o Governador da Província de Minas Gerais, no decorrer da tomada do Descoberto do Macacu, que culminou numa verdadeira ‘contenda epistolar‘”.

O autor de A odisseia de Mão de Luva na região serrana fluminense também revela que Tiradentes, cognominado o “mártir da Independência do Brasil”, foi designado pelo governador da Província de Minas Gerais, antes da invasão da aldeia de Mão de Luva, para “investigar o potencial aurífero, a configuração do terreno e da rede hidrográfica, verificando as possibilidades de penetração, para a implantação de postos avançados, e ainda a situação exata dos moradores: número de pessoas, forças de que dispunham e ocupações a que se dedicavam”. Tiradentes cumpriu a sua tarefa. Essas informações serviriam, mais tarde, após a desocupação de El-Rei, para a divisão de Cantagalo em sesmarias, fato que ocorreu a partir de 1786.

 

Paisagem do Rio Paraíba do Sul nas proximidades do Porto Velho da Cunha, cerca de 1900, por Alberto Landoes.
Porto Velho do Cunha, por onde Mão de Luva, irmãos e demais companheiros atravessaram o rio Paraíba do Sul para ingressarem no “Certão dos índios bravios” ou Sertões de Macacu.

 

Sobre a luva preta que Manuel Henriques usava na mão direita, ao contrário de outros pesquisadores, Carvalho afirma que fora, “talvez aleijada nas lides de mineração”.

Sebastião A. B. de Carvalho lamenta a história-lenda de Mão de Luva:

Vigora, há muito tempo, uma séria indiferença sobre a verdadeira história de Manuel Henriques, o garimpeiro; não o bandoleiro, o bandido. Desconsiderar assim um homem que, arrostando grandes perigos, penetrou na selva, em busca de ouro, contrariando as autoridades portuguesas e brasileiras, é desconhecer a verdadeira história de Manuel Henriques. Ele e seus companheiros e escravos edificaram e mantiveram, por cerca de 26 anos, suas rancharias, é um crime contra a história do Estado do Rio de Janeiro e Brasil”.

 

Garimpeiros em ação. Obra do Projeto Portinaria
Garimpeiros em ação. Obra do Projeto Portinaria

 

Na administração do ex-prefeito de Cantagalo, Saulo Gouveia, Sebastião solicitou constar do saite (isso mesmo: saite; sítio é onde eu criava galinhas, plantava bananas, batatas, etc.) da Prefeitura a história real da fundação de Cantagalo e de seu fundador, Manuel Henriques. Mas não foi atendido. Infelizmente.

 

Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

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