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Ao comemorarmos mais um aniversário da proclamação da República (15 de novembro), nada mais natural que relembremos o fato à luz da história cantagalense.
Tal como na maior parte do território nacional, o novo regime não era esperado para tão breve tempo, nem querido por muitos habitantes do lugar, especialmente no que se refere às camadas mais abastadas da cidade e a muitos fazendeiros que, afinal, dominavam a sede e o interior do município. Relativamente a estes últimos, alguns até que aceitavam a novidade, a título de paliativo, desencantados que estavam com o regime monárquico, então apontado como o grande responsável pela abolição do cativeiro. O Barão de Cantagalo, por exemplo, que era titular do Império e dono da Fazenda Sant’Ana, foi um deles. Desgostoso com a Monarquia, em razão da perda dos numerosos escravos que possuía, não titubeou em aderir ao novo credo. Não sabemos se o fez por mera vingança ou movido pela ilusão de acomodar, mais facilmente, os negócios.
A forte oposição estava mesmo na cidade, onde ambas as correntes políticas (partidos Conservador e Liberal) opunham-se, tenazmente, à mudança de regime. Tanto que os primeiros “clubes” republicanos em Cantagalo, ao contrário de outros lugares, não surgiram na sede do município e, sim, nas localidades de Estrada Nova e São Sebastião do Paraíba, na época ainda bastante ruralizadas. Mas, de nada valeu a oposição das classes dominantes. Júlio Santos, principal redator do semanário ‘Voto Livre’, ainda tentou conter a onda, proclamando a necessidade de uma reação popular ao truculento gesto de Deodoro, através do artigo intitulado “Assalto ao Poder”. A única coisa que conseguiu, no entanto, foi a brutal apreensão do seu jornal, que até foi proibido de continuar circulando.
O fato é que, 54 dias após sua proclamação no Rio, ou seja, em 8 de janeiro de 1890, o regime republicano foi oficialmente implantado em Cantagalo, com a posse do Conselho de Intendentes em lugar da então extinta Câmara Municipal. Esse conselho (escolhido a dedo pelo governador Francisco Portella) era composto de jovens idealistas, é verdade, mas sem nenhuma vivência de administração pública: João Baptista Laper, Carlos Brandão, Colleto da Silva Freire, Alberto Augusto Bellieni, Augusto Halfeld, Higino Siqueira e R. G. Rorys. Era, sem dúvida, uma administração bem intencionada, mas totalmente platônica.
Decorridos 124 anos da respectiva implantação, perguntamos: o advento da República foi benéfico para a Terra cantagalense? Ousamos responder que não; pelo menos no início. É que o governador Portella, nomeado para dirigir o recém-criado Estado, sabendo-a simpatizante do extinto regime, resolveu puni-la com a divisão do seu território entre os novos municípios que criou, a saber: São Sebastião do Paraíba, pelo Decreto nº 128, de 7 de outubro de 1890; Itaocara, pelo Decreto nº 140, de 28 de outubro de 1890 (o qual, apesar de emancipado de São Fidélis, arrastou as localidades de Estrada Nova, Laranjais e Porto Marinho, então pertencentes a Cantagalo); Cordeiro, pelo Decreto nº 180, de 24 de março de 1891; Duas Barras, pelo Decreto nº 249, de 9 de maio de 1891; e, finalmente, Macuco, pelo Decreto nº 249, de 9 de maio de 1891. Foi uma senhora sangria.
Com a queda de Portella em 10 de dezembro de 1891 e a eleição de José Thomaz da Porciúncula, tal arbitrariedade foi, em parte, reparada com a volta de Cordeiro, Macuco e São Sebastião do Paraíba ao município de origem. Com essa providência é que se deu a nova arrancada da Terra de Euclides da Cunha, que, tendo de novo sua Câmara Municipal, e à frente dela a figura ímpar de Francisco José de Souza Gomes, superou, com galhardia, a divisão e o surto de febre amarela que vinha dizimando a população, além de encontrar o caminho da redenção econômica e firmar-se como o principal centro político da serra, tornando-se, inclusive, cabeça do terceiro Distrito Eleitoral do Estado e município líder do Partido Republicano Fluminense.
Bafejada, assim, pelo progresso experimentado nos anos subsequentes, Cantagalo até esqueceu as agruras sofridas quando da proclamação da República.
*Clélio Erthal é desembargador federal aposentado, pesquisador e escritor de livros sobre a história da região, especialmente sobre Cantagalo.