“Muito além do café”, por Amanda de Moraes

Xícara de café em dia frio

Xícara de café em dia frio

À frente, está uma pessoa sentindo frio. O gelado a faz encolher. Para agravar, o ambiente no qual está inserida é hostil. Ela treme. É um ser humano.

Uma outra pessoa oferece a ela um casaco e uma xícara de café. Nada mais.

Esse fato gerou debate em patamar nacional. Poderia ter sido somente comoção por simples ato de humanidade. Poderia ter gerado reflexão sobre nossas próprias ações.

No entanto, o episódio foi polarizado. Virou capa de jornal. Uns diziam não acreditar em tamanho absurdo: “Como ousam dar esse privilégio?” Outros enalteciam a conduta: “A todos a dignidade de ser um humano”. O Brasil parou para questionar.

Podem um cafezinho e uma manta incomodar tanto?

O pano de fundo desse enredo está na condição do sujeito que foi “agraciado” com o óbvio. Tratava-se de um cidadão preso, em uma audiência de custódia.

A audiência de custódia destina-se a avaliar a legalidade e a regularidade de uma prisão em flagrante, a necessidade de manutenção da pessoa presa ou, ainda, se foi submetida à tortura ou maus-tratos. Há, ainda, uma longa caminhada para que essa pessoa, inicialmente custodiada, seja declarada culpada ou não.

Para muitos, quando se fala em pessoas presas, seja de maneira preventiva, seja como cumprimento de uma pena, o discurso já se inicia com a retirada da condição inata do sujeito: – Foi preso? Tirem-lhe os direitos básicos!

O curioso é: pedem que o estado, representado por uma autoridade, descumpra a lei. Pede-se um tratamento cruel e degradante para os que estão sendo julgados por contrariarem algum dispositivo legal.

A dignidade da pessoa humana diz respeito a garantias vitais de cada um de nós. É um dos fundamentos da nossa República, conforme estabelece a Constituição Federal (artigo 1ª, inciso III). Esse conceito sobre o digno é tema de debates doutrinários. Para os não especialistas da área jurídica, de forma simplória, assegurar que uma pessoa deponha, perante um juiz, sem estar tremendo, faz parte dessa ideia.

O Brasil é signatário de tratados internacionais que versam sobre direitos humanos.

O Conselho Nacional de Justiça, mediante a resolução 2013/2015 (artigo 11, §1º), determina que, para o combate à tortura e a maus-tratos, o magistrado deve assegurar as condições adequadas para oitiva e coleta do depoimento da pessoa.

Pois é, a juíza cumpriu a lei. Não houve privilégio. Não houve regalias e tampouco qualquer deferência ao preso. Houve o que se espera de um juiz: tratar com urbanidade aqueles que se sentam à sua frente.

Uma autoridade tratar com respeito ao próximo deveria ser o normal. E o comum não vira manchete. Esse episódio serve como um termômetro do nosso atual nível de civilidade. Se virou esse fato tema midiático, é porque estamos caminhando mal.

No entanto, é com a agitação da água que podemos ver a sujeira existente no fundo. Aos que não aprovaram a atitude, saibam: pedir a retirada de direito pode impactar no seu direito individual ou de algum familiar que responda a um processo.

Pergunto: você gostaria de ter menos direitos e garantias?

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes

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