“O Grande Pastor”, por Dr Júlio Carvalho

O mês de setembro foi fértil na comemoração de centenários de brasileiros que se destacaram em diversos ramos da atividade humana, permanecendo vivos na memória dos brasileiros pelos exemplos de vidas que nos legaram.
Sendo setembro o mês da árvore e do início da primavera, quando as chuvas caem regando a terra para que a mesma possa germinar as sementes nela lançadas, produzindo alimentos que manterão vivos os animais, também permitiu o nascimento desses homens que se destacaram.

No início do mês de setembro, o Brasil comemorou o centenário de três ilustríssimos brasileiros, que se destacaram em atividades diferentes: D. Paulo Evaristo Arns, Paulo Freire e Zizinho.

Hoje escreverei sobre o Cardeal de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns. Antes, porém, tecerei algumas linhas sobre os outros dois.

Paulo Freire
Paulo Freire foi o grande mestre, nascido no nordeste brasileiro, onde sempre se preocupou com o ensino

Paulo Freire foi o grande mestre, nascido no nordeste brasileiro, onde sempre se preocupou com o ensino. Lutando contra o analfabetismo brasileiro, criou um método próprio para combater essa grande mácula da civilização brasileira.

Socialista, manteve-se sempre ligado aos problemas dos mais pobres e analfabetos, explorados nos canaviais do nordeste. Durante o regime militar, que prevaleceu no Brasil por mais de duas décadas, foi perseguido e rotulado como comunista; permaneceu exilado. Todavia, o método Paulo Freire foi reconhecido e adotado em muitos países e ele se tornou uma figura mundial. Hoje, os perseguidores já desapareceram nas brumas do tempo, enquanto o nome de Paulo Freire continua vivo entre os mestres brasileiros e mundiais.

Outro brasileiro cujo centenário aconteceu no início de setembro foi Zizinho. Esse foi mestre em outra atividade humana difícil, o futebol.

Nascido no estado do Rio de Janeiro, creio que em Niterói, Zizinho apareceu no C.R.Flamengo (o mais querido do Brasil), afro-brasileiro, tipo caboclo, de média estatura, na década de 40, quando o rubro-negro carioca conquistou o seu primeiro tricampeonato.

Era o verdadeiro mestre de futebol, tratava a bola com todo carinho e era o dono absoluto da meia direita da seleção brasileira. Em 1950, quando o Brasil foi derrotado pela seleção do Uruguai, no Maracanã, por 2 x 1, com o jogo terminando, Zizinho chutou forte mas a bola não entrou, preferiu tocar o travessão defendido pelo bom goleiro Uruguai, Máspoli; se fosse gol, com o empate, o título seria brasileiro. Como dizem os árabes “Maktub”, foi o destino!

Zizinho
Zizinho era o verdadeiro mestre de futebol, tratava a bola com todo carinho e era o dono absoluto da meia direita da seleção brasileira

Depois, o presidente do Flamengo, creio que Dario de Mello Franco, vendeu o passe de Zizinho para o Bangu, sem autorização do mesmo. De lá Zizinho, foi para o São Paulo, onde se sagrou campeão paulista.

O rei Pelé declarou que o grande mestre de sua vida, como atleta do futebol, foi Zizinho. Infelizmente, naquela época, os meios de comunicação eram precários, a guerra mundial enlutou o mundo de 1938 a 1945. E Zizinho ficou mais conhecido na América do Sul. Nos dias de hoje seria um dos jogadores mais valiosos do mundo, jogando em algum clube milionário da Europa.

Quando morei na rua Pereira da Silva, em Icaraí, Zizinho comprou um apartamento defronte, em um prédio que estava em final de construção, sendo o primeiro morador do mesmo. Era uma figura simpática, um bom papo para os fins de tardes.

Depois que retornei para Cantagalo, em uma noite, encontrei Zizinho vendendo o livro sobre sua vida, no interior do Bar São Jorge. O mesmo papo agradável, fala mansa, tranquilo com a vida e muitas recordações, nessa época seus cabelos já estavam grisalhos.

Felizmente, ao contrário do que aconteceu com outros jogadores da nossa seleção, Zizinho foi nomeado para um cargo na Secretaria de Finanças do antigo estado do Rio de Janeiro, terminando sua existência de modo tranquilo e em paz com a vida.

Dom Frei Paulo Evaristo Arns com Tancredo Neves
Dom Frei Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, durante encontro com o político Tancredo Neves na capital paulista, na década de 1980 — Foto: Sidney Corrallo/Estadão

Finalmente, entre os centenários comemorados em setembro, no dia 14, foi o do Cardeal D. Paulo Evaristo Arns. Catarinense de Forquilhinha, era membro de uma irmandade de 14 componentes.

Pertencia a Ordem Franciscana, sendo o quinto arcebispo de São Paulo, maior cidade brasileira, durante 28 anos. Além da intensa atividade religiosa, D. Arns se destacou pela luta contra as injustiças sociais, a favor das populações pobres que viviam marginalizadas nas periferias da cidade mais rica do Brasil, e teve a coragem de defender os direitos humanos no período mais violento do regime militar, colocando-se contra as violências, as torturas e as mortes ocorridas no interior de algumas prisões e rotuladas com “suicídios”. Nesse período, desapareceram cerca de 1.500 brasileiros.

Tomando posse em São Paulo, um dos primeiros atos do cardeal D. Paulo foi vender a sede do episcopado paulista, um palácio riquíssimo. Com o dinheiro apurado, comprou terrenos na periferia da cidade, construindo Centros Eclesiais de Base e casa populares, distribuídas aos mais pobres que viviam em favelas.

Nos C.E. de Base, os moradores se reuniam para rezar e apresentar suas necessidades. O povo era ouvido! Que bom se todas as religiões agissem desse modo. O povo seria mais feliz e as injustiças menores!

Dom Frei Paulo Evaristo Arns e sua irmã, Zilda Arns
Dom Paulo Evaristo Arns e sua irmã, a médica pediatra, sanitarista e coordenadora da Pastoral da Criança, Dr. Zilda Arns Neumann, chegando ao Mosteiro de São Bento, em São Paulo, para audiência com o Papa Bento XVI, em maio de 2007 — Foto: Hélvio Romero/Estadão

Quando o jornalista Vladimir Herzog apareceu morto e enforcado no presídio da DOI-CODI paulista, sendo sua morte atribuída a suicídio pelos militares, D. Paulo Evaristo Arns não aceitou o argumento.

Como protesto contra a morte desse jornalista e contra a tortura, realizou na Praça da Sé, na capital paulista, um ato ecumênico com o Pastor Presbiteriano Jaime Wright e com o Rabino Henry Sorbel, que reuniu muitos milhares de pessoas. Dizem alguns que esse ato ecumênico foi a primeira ação que abalou os alicerces do regime militar brasileiro, que prevaleceu durante 21 anos.

Junto com o Pastor Presbiteriano Jaime Wright, criou o movimento “Brasil: Nunca Mais”, denunciando as torturas praticadas no Brasil. Acolheu os refugiados das ditaduras do cone sul.

Segundo o secretário-geral da CNBB, D. Joel Portella Amado, D. Paulo Evaristo Arns se tornou um ícone da defesa dos desamparados e perseguidos.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

D. Paulo era um homem que falava de modo direto. Ao visitar o Paraguai, na ditadura do General Stroiner, ao se recebido pelo vice- presidente do país vizinho que lhe perguntou: “Em que podemos lhe servir?”, ele respondeu: “Soltem os presos políticos”. Assim era o Cardeal de São Paulo.

Seu centenário foi comemorado em várias instituições brasileiras. D. Paulo foi o verdadeiro filho do grande Francisco de Assis, criador da Ordem Franciscana.

Acredito que todos aqueles que lutaram pelos direitos humanos e que já partiram para a vida eterna, estão diante do Cordeiro Divino, balançando palmas em honra ao Criador (Ap 7, 9-10).

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

 

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