“Não são as mesmas 24 horas”, por Amanda de Moraes

Todos nós temos as mesmas 24 horas. Essa frase geralmente se apresenta em discursos motivacionais, apontando como único fator de mudança de vida a vontade própria. É aquele conselho automático diante de qualquer reclamação. Não estou satisfeita com meu corpo? Basta acordar mais cedo e correr. Meu trabalho não me satisfaz? Tenha coragem e faça o que você ama, se jogue. Empodere-se. Faça a correta gestão do seu tempo. Aprenda a administrar o seu.

Pois é, o tempo, em si, sem critérios diferentes, não é exclusivo de Maria ou Roberta. No entanto, Maria, mãe solo, com 3 filhos para criar, possui uma realidade bem diferente de Roberta, mãe de pet, que, no intervalo do seu home-office, dá um pulinho na praia para… espairecer.

Cada ser humano é uma realidade complexa e individual. Enquanto alguns, após um boa noite de sono, fazem pela manhã a sua crepioca com queijo Minas orgânico, acompanhada de uma bebida proteica, outros despertam às 5 horas para pegar o ônibus e chegar a tempo no trabalho. A primeira refeição é só no almoço. No retorno, mais algumas horas de trânsito até voltar para casa e cumprir outros afazeres, tais quais lavar a louça, estender a roupa, passar camisas, varrer a casa, preparar refeições.

Alguns reservam os fins de semana para organizar a vida. Outros, na escala 6×1, precisam correr contra o tempo para, em um único dia, organizar as tarefas básicas do cotidiano.

A inserção das mulheres no trabalho, conquistando espaço em distintas áreas profissionais, não veio acompanhada de uma divisão justa dos papéis atribuídos ao homem e à mulher no ambiente doméstico: jornada dupla, cuidado com a família, a criação dos filhos e a gestão de uma casa (no cenário mais comum, ela faz quase tudo sozinha). Ah! Sem remuneração, é claro.

Independentemente da realidade social – apesar de algumas distinções –, a sociedade ainda impõe, por pressão cultural, os afazeres de casa como encargo feminino, o que, naturalmente, leva à exaustão física e emocional. Além disso, institui-se padrão de beleza feminino, no qual é necessário investir tempo e dinheiro nos campos saúde e estética. A conta não fecha.

“As mesmas 24 horas para todos” não entende muito bem a inflação do preço dos alimentos, a maternidade, o deslocamento para o trabalho e, até mesmo, o universo psicológico individual de cada um.

Em muitos casos, não é preguiça. É exaustão. É depressão. É violência psicológica. É a ausência de estado social forte, apto a suprir necessidades básicas de um ser humano.

É claro que justificativa de falta de tempo é conveniente em outras ocasiões. Por isso, mais fácil atribuir a fatores externos aquele “não estou a fim de mudar, me deixa reclamar só um pouquinho”. Cada caso é um caso.

Seja como for, ninguém melhor do que a própria pessoa para saber como se dividem as suas 24 horas. E, antes de quaisquer deduções, use o sapato do outro para entender a rijeza do seu percurso.

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes

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