Jovem friburguense é campeão mundial no World Pro Jiu-Jitsu, em Abu Dhabi
Observo que muito se tem falado e escrito sob alguns povos que migraram para o Brasil participando do desenvolvimento do nosso país, enquanto os portugueses são relegados ao esquecimento. Meu querido amigo de mais de meio século, Celso da Costa Frauches, recentemente escreveu três bons artigos sobre a origem da família Frauches. Meu primo Dr. Henrique Bon, psiquiatra, portador de apreciável cultura, é autor de alguns livros sobre a epopeia dos suíços que chegando ao Brasil, no Rio de Janeiro, atravessaram a baixada fluminense, venceram a serra, para em Morro Queimado (Cantagalo) fundarem Nova Friburgo.
Os alemães, no sul do Brasil, aparecem como colonizadores de extensas regiões, onde seus costumes são encontrados até hoje. No Estado Novo (1937-45), Getúlio Vargas foi obrigado a tomar medidas enérgicas, pois em algumas regiões era falado o alemão e comemorados os feriados e datas nacionais da Alemanha.
Os italianos já mereceram novelas sobre a chegada e trabalho do laborioso povo vindo da península do Mediterrâneo. Em Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul, existe um memorial em homenagem a uma família italiana.
Os libaneses, espalhados por todo o Brasil, criaram clubes, associações e hospitais próprios, cujos nomes lembram suas origens; enquanto os japoneses, vindos do extremo oriental, adaptando-se aos hábitos e costumes brasileiros, são frequentemente lembrados em reportagens televisivas.
E os portugueses? Vão ficando esquecidos! Hoje quero escrever sobre eles, habitantes de uma pequena nação da Península Ibérica, que plantaram nas Américas o único país de língua portuguesa, que contornaram o cabo da Boa Esperança chegando às Índias por novos e desconhecidos caminhos, que criaram uma colônia na China (Macau), dominando os mares graças a escola de Sagres e aos conhecimentos marítimos dos seus comandantes.
Povo que chegando à Terra de Santa Cruz, mapeou todo o litoral brasileiro; que penetrando pela foz do rio Amazonas levou nossas fronteiras até o Peru, Colômbia, Venezuela e Guianas; que partindo de São Paulo, chegou ao Paraguai e a Bolívia; que em sentido meridional foi até o Rio Grande do Sul.
Povo que, nos pontos estratégicos, construiu fortes impedindo que a cobiça de outras nações europeias invadissem nosso território. Povo que expulsou os franceses que sonhavam construir a França Antártica no Rio de Janeiro e venceu os holandeses no nordeste brasileiro. Povo que se miscigenou com índios e negros formando uma civilização tropical, contrariando outros povos europeus que afirmavam: “nos trópicos jamais se formará uma civilização”.
Em um artigo bem antigo, escrito pelo Prof. Pedro Calmon, que durante alguns anos foi o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estava escrito que “enquanto os holandeses, no nordeste brasileiro, procuravam impor seus hábitos e vestimentas ao povo local, os portugueses faziam o contrário; vendo que os índios se banhavam nos rios os portugueses faziam o mesmo; sentindo que a temperatura era muito elevada, que os índios andavam nus e os negros com tangas, os portugueses trabalhavam nos engenhos de cana de açúcar de cuecas”. Assim foram progredindo e construindo o Brasil!
Hoje, não quero escrever sobre esses heróis lusitanos, mas sobre um português comum, que veio para o Brasil como tantos outros imigrantes, por necessidade.
Ele chegou a Cantagalo em 1886, com um irmão e um cunhado. O irmão resolveu seguir para Itaocara, onde constituiu família. O cunhado permaneceu com a esposa em Cantagalo, formando uma enorme e bela família, que até hoje tem muitos descendentes. Inicialmente, instalou-se na região da fazenda do Gavião, onde trabalhou no setor da pecuária bovina. Como em Portugal ele era canteiro, homem que prepara colunas e outros objetos polindo blocos de pedra, passou a trabalhar na cidade, onde ajudou a construir duas casas iguais na rua Getúlio Vargas; uma ainda existe, onde funcionava o escritório da Enel.
Um pouco melhor de vida, montou uma pequena casa comercial no final da reta da estrada do Gavião, onde vivia com a esposa; ali nasceram seus dois primeiros filhos. Algum tempo depois, arrendou uma pequena propriedade no início da Taquara, em um local conhecido como São Bernardo, possuía um pequena rebanho e uma casa comercial, em uma época em que a zona rural era povoada.
Em 1913, percebendo que o espanhol Antônio Castro construía a primeira usina hidroelétrica da região, na Chave do Vaz, na margem esquerda do Rio Negro, comprou fiado e hipotecada uma propriedade rural na margem direita do mesmo rio, exatamente na Chave do Vaz, onde a estrada de ferro desembarcava todo material e pessoal que trabalhava na construção da usina, passando a viver com a família e mantendo uma casa comercial. Enquanto isso, a esposa trabalhava na cozinha preparando marmitas que eram vendidas aos operários da usina. Assim, com muito sacrifício e trabalho pagaram a hipoteca, liberando a propriedade rural.
Como a habitação utilizada pela família era bem simples, o português resolveu construir uma olaria onde confeccionava tijolos e telhas para construção de uma nova sede para a propriedade rural. Trabalhando com pedreiro, junto com outras pessoas, construiu sua nova residência, inaugurada em 1921, que permanece até hoje de pé sobre robustos alicerces de pedra, cal, barro e óleo de baleia.
Terminada a construção da nova residência, transformou o barracão da olaria em um engenho de cana, onde fabricava rapadura vendida para o comércio de Cantagalo.
No desejo de sempre progredir, construiu a seguir um moinho de fubá, cuja roda horizontal era movida pela água do córrego dos Cafés desviada em uma banqueta. Diziam os mais antigos que, quando acionada, a roda do moinho lançava água para cima formando um verdadeiro chuveiro que, no verão, era aproveitada pelo português para os seus banhos diários.
Nesse local, com muito trabalho do casal, foram criados seis filhos e um casal de sobrinhos; sendo que da prole apenas um era homem. Esse português chegado a Cantagalo em 1886, mais tarde, conseguiu ingressar na Guarda Nacional, atingindo o posto de capitão; quando começou o êxodo rural encerrou sua casa comercial, mas continuou vivendo no local, onde mantinha um rebanho bovino e algumas lavouras para seu próprio uso.
Sendo exímio atirador, nunca abriu mão do seu revólver calibre 38, sua espingarda de dois canos e uma ótima carabina para sua segurança. Na sua propriedade rural, viveu até os 84 anos, quando acometido de uma infecção urinária foi removido para a Casa de Caridade de Cantagalo, onde faleceu.
O nome desse casal de portugueses: Joaquim e Joaquina de Souza Carvalho, meus avós paternos, dos quais tenho enorme orgulho de ser neto, pois venceram com muito trabalho, sacrifício e fé!
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.