“Obra de arte foi feita pelo caricaturista Mauro Miranda. É um retrato do bar do Bilé na década de 50. Os personagens, da esquerda para a direita, são: em pé, José Vieira, Nacib Mansur (varrendo), Luiz Vieira, Nilio Nara e Lulu Bichano (cozinheiro do bar); primeira mesa: João Guzzo, Mario Figueira, Betão Nacif (com violão), Irineu (pai de José Leopoldo Baptista); segunda mesa: Pedro Ivo, Zezito e João Reis; mesa dos fundos: os inseparáveis amigos Tontal e Luis Carlos Falcão; atrás do balcão: Nabi e Bilé”.
Foto: Paulo Cesar Cardoso (Baú do Galo) / Legenda: Rosilene Dionisia De Souza Vieira / Max Vieira
Se eu não me engano, o nome oficial do bar era Bar Ponto Chic, todavia sempre foi conhecido como Bar do Bilé.
Na realidade, o bar era do seu Felippe Mansur, libanês que mudara de Valão do Barro para Cantagalo, com a esposa e seus sete filhos, quatro homens e três mulheres: Matilde, Nacib, Hacib, Nabih, Nilda, Nilton e Nágela, todos queridos em nossa comunidade.
Seu Felippe Mansur gostava de contar que, quando jovem, fora um ótimo goleiro em Valão do Barro, fechando o gol do Valonense. Certa vez, um caricaturista desenhou seu Felippe jovem, debaixo de um gol e com um facão em uma das mãos. Abaixo, a frase: “assim era que seu Felippe foi um ótimo goleiro”. O libanês não gostou da brincadeira e disse uma série de palavrões em árabe. Ainda bem que ninguém entendeu!
Quando seu Felippe faleceu, o bar passou aos cuidados dos filhos Hacib e Nacib, ajudados pelo tio Chicre. Na época, se você falasse Hacib ninguém conheceria, mas se fosse dito Bilé todos conheceriam a figura gorda e simpática, sempre educada, pois esse era o apelido familiar do Hacib desde a infância.
Bilé soube conquistar a freguesia e os amigos, tanto que o Bar Ponto Chic passou a ser chamado de Bar do Bilé, tamanha a popularidade do gordo proprietário.
Na calçada oposta ao bar, era o ponto de taxis que, naquela época, eram denominados carros de aluguel. Inicialmente eram quatro motoristas: Oscar Sereno, Euclides Resende, Sebastião Gonçalves e Odilon Leitão. Depois, surgiu o Julinho da Dona Cota. Todos possuíam carros antigos com capotas de lona. Mais tarde, Sereno e Euclides Resende compraram carros mais novos (1939?), com cobertura metálica, tapetes, vidros acionados através manivelas e rádio. Foi um sucesso total!
Quando você precisasse de um taxi, pedia a telefonista que ligasse para o 58, era o telefone do Bar do Bilé, que prontamente providenciava o veículo.
Nas horas de folga, quando escasseava o serviço, os motoristas de taxis jogavam dominó nas mesas do Bar do Bilé, onde conversavam. Assim corria a vida!
O bar se destacava pela fabricação de um picolé de coco e um sorvete de ameixa inigualáveis, sem falar das comidas de origem árabe, como o quibe recheado com labi e queijo, especialidade do Nacib Mansur.
O Bar do Bilé era o centro do romantismo, do bom humor e da alegria, interrompidos uma única vez, quando, em um domingo, o irmão mais novo, Niltinho, ao tomar banho no rio Negro, caiu na cachoeira do Rio Negro, onde faleceu. Foi um dia de tristeza para Cantagalo, época em que a cidade era menor e mais solidária.
Havia um motivo principal de atração para o citado bar, o Bilé era dotado de uma linda voz e o seu bar era o ponto de encontro de todos os seresteiros de Cantagalo e de outras cidades da vizinhança.
Nos finais de semanas, era comum a presença de pessoas procedentes de Nova Friburgo e de Macaé que apareciam no bar para se deliciarem com iguarias árabes e ouvirem músicas românticas daquela época.
Além de cantar em seu estabelecimento comercial, Bilé era um extraordinário seresteiro que brindava a população cantagalense com sua voz inconfundível, acompanhado ao violão por Michel Nacif e Elias João, ambos descendentes de libaneses. Michel era um mestre no violão. Lembro-me que, na minha infância, meu pai certa vez o pediu para tocar La Comparsita, no jardim de Cantagalo, e ele a executou de modo brilhante.
Durante as serestas, algumas pessoas abriam as janelas para ouvir o nosso seresteiro, aplaudindo o cantor ao final de cada música.
Com o passar do tempo o número de seresteiros foi acrescido de novos membros: Pedro Ivo Reis, João Guzzo, Guilherme Salgado, Nílio Nara, Betão e João Reis. Todavia, o príncipe dos seresteiros continuava a ser o Bilé.
Naquele tempo ainda existia o Cineteatro Elias, onde algumas vezes esses cantores e outros se apresentavam. Foi uma bela época que deixou muita saudade!
Bilé tinha uma característica: só gostava de cantar com silêncio dos ouvintes, antes de iniciar dizia: “Silêncio, vamos respeitar e ouvir quem está cantando, tocando e ouvindo”.
Certa vez, Bilé foi levado para cantar em um programa da Rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, sendo apresentado como a “Voz tenor do interior do Rio de Janeiro”. Nessa hora, todos os rádios de Cantagalo estavam sintonizados na Mayrink Veiga.
Bilé gostava também de carnaval, sendo um dos fundadores da vermelho e branca, havendo comprado o primeiro uniforme da bateria, camisas listadas de vermelho e branco.
Bilé era portador de uma úlcera duodenal. Certa vez, estando da cidade do Rio de Janeiro, em casa de sua irmã, buscando tratamento para sua doença, foi acometido de uma profusa hemorragia digestiva, vindo a falecer no dia 02 de julho de 1963, aos 39 anos de idade. Seu corpo foi transferido para nossa cidade e aqui sepultado.
A pequena rua em que morava recebeu o seu nome, Rua Hacib Mansur (Bilé), numa justa homenagem do poder público, todavia nossas noites jamais ouviram a voz aveludada do Rouxinol Cantagalense.
OBS: Agradecimentos ao grupo no Facebook Baú no Galo, por manter um acervo de imagens que sempre auxiliam a enriquecer estes artigos.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.