“O que silencia as vítimas?”, por Amanda de Moraes

Silêncio das vitimas

O nosso Código Penal prevê como crime uma série de condutas que atentam contra a liberdade sexual. A importunação sexual (artigo 215–A), que consiste em praticar contra alguém, sem a sua anuência, ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, é um dos exemplos. Há também o assédio sexual (artigo 216–A), quando uma pessoa é constrangida por outra, que possui o intuito de obter algum tipo de vantagem sexual, prevalecendo-se o criminoso da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Mesmo sendo uma prática odiosa, com fugaz necessidade de combate, muitas vítimas não denunciam seus algozes. Em outros casos, precisam tomar fôlego, por anos, para conseguirem expressar o que viveram.

Ser vítima nunca é fácil. Amarga a vida. Endurece o coração. Faz amadurecer dentro de si a inquietante sensação de injustiça. Por que, então, não expressar logo, para que o estado dê ao criminoso o que lhe é devido? Existem muitos fatores envolvidos.

Quando a vítima é mulher, enfrenta-se a primeira grande barreira: o descrédito que a sociedade confere à sua palavra. Não raro, o relato de um caso de assédio é desacreditado de imediato, inclusive por agentes que atuam em órgãos especializados no combate à violência contra a mulher.

No imaginário popular, há um estereótipo de abusador. O bom moço, o cara legal que anima o churrasco, o bom pagador de imposto… Ah, esses jamais. Contra eles, só pode ser a loucura do ser mal-amado. A sociedade irá julgar. E não é fácil enfrentar o tribunal popular. O constrangimento que isso pode levar à mulher e às pessoas ao seu redor gera prejuízos emocionais; muitas vítimas não conseguem sustentar.

A psicanalista Maria Homem (Universidade de Paris – VIII) explica, em sua visão: “(…) a culpa que as mulheres sentem ao denunciar também está atrelada à representação bíblica da queda do paraíso, na qual Eva seduz Adão e provoca a expulsão da humanidade do Éden.” Essa culpa atribuída à mulher pela tentação provocada ao homem está há anos solidificada culturalmente. A mulher seduz; o homem (coitado!) cai em tentação.

Além de todas essas questões, existe a dificuldade em produzir provas nesse tipo de delito, que ocorre de forma sub-reptícia, sem a presença de testemunhas ou possibilidade de exame de corpo de delito (como ocorre nos casos de lesão corporal, por exemplo). O ônus probatório, no processo penal, é sempre da acusação – abe a quem acusa – e sua inversão não pode ser admitida.

É preciso ter muita coragem para denunciar esse tipo de crime. Quando diversas mulheres denunciam, outras se sentem encorajadas a fazê-lo também, por não estarem sozinhas nessa situação. E precisa ser feito, por todas as mulheres. A denúncia nunca será individual. Será pelas mães, pelas filhas, pelas netas, por toda uma geração de mulheres por vir.

Por fim, um lembrete: o tempo da vítima nunca será tarde.

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes

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