“O Bar do Seu Janjão”, por Dr Júlio Carvalho

Rua principal de Cantagalo, nos anos 50. Ao fundo, vê-se o bar do Janjão, no mesmo local em que hoje se ergue o Edifício Solar dos Melros. Foto: Henrique Bon

Enquanto vou curtindo as dores de uma antiga hérnia discal entre L4 e L5, com intensa limitação da marcha, meu pensamento volta para o passado lembrando, com saudade, de acontecimentos da minha infância.

Hoje, pensei muito no Bar do Seu Janjão. O nome oficial era Bar Central, mas todos diziam Bar do Seu Janjão. Realmente ficava no centro de Cantagalo, primeiro prédio da rua Barão de Cantagalo, defronte à Praça dos Melros e o Largo da Igreja, hoje Praça Cônego Crescêncio Lanciotti.

Era um antigo prédio com quatro portas em baixo e quatro portas em cima que davam para uma comprida sacada de ferro. Sendo que a primeira porta era o início da escada de acesso ao sobrado.

"O Bar do Seu Janjão", por Dr Júlio Carvalho
Farmácia de “seu” Euclides (com ele na porta), sobrado do “seu” Janjão, com o bar embaixo, a casa de dona Hercília e dona Haydée, a loja de “seu” Mansur, a casa de Zim Barbeiro (Marília Reis), a loja de Tufic Farah (pai de Eliane Farah), e o o antigo Colégio Euclides da Cunha, prédio alto, mais no final, em possível desfile do Curso Amélia Tomás. Foto: Angela Araujo de Souza (clique para ampliar)

Mais tarde, o sobrado foi demolido com a casa ao lado, onde moraram por muitos anos Dª. Hercília e Dª. Haydée Costa, catequistas da Igreja Católica por muitos anos, dando lugar ao prédio Solar dos Melros. Era a modernidade chegando a Cantagalo!

O Bar do Seu Janjão era o ponto de encontro da elite de Cantagalo, os políticos ali se reuniam para longos papos, enquanto as esposas e os filhos comiam deliciosos doces e salgadinhos confeccionados pela família do seu Janjão.

Para mim, o melhor doce era o canudinho: em um cone de massa era colocado um doce de coco saborosíssimo. Quando mordíamos a ponta do cone, escorria um caldo do doce de coco. Era um delicioso prazer para o sabor e para o espírito.

O bar possuía mesas de mármore apoiadas em pés de ferro, com cadeiras comuns. Tudo muito limpo. O bar foi o primeiro da cidade a fabricar picolés e a possuir a máquina de cortar presuntos e queijos em finíssimas fatias. O dono era mesmo um pioneiro!

Meu pai me levava e o meu irmão Mauricio para comer doces e tomar guaraná da Brahma no bar aos domingos. Depois de ingerir o guaraná, o gás no estômago provocava um arroto. Certo domingo, o Maurício não abriu a boca e os gases saíram pelo nariz. Ele então voltou para rua dizendo que estava com o nariz queimando. Coisas de criança!

Atrás do salão principal, havia um amplo salão de sinuca e bilhar, onde era proibida a entrada de menores. Todos respeitavam, menos o meu querido amigo de infância João Guzzo, sendo neto do seu Janjão, ia para o salão onde dava muitas tacadas, transformando-se em um exímio jogador de sinuca.

Certo domingo, quando meu pai passeava comigo no jardim, o Michel Mansur, amigo do meu pai, o convidou para uma partida de bilhar. Venceu facilmente, pois era um campeão! Mas quem era seu Janjão?

O nome verdadeiro era João Nicolau Filho; descendente de pais italianos procedentes da Itália, região da Toscana; João Nicoláo e Alexandrina Fedulo Nicoláo. Imigrantes, eram trabalhadores rurais que se instalaram na fazenda do Gavião.

João Nicoláo Filho era o caçula de uma irmandade de seis membros, nascido no dia 02 de dezembro de 1887, no local em que seus pais trabalhavam (Gavião), portanto um autêntico cantagalense. Aos oito anos, ficou órfão de pai, tendo que trabalhar para ajudar na manutenção da família. Com isso, estudou apenas o primário.

Depois de adulto, abriu uma funilaria em Cantagalo, fabricando latas de manteiga, biscoitos, marmitas, baús, formas de bolo e lampiões de querosene que iluminavam as ruas da cidade antes da chegada da energia elétrica. Aprendera essa profissão com o pai. Contam que ele é que acendia e apagava esse lampiões nas horas determinadas pelas autoridades da época.

"O Bar do Seu Janjão", por Dr Júlio Carvalho
Subindo a rua: Loja de “seu” Mansur, Casa de Ercília e Haydée Costa, catequistas, Bar de “seu” Janjão, embaixo do solar dos Nicolau, Farmácia (ou Pharmacia?) do Sr. Euclides Santana, casa da família Abraão Sabb, e por aí vai… Foto: Angela Araujo de Souza (clique para ampliar)

Criou, também, uma torrefação de café, o Café São João, que alguns dizem ter sido a primeira torrefação de Cantagalo.

Mais tarde, o bar ficou com seu genro Antônio Salvador, casado com a Prof.ª. Therezinha Nicolau.

Já idoso, seu Janjão montou uma casa comercial na rua Chapot Prevost nº 128. Todo ano, na véspera do Natal, mandava entregar uma cesta natalina na casa de meus pais, confirmando uma amizade de mais de meio século.

Há cerca de dez anos, seu neto e meu amigo Alexandre Nicolau Guzzo me convidou para ver alguns álbuns de retrato do seu avô. Neles, encontrei vários retratos de festas no sobrado do seu Janjão em que meus pais estavam presentes.

Seu Janjão era um homem temperamental, como grande número de italianos e descendentes, e ao mesmo tempo era bondoso e caridoso. Certa vez, queria agredir o Sr. Diavolasse de Oliveira Reis por divergências na maçonaria, só mudando de ideia depois de conselhos de meu pai e outros amigos. Eram vizinhos!

Participava de todas as iniciativas visando o crescimento de Cantagalo. Desse modo, foi um dos fundadores da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Cantagalo e do Banco Agrícola de Cantagalo. Na placa comemorativa da fundação da Aciacan, seu nome foi trocado aparecendo João Nicolau Guzzo, seu neto, médico, que à época não era nascido.

Músico e grande admirador das bandas de música, seu Janjão participou da Flor de Maio e da Sociedade Musical XV de Novembro, onde tocava pratos. Homenageava as bandas que visitavam Cantagalo com grandes banquetes em sua casa. Mereceu que outro cantagalense, o extraordinário maestro Joaquim Naegele, o homenageasse com o dobrado Janjão, de difícil execução pela banca de clarinetistas, o que é uma característica dos dobrados desse grande maestro.

O dobrado Janjão é conhecido mundialmente. Durante a Segunda Guerra Mundial, era o prefixo da BBC de Londres no noticiário da guerra.

 

 

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

No dia 24 de junho, o largo da igreja era enfeitado pela família do seu Janjão. Ali era montada e acesa uma grande fogueira em homenagem ao santo precursor de Cristo. Muitos balões subiam ao céu (não era proibido) e a fartura de bebidas e comidas era uma rotina.

Seu Janjão era casado com a senhora Clarinda de Brito Nicolau, de cuja união resultou enorme prole de 14 membros. Todos destacadas figuras da sociedade cantagalense, alguns queridos amigos que já partiram para a eternidade; hoje, ainda permanecem em Cantagalo alguns dos seus netos.

Quando Leonel Brizola foi governador do estado do Rio de Janeiro, o Dr. João Nicolao Guzzo, médico pediatra que prestou relevantes serviços a nossa infância, sendo presidente do diretório municipal do PDT, empenhou-se de corpo e alma para construção de um Ciep em Cantagalo, que recebeu, merecidamente, o nome de JANJÃO, homenagem a um cantagalense que amou intensamente nossa terra, lutando sempre pelo seu crescimento.

Fotos: Baú do Galo, postadas por Henrique Bon e Angela Araujo

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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