Superthal e Caravana da Coca-Cola fazem noite mágica em Bom Jardim
Hoje, fugirei da rotina, não escreverei sobre figuras históricas da nossa comunidade, nem de fatos ocorridos em nossa região. Focalizarei a belíssima história de uma criança, uma menina bem pequena que conheci, há muito tempo, no nosso Hospital de Cantagalo.
Naquele tempo, o nosso velho e querido hospital dispunha de pouquíssimos recursos. Tinha só quatro médicos, que se revezavam nos plantões graciosamente, nada recebendo da instituição que era paupérrima; todavia, o grupo tinha grande disposição para o trabalho, desejando recuperar a imagem do nosocômio que se encontrava em queda livre.
Certo dia, foi internada uma menina frágil, desnutrida e em péssimo estado de saúde, pronta para morrer, virar um anjinho, como era comum dizer entre os mais pobres, conformados com a alta mortalidade infantil da época, decorrência da falta de vacinações, higiene precária com as crianças, verminoses, uso de água poluída e desnutrição decorrente dos baixos salários dos pais.
O mais correto seria providenciar sua transferência para um hospital de mais recursos, onde encontraria condições de cura. Todavia, havia, no Hospital de Cantagalo, um pediatra cuja competência reunia enorme dedicação às crianças, coragem para enfrentar os desafios e incansável trabalho. Seu nome: Dr. João Nicolau Guzzo.
Diagnosticou que Mariazinha estava acometida por violenta virose comprometendo seu sistema nervoso, levando-a ao pré-coma. Determinou sua internação em regime de isolamento e foi à luta. A pequena paciente, esquelética, permaneceu grave diversos dias, morre não morre. Em momentos parecia melhorar, para logo piorar.
Quando algum colega sugeria a sua transferência, Dr. João respondia: “Não, eu cuidarei dela”. Os dias foram se sucedendo e o que parecia impossível aconteceu, Mariazinha foi melhorando; saiu do estado infeccioso agudo, passou do isolamento para a enfermaria das crianças.
A lesão do sistema nervoso pelo vírus causou-lhe uma pequena sequela motora no dimídio direito, Mariazinha claudicava um pouco durante o andar e tinha alguma dificuldade em pegar objetos com a mão atingida. Restava recuperar o seu peso com enorme deficiência.
Saindo da fase aguda da doença, Mariazinha conquistava todas as pessoas por seu sorriso meigo e sua simpatia, era o centro de atenções dos médicos, enfermeiras, funcionários e visitas que chegavam ao hospital. Passados alguns meses, Mariazinha estava com o peso próprio para sua idade e era chegado o momento da alta. Mas onde estava a família da Mariazinha, que não aparecia no hospital?
Um ano depois, Mariazinha continuava no hospital. Alguns diziam, é melhor entregar o caso para a justiça; mas havia o medo da menina ser encaminhada para algum orfanato e sofrer maus tratos. Outros sugeriam a adoção por algum casal sem filhos, mas o casal não aparecia.
Mariazinha não era paciente do hospital, nessa altura dos acontecimentos era uma moradora, correndo por todos os lados pelos corredores do velho casarão. Naquela época, como a calvície já houvesse levado meus cabelos, quando encontrava a menina, levantava-a acima de minha cabeça, dizendo-lhe: “Olhe, o rato roeu meus cabelos”. Ela tapava os olhinhos com as mãos e dizia: “Não quero ver”.
Mariazinha era, ao mesmo tempo, a alegria e a preocupação de todos no Hospital de Cantagalo. O que fazer com aquela criancinha? Todavia, os pensamentos, os caminhos e a lógica de Deus são completamente diferentes daqueles dos seres humanos. Certo dia, um oficial reformado e sua esposa, que já possuíam outras filhas, resolveram adotar Mariazinha. Para nossa alegria, ela estava em ótima família e ficaria em Cantagalo.
O casal a criou como mais uma filha, deu-lhe instrução e um diploma de professora. Foi lecionar na região rural, onde encontrou o amor da sua vida. Casaram-se e constituíram família. Seu marido, hoje, é pessoa de destaque em nossa comunidade e seus filhos trabalham honestamente, enquanto Mariazinha, como professora aposentada, vive tranquilamente e em paz no seu lar.
Na última sexta-feira, em um acontecimento festivo, Mariazinha, agora com cabelos grisalhos, veio me cumprimentar, olhamos diretamente, olhos nos olhos, eu lhe disse: “Você é uma grande heroína!”. Nossos olhos marejaram, enquanto as cenas de uma grande e belíssima história, viajaram por nossos cérebros.
Dizem que Medicina é Ciência e Arte. Para mim é muito mais do que isso: “Medicina é Ciência, Arte e, acima de tudo, imenso Amor!”.