“O Coreto”, por Dr Júlio Carvalho

No princípio, era um grande descampado defronte a Igreja do Santíssimo Sacramento. Nos dias chuvosos, a lama atrapalhava o caminhar das pessoas que por ali passavam. Todavia, em 1879, o Presidente da Câmara Municipal de Cantagalo, Sr. Augusto de Souza Brandão, 2º Barão de Cantagalo, demarcou uma área e decidiu pela construção do jardim de Cantagalo.

No centro do mesmo, havia um quiosque de madeira octogonal, aberto nas laterais, onde, em balcões, eram expostas às mercadorias a serem vendidas: doces, frutas e salgadinhos. Ao mesmo tempo, o quiosque era um ponto de venda de jornais e revistas, informações e de encontro dos moradores da cidade.

Durante muitos anos, o jardim de Cantagalo, conhecido como Praça XV de Novembro, foi cercado por grades de ferro que se apoiavam sobre uma mureta de pedras; existindo três portões que, à noite, eram fechados com a finalidade de proteger o bem público de depredações causadas por elementos indesejáveis.

Em 1919, o Grêmio Euclides da Cunha instalou no jardim um busto em bronze do escritor Cantagalense Euclides da Cunha, recebendo o nosso jardim o nome desse ilustre conterrâneo.

Nessa ocasião, o Colégio Nossa Senhora das Dores, sob a regência da Profa. Maria Belliene d’Olival (Da. Maricota), cantou, pela primeira vez, o Hino de Cantagalo, de autoria do ilustre cantagalense Prof. Arthur Nunes da Silva, advogado e professor da Faculdade Fluminense de Direito.

Anos mais tarde, foi construído um local mais elevado no jardim, que passou a ser designado de Senado, onde se encontra, hoje, o busto do Papa São João XXIII. Outrora, quando os meios de comunicação eram limitadíssimos, era comum os políticos se reunirem com o povo neste local, fazendo seus discursos, passando suas ideias para os eleitores, havendo, também, discussões sobre diversos assuntos. Lembrava a Filosofia em Atenas! Dr. Júlio Santos, grande líder cantagalense, dizia: “O jardim de Cantagalo é a minha vida!”.

 

Praça João XXIII
Praça João XXIII

 

Na minha infância, como não existisse televisão, depois do jantar, todos os casais iam com seus filhos para o jardim, sentando-se nos bancos do senado que eram mais próximos uns dos outros. Enquanto conversavam animadamente, seus filhos brincavam de quatro cantos nas três palmeiras existentes no senado ou disputavam quem colhia maior número de flores brancas, que caiam de uma árvore próxima do pau d’água.

Quem tinha seus problemas expunha para os amigos, recebia conselhos, apoio e orientação, melhorando a situação psicológica. Ninguém procurava o analista ou usava tranquilizantes para dormir. O mundo era mais solidário e mais humano!

Em 1924, o Prefeito Joaquim José Gonçalves determinou a demolição do quiosque central, construindo, em substituição ao mesmo, o belo coreto que existe até hoje.

O projeto foi de autoria do Sr. Leopoldo F. Goulart, homem inteligentíssimo, titular de um dos cartórios de justiça de Cantagalo, dentista prático, teatrólogo, dotado de grande cultura, mas que faleceu precocemente vítima de uma vasculopatia periférica de membros inferiores. O arquiteto foi o cantagalense Francisco Fernandes, mais conhecido como Chico Fernandes, que observou rigorosamente o projeto do Sr. Leopoldo Goulart.

O coreto tem sua arquitetura em harmonia com a natureza, em forma octogonal. Suas paredes imitam madeira, enquanto suas colunas se assemelham a troncos de árvores. Em suas paredes foram esculpidos animais de nossa fauna: sapos, cobras, lagartos e tartarugas, de cujas bocas jorra água.

A cobertura é em alumínio, enquanto os beirais, do mesmo metal, são ricamente trabalhados. A parte central é constituída por uma cúpula revestida de vidros coloridos, terminando por um pináculo metálico que aponta para o infinito.

 

Praça de Cantagalo, início do séc XIX
Fórum de Cantagalo, no final do século XIX. Na foto, é possível ver parte das grades de ferro que cercavam a praça.

 

No coreto primitivo, havia uma porta defronte o senado que dava acesso ao porão, de onde, em uma escada de madeira de quatro degraus, subia-se ao piso do coreto, onde a Sociedade Musical XV de Novembro, sob a regência do imortal maestro Carlos Gomes Pereira (Sr. Carlinhos), realizava suas inesquecíveis retretas sob aplausos do público presente.

Na infância, eu e outros meninos levávamos as bolsas de pano com as estantes dos músicos e as partituras musicais da sede da banda (rua Rodolfo Albino, s/nº) até o coreto; para nós era uma honra!

Na década de trinta, as grades que circundavam o nosso jardim foram retiradas e levadas para Cordeiro, na época nosso 3º distrito, e colocadas no jardim da Igreja Nossa Senhora da Piedade, onde permanecem até hoje.

Em 1944, quando o médico Dr. Carvalho Junior foi Prefeito de Cantagalo durante dois anos, o nosso jardim sofreu uma radical modificação que observou o projeto feito pelo Prof. Kato, residente em Nova Friburgo e professor do Colégio Anchieta. Foram construídas as muretas de pedra, recobertas por cerâmica vermelha, bem como os caramanchões que deveriam estar recobertos por trepadeiras floridas. O piso do jardim foi elevado e nivelado com terra procedente do cemitério velho, o que gerou várias críticas por parte da U.D.N. (partido da oposição).

O trabalho foi realizado pela equipe do construtor português Sr. David da Costa Lage. Nessa ocasião, o coreto, que se encontrava um pouco danificado, foi recuperado e pintado, procurando o construtor imitar as cores iniciais de 1925.

Em 1989, na gestão do Prefeito Geraldo Pires Guimarães, outra reforma foi realizada no jardim de Cantagalo. Dessa vez, as alterações no coreto foram mais acentuadas. O acesso ao piso foi alterado, passando a ser por uma escada de mármore defronte ao senado; no primeiro degrau duas pequenas colunas suportavam na parte mais elevada dois globos leitosos com iluminação, sendo substituídos posteriormente por vasos com samambaia. Ficou mais bonito, embora tenha perdido a originalidade; hoje, os turistas e os cantagalenses aproveitam a escada para fotografias.

Foi colocado, também, um forro no teto; antes, via-se a estrutura de madeira que sustentava o telhado de zinco. Acrescentaram, ainda, no centro da cobertura um lustre com várias lâmpadas, substituindo um grande globo leitoso decorativo que existia inicialmente.

Atualmente, o coreto encontra-se em péssimo estado de conservação, contrastando com o jardim que está maravilhosamente cuidado; um dos beirais de alumínio trabalhado está parcialmente solto, pendurado, com risco de cair e sofrer danos matérias na decoração.

Nosso coreto é tombado pelo INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural), conforme processo E-18/300.238; D.O. de 16 de dezembro de 1985, devendo cumprir todas as exigências legais na sua restauração, embora já esteja bastante modificado.

Consta que existe na P.M. de Cantagalo um processo pronto na mesa do Prefeito, aguardando assinatura, para restauração do nosso belíssimo coreto. Roguemos a Deus que tudo seja feito em ritmo acelerado e que o INEPAC não crie muitos obstáculos, para que renasça o esplendor dessa joia arquitetônica de Cantagalo.

Aleluia! Aleluia! Aleluia!

Obs.: com meus agradecimentos ao Prof. Gilberto Cunha Junior por sua importante colaboração.

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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