“O Mestre Ferreiro”, por Dr Júlio Carvalho

Sempre tive admiração pelo trabalho dos metalúrgicos, pessoas que, além de vencerem as durezas da vida, também conseguem superar as resistências do ferro, transformando-o em diversos tipos de objetos, algumas verdadeiras obras de arte.

Quando tinha dez anos de idade, passei a residir na rua Rodolfo Albino, 128, onde permaneço até hoje com minha família. Defronte, havia um barracão simples, onde trabalhava um senhor acompanhado de seus filhos mais velhos. Sempre que podia, atravessava a rua e ia ver aquele trabalho que achava tão interessante.

Na simplicidade daquela oficina, havia uma forja ou fornalha cujo fogo era mantido por um grande fole de forma triangular, acionado por uma alavanca puxada para baixo várias vezes pelo braço humano, até acender o fogo. Feito isso, era a peça de ferro colocada no braseiro até chegar ao rubro, quando era retirada através uma tenaz e levada para a bigorna, onde era batida com uma marreta até adquirir a forma desejada.

Naquele tempo, as casas de Cantagalo possuíam fogão à lenha, sendo a água para banhos aquecida através a serpentina; eram tubos de ferro que traziam água fria, passando pelas laterais do foção aceso onde era aquecida, seguindo para outra caixa. A oficina preparava com perfeição essas serpentinas.

Ali, também, eram construídos grades e portões de todos os tipos, calhas e condutores para águas pluviais, ferramentas agrícolas, caixas para água, enfim, todo tipo de trabalho feito com o ferro. Aprendera a profissão com seu pai, senhor Miguel Pinto Teixeira.

O mestre da oficina chamava-se Wenceslau José Teixeira. Todavia, se um estranho chegasse a Cantagalo procurando por esse nome, dificilmente iria encontrá-lo, pois todos o conheciam como seu Lalau, embora fosse honesto, vivendo para o trabalho e a família.

Quando o governo do Estado do Rio de Janeiro construiu o grande prédio do Colégio Lameira de Andrade, todas as grades e instalações hidráulicas foram de responsabilidade do seu Lalau.

Além dos trabalhos perfeitos que realizava em sua oficina, seu Lalau era encarregado pelo serviço de água e esgoto do município, conhecendo o mapa de toda rede de distribuição de água da cidade. Rede construída pelo governo estadual, na época da epidemia de febre-amarela.

Era um cidadão católico, membro da Associação dos Vicentinos, quando a mesma foi criada na Paróquia do Santíssimo Sacramento de Cantagalo; obedecendo aos ensinamentos de São Vicente de Paulo, procurava sempre ajudar os necessitados que o procuravam.

Gostava, nos momentos de folga, de caminhar pelas matas da cidade ouvindo o cantar dos pássaros e caçando pequenos animais. Nesses momentos, aproveitava para examinar as nascentes dos Cambucás que abasteciam a cidade com água pura da melhor qualidade.

Sua residência era em uma chácara no início da subida do Pasto dos Reis; região assim denominada porque, segundo a tradição oral, foi onde ficaram os animais dos militares mineiros que vieram prender Mão de Luva e seus companheiros de garimpo nos Sertões de Macacu.

Seu Lalau gostava de manter as tradições herdadas dos portugueses; assim, em sua chácara, recebia as Folias de Reis com seus cânticos tradicionais e dizeres dos palhaços, algumas vezes até impróprios.

Em junho, fazia questão de comemorar a noite de São João com fogueira e comidas próprias para a festa: doces, batata-doce assada na fogueira, etc.

Era casado com a senhora Mathilde Dias Maciel, resultando do matrimônio os seguintes filhos: Geraldo, Nilza, Zózimo, José, Fernando, Therezinha, Rita de Cássia e José Élio.

Geraldo, falecido recentemente com mais de 90 anos, trabalhava com o pai e era funcionário da P.M. de Cantagalo, conhecendo profundamente toda rede de distribuição de água potável e rede de esgotos da cidade. Certa vez, explicou-me como funcionava a limpeza automática da rede de esgotos, impedindo o mau cheiro. Serviço que desapareceu, infelizmente, depois do convênio da P.M.C. com a Cedae.

Nilza foi casada com Oswaldo Rezende, cantagalense que participou da FEB nos campos de batalha da Itália. É viúva e reside em Nova Friburgo.

Zózimo conhecia a profissão do pai. Foi comerciante e proprietário rural em Cantagalo. Foi casado com a senhora Cenira Ecard. Ambos falecidos.

José foi meu colega de curso ginasial e meu amigo até hoje. Cidadão sempre tranquilo, trabalhou do Rio de Janeiro e em São Paulo. Aposentado, vive ora em Cantagalo, ora em Santo Antônio de Pádua.

Fernando também trabalhou no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde vivia com a família. Sempre que podia, visitava a família e os amigos em Cantagalo. Falecido.

Therezinha e Rita de Cássia foram amigas e colegas de minha esposa no Colégio Euclides da Cunha. Casaram-se e foram residir em outras cidades, mas não abandonaram Cantagalo, visitando nossa cidade sempre que podem.

Carlos Élio, o caçula da família, nosso conhecido Carlinhos do Lalau, casado com a professora Leila Farah, residente em Cantagalo.

Na juventude, destacou-se como lateral esquerdo do Flamenguinho A.C. e, desde jovem, foi competente funcionário público municipal, aparecendo por sua dedicação e conhecimento do trabalho, chegando ao cargo de chefe de gabinete do prefeito Wilder Sebastião de Paula.

Alguns dos descendentes do seu Lalau continuam em nosso município, com seu trabalho ajudando no crescimento de Cantagalo.

Voltando ao focalizado de hoje, lembro-me que, certa tarde, no dia 9 de dezembro de 1962, com temperatura elevada, alguém encontrou correndo pelo corredor lateral da residência de meu pai, pedindo que ele fosse ver o seu Lalau, que estava passando mal. Meu pai atravessou a rua e entrou na oficina defronte nossa residência. Pouco depois, retornava com a fisionomia tristonha, dizendo: “Coitado do meu amigo Lalau, morreu trabalhando!”.

Estava o seu Lalau com apenas 64 anos de idade, todavia, Da. Mathilde, com muito trabalho e com ajuda dos filhos mais velhos, criou os mais novos com dignidade, dando-lhes a instrução necessária para vencerem na vida.

Seu Lalau e Da. Mathilde são exemplos de casal perfeito; que Deus guarde suas almas no paraíso dos justos!

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2 Comentários

  • EXATAMENTE… Dr Julio expressou nesta.materia a simplicidade e dignidade do meu Avô, grande homem que na simplicidade do seu dia-a-dia escreveu uma linda historia, hoje carregamos essa heranca maravilhosa que foi plantada … Obrigada Dr Julio por dar essa merecida homenagem a quem MERECE… Att Mauricia Teixeira

  • Obrigada Dr Julio ,pelo reconhecimento e admiração por meus avós, tios e meu pai .
    Nos filhos, sentimos orgulho de fazermos parte dessa família.Eles são exemplo de união,de valores e que Deus deve sempre estar em primeiro lugar nas nossas vidas

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