“Meus mestres inesquecíveis”, por Celso Frauches

Na minha trajetória ao longo destes 85 anos de vida, meus mestres inesquecíveis não estavam em salas de aula ou qualquer outro ambiente de aprendizagem escolar, desde a pequena Fazenda da Serra até a cidade de Cantagalo, de volta após quase sessenta anos de ausência.

Henrique e Telva, 1936
Henrique e Telva, 1936

Os primeiros mestres foram meus pais, Telva (Etelvina Cosandey da Costa, Etelvina da Costa Frauches, após o casamento com Henrique Luiz Frauches). Com eles aprendi os primeiros passos no amor, na cordialidade, no trabalho, e no respeito às diferenças e aos diferentes. Educadores educados, dignos, íntegros, sob as luzes do amor infinito. Minha mãe nos deixou aos 52 anos de idade, num triste sábado de dezembro de 1963, em um hospital de Bom Jardim. Uma perda precoce, não esperada, mas traumática. Meu pai fez a sua viagem bem mais tarde, em um 1º de abril (que infelizmente não foi uma mentira) de 1985. Ia completar 75 anos semanas mais tarde, no dia 22 de maio, dedicado a Santa Rita de Cássia, que ele sempre comemorava indo às festividades católicas de Euclidelândia e Santa Rita da Floresta, junto com o Pe. Crescêncio.

Jota
Jota

Até os onze anos de idade, tive, ainda na Fazenda da Serra, no distrito de São Sebastião do Paraíba, a mestra em generosidade, em humildade. Com ela aprendi a respeitar os negros, os subalternos, os empregados. Foi a minha babá Jota, um anjo em forma de gente. Creio que a Jota foi também o anjo na vida das primas Leni e Waldevina, filhas dos tios Walter e Nita. Poucos conheceram a Jota. Era tímida, recatada, dificilmente saía de casa, quando passou a residir em Cantagalo, como babá dessas duas queridas primas. Leni escreveu um poema de amor sobre a Jota. Seu perfil está nos primeiros versos:

Dentre as pessoas queridas
Que passaram por minha vida,
Uma deixou grandes marcas
De amor, carinho, guarida.

Seu nome, Francisca Maria.
Mas quase ninguém sabia
Era chamada de Jota
Apelido que prevalecia.

Tio Valter
Tio Valter

Chegando à cidade de Cantagalo, em outubro de 1947, aprendi a me relacionar com outros colegas do ginásio e, mais tarde, do curso científico. Entre outubro de 1947 e fevereiro de 1955, quando fui morar em Niterói, passei a entender o que é ser amigo. Sou filho único, morava numa fazenda. O relacionamento social acontecia na Escola do Porto do Tuta com os meus colegas de classe única, sob a batuta da tia Neli Rodrigues Moreira da Costa, uma mestra nas disciplinas de português e matemática, casada com o tio Acyr, irmão de minha mãe. Lembro-me de duas queridas primas: Enice e Elza, filha dos tios Joaquim Mossa e Vivina, também irmã de minha mãe. Às vezes íamos a aniversários de parentes próximos, na região do Porto do Tuta e na vila de S.S. do Paraíba.

Mas em Cantagalo floresceu forte amizade com o tio Valter e colegas do ginasial, Geraldo (Geraldo Arruda Figueredo), Joãozinho (João Nicolau Guzzo) e Júlio (Júlio Marcos de Souza Carvalho), que permanece viva até hoje. Esses foram meus mestres em reconhecer na amizade uma das fontes inesgotáveis do amor. Amigos para sempre.

Geraldo, Douglas e Júlio
Geraldo, Douglas e Júlio
Nelson de Paula, ao lado de seu pai, Cel. Marcelino de Paula, na solenidade de inauguração da nova agência do Banco Agrícola de Cantagalo, em outubro de 1957.
Nelson de Paula, ao lado de seu pai, Cel. Marcelino de Paula, na solenidade de inauguração da nova agência do Banco Agrícola de Cantagalo, em outubro de 1957.

Ainda em Cantagalo, tive o meu primeiro emprego na farmácia de propriedade do Mário Bon e do Nelson de Paula. Comecei aos catorzes anos e fui até os dezessete. O Mário foi um mestre na gentileza (“Gentileza gera gentileza”, reaprendi mais tarde, na cidade do Rio de Janeiro), na forma como tratava todas as pessoas, não importava qualquer diferença. Com o Nelson aprendi os primeiros passos na gestão de negócios, em particular nas finanças. Foram três anos de aprendizagem constante, incluindo algumas habilidades farmacêuticas.

Milton Loureiro, atuando como repórter do Grande Jornal Fluminense, no discurso do Dr. Júlio Santos, durante a solenidade do Marco do centenário de Cantagalo - 02/10/1957.
Milton Loureiro, atuando como repórter do Grande Jornal Fluminense, no discurso do Dr. Júlio Santos, durante a solenidade do Marco do centenário de Cantagalo – 02/10/1957.

Entre os dezessete e dezoito anos, um amigo desde os quinze anos, Milton Nunes Loureiro, convidou-me para ocupar o cargo de escrevente na Delegacia de Polícia de Cantagalo, onde ele era o escrivão. O delegado era Paloci e o delegado substituto Américo Ventura. Milton, amigo e mestre em habilidades de um amanuense, mas com domínio da datilografia, um profissional extinto. Agora é digitador. Com ele aprendi a redigir cartas, memorandos, ofícios, relatórios, atas e outros documentos cartorários, além de discursos. O amigo Milton mantinha correspondência com pessoas de diversas partes do Brasil e das nações de língua espanhola. Comecei a treinar a redação de cartas, correspondendo-me com outras pessoas, quando melhorei a minha redação. Ele era um poeta, maestro em trovas. Essa habilidade eu não consegui desenvolver…

Celso Frauches
Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

Em Niterói, pude contar com a amizade do Joãozinho, do Júlio e do Geraldo, mas continuei a amizade com um amigo de infância, o primo Douglas (Frauches Alves), nascido no Porto Marinho, filho dos tios Alice, irmã de meu pai, e Moacyr. Eles mudaram para o Rio de Janeiro, em 1939, quando o Douglas tinha três anos de idade. Em Niterói, retornamos ao nosso convívio permanente. Estávamos com dezoito anos, ambos funcionários da Assembleia Legislativa do antigo Estado do Rio. É um amigo inesquecível, meu mestre na arte de interpretar leis, redigir projetos de lei, resoluções, portarias, relatórios, despachos administrativos, além da redação desses documentos para deputados e os órgãos administrativo da Alerj. Por causa dessa aprendizagem passei a ocupar o cargo efetivo de Especialista em Legislação. Pelas mãos do Douglas, ocupei os cargos mais importantes na área administrativa da Alerj. Só não fui diretor geral, cargo de caráter mais político do que administrativo. Mas Douglas foi um mestre em muitas outras coisas, úteis para o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Muito do que conquistei na vida agradeço a ele, um grande/pequeno (na estatura) mestre. Era a gentileza, a generosidade “em pessoa”. Difícil aceitar a sua perda, em 2014.

Paro por aqui, por causa do espaço. Se os leitores quiserem, completarei, na próxima semana, a minha jornada de aprendizagem com os mestres da vida.

Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

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