“O Perdão”, por Amanda de Moraes

Recentemente, o Brasil foi aturdido com a notícia de mais um ataque a uma escola, desta vez em Cambé, no norte do Paraná.

O assassinato, em si, já é algo trágico. Em uma escola, faz corações inflexíveis chorarem e descompreenderem a maldade humana.

O espaço escolar é um local sagrado, para a projeção de um futuro melhor. Todos os dias, pais e cuidadores deixam seus filhos nos colégios, com o sonho de que, ao voltarem para casa, terão aprendido algo a mais. A cada dia, a sala de aula abraça as expectativas mais nobres: “Hoje, meu filho irá estudar algo novo.

Os sonhos? Todos que puderem existir. A partir do giz do professor, o país pode ser renovado por uma leva de profissionais das áreas mais distintas. Os esforços diários dos genitores pelos rebentos são cativantes. O sonho maior de um pai e de uma mãe é que os filhos alcem os voos mais altos. Para pai, mãe e filhos, neste texto, consideremos também os que não são de sangue. O amor incondicional é além.

De uma mãe, li uma entrevista concedida à mídia. Ela, enlutada pela morte da filha, vítima de um atentado em uma escola. Sob o manto das palavras de Jesus Cristo, pediu que todos orassem pelo rapaz que ceifou a vida de sua menina. Quem comete um ato desses, pontuou, está doente. Porém, ela já o tinha perdoado.

Apesar disso, a indignação, raiva e ódio, quando se está diante de um atentado contra alunos, em sala de aula, são mais do que legítimos. Podemos dizer que é humanamente humano. O que dirá, então, sobre os pais, que não mais poderão ouvir, com um orgulhoso sorriso, as boas-novas contadas todos os dias pelos filhos?

Em casos como esses, o clamor por levar o criminoso ao Tribunal do Júri é esperado.

O Júri foi instituído no Brasil há bastante tempo e é responsável por julgar os crimes dolosos (intencionais) contra a vida. Está previsto em nossa Constituição Federal. É o tribunal formado por pessoas do povo, da comunidade, que determinam se o réu deve, ou não, ser condenado. Grosso modo, leigos poderão condenar leigos.

O perdão, por outro lado, não pressupõe a justiça. E, aqui, não me refiro à desculpa como absolvição pela lei, em absoluto. Digo a remissão individual, que habita o miocárdio humano.

Jesus Cristo, ao ser crucificado, pediu: “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem” (Lucas 23,34). Sua doutrina pregava o ato de perdoar como caminho; que seja exercido não uma ou duas vezes, mas setenta vezes sete, quer dizer, eternamente.

Esse ato, aliás, é dado ao outro, porque se reconhece a humanidade. “Se se é imperfeito, sabe-se que o próximo também o é.

Talvez esse ato diga mais respeito a si próprio do que ao outro. Antes de libertar o algoz de eventual pena, liberta a quem o aplica. Santo Agostinho clamava, para evitar a degradação humana, esse remédio.

É verdade que a nobreza do perdão capacita o ser humano a seguir em frente, rasgando a teia do ressentimento que entrelaça vítima e autor, dores e atrocidades. Convenhamos, claro, que, posto que belo, não é nada fácil. Nesses momentos, recordo-me sempre das anotações de Biá (personagem de Carla Madeira, no livro A natureza da mordida): “O coração não é um lugar razoável quando está tomado.

Esvaziar o coração. Melhor, preenchê-lo com amor, que requererá a renúncia e o desapego.

A atitude da mãe citada acima torna ainda menores ressentimentos comezinhos. A morte é o fim de qualquer possibilidade (neste mundo).

No Brasil, apesar de, popularmente, falar-se muito em impunidade, a população carcerária é significativamente alta, sendo a pena cumprida em condições degradantes. Sofrimento para esses infortunados é o que não falta.

Ainda assim, além do alto índice de reincidência, novos autores de delitos aparecem a todo momento. Esse assunto passa por diversos fatores socioculturais.

O ponto é: a pena foi imposta (justiça feita). Estarão, assim, apaziguados o coração da vítima e de seus familiares?

É difícil uma resposta genérica à pergunta tão subjetiva. Quem sabe um grande passo para a liberdade, nesses casos, seja rompermos o elo da mágoa, para caminharmos somente com a tristeza do ocorrido. Setenta vezes sete é realmente difícil, mas podemos começar com uma vez, que seja.

Ainda doerá (maturidade requer que saibamos conviver com a dor), contudo o peso em nossos ombros será um pouco menor. A mochila que levamos na trilha da vida ficará leve e humanizada. O lugar sagrado para evoluirmos a tal ponto está em vários endereços, compostos por: uma sala de aula, um abraço da lição de um professor e a família disposta a formar seres, de fato, mais humanos.

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes.
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes.

Ver anterior

Licitação do transporte público de Nova Friburgo está em contagem regressiva

Ver próximo

Nova Friburgo recebe o humorista Diego Besou em “Tô de Plantão 2”

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais Populares

error: Conteúdo protegido !!