“Os irmãos Goulart”, por Dr Júlio Carvalho

Leopoldo Ferreira Goulart na presidência da Câmara Municipal, na década de 30, no canto direito da foto. Na tribuna, Francisco Leite Teixeira.

 

Nem sempre dois irmãos se destacam simultaneamente em uma sociedade. Todavia, em Cantagalo, no século passado, isso aconteceu com os irmãos Leopoldo e Juvenal Goulart, filhos de Cesar Augusto Ferreira Goulart e Castorina Pimentel Goulart.

O primeiro, Leopoldo Ferreira Goulart, nasceu em Cantagalo, no dia 31 de julho de 1894. Na sua curta vida de 47 anos, projetou-se como um cidadão de valor na sociedade cantagalense.

Foi um conceituado dentista. Mais tarde, nomeado tabelião, exerceu com correção essa função até o seu falecimento, em 15 de abril de 1941. Cidadão educadíssimo, sabia conquistar as amizades, além de possuir pendores artísticos.

Foi jornalista e político, pertencendo a corrente política do Dr. Júlio Santos, chegando ao cargo de vereador da Câmara Municipal de Cantagalo, onde prestou relevantes serviços ao nosso município.

Levado por suas tendências artísticas, foi o responsável pelo projeto de construção do ecológico coreto existente no centro da atual Praça João XXIII, um dos cartões postais de Cantagalo. Sua participação nas modificações do jardim foram tão importantes que chegaram a chamá-lo de “Frontin cantagalense”.

O senhor Leopoldo Goulart foi casado duas vezes. Do seu primeiro matrimônio, deixou duas filhas: Castorina e Lea. Ficando viúvo, casou-se com Hilda de Azevedo, resultando, do segundo matrimônio, os filhos Cesar, Wanda, José Expedito, Marilda e Leopoldo.

Em relação ao Sr. Leopoldo, guardo duas lembranças da minha infância: certa noite, estava anunciada a passagem de um cometa pela cidade de Cantagalo; várias famílias foram para o jardim na expectativa de ver o astro. Enquanto meus pais conversavam com o Sr. Leopoldo e Da. Hilda nos bancos que circundam o monumento a Euclides da Cunha, eu e o Leopoldinho brincávamos de correr pelo jardim.

Na hora aprazada, o céu nublado não permitiu a visão do cometa. Decepção total!

A segunda lembrança vem de uma tarde, quando morava na rua Direita (hoje, Chapot Prevost). Meu pai era o médico do Sr. Leopoldo, que se encontrava doente. Toda vez que meu pai vinha da casa do paciente, minha mãe perguntava:

– Carvalinho, como está o Leopoldo?

O estado do Sr. Leopoldo foi piorando. Certo dia, havia uma grande expectativa na cidade, chegaria do Rio de Janeiro, pelo trem expresso, um cirurgião, professor, para avaliar a situação do paciente; creio que o nome do médico era Dr. Heitor Santos.

Nessa tarde, quando meu pai entrou em casa, depois de subir a longa escada existente, minha mãe fez a mesma pergunta. Meu pai, taciturno, respondeu:

– Dorinha, o professor declarou que seria necessário amputar as duas pernas do Leopoldo, mas que o mesmo não resistiria em virtude do seu estado geral. Optou por nada fazer.

Minha mãe caiu em um choro profuso, pronunciando:

– Coitada da Hilda, o Leopoldo vai morrer e ela terá que criar tantos filhos sozinha!

Assim eram as amizades daquele tempo. A cidade era muito menor e os habitantes formavam quase que uma família.

Creio que o Sr. Leopoldo foi acometido de uma arteriopatia grave que atingiu seus membros inferiores. Hoje, provavelmente, uma cirurgia endovascular teria salvo o paciente.

As preocupações de minha mãe foram superadas. Deus providenciou tudo e Da. Hilda, heroicamente, criou os seus filhos que souberam honrar com trabalho e dignidade o nome do pai.

O segundo irmão era o Sr. Juvenal Ferreira Goulart, autêntico cavalheiro, educadíssimo como o irmão acima relatado. Nasceu em Cantagalo, no dia 20 de março de 1896.

Lutando pela vida desde cedo, sua primeira profissão foi alfaiate, até o ano de 1927. No ano seguinte, fundou a Gráfica Fênix, que realizava primorosos trabalhos, inclusive a impressão de livros. Nessa gráfica, trabalhava com seu filho Celso e com outros membros da família, além de jovens cantagalenses que ali aprenderam o ofício de gráficos. A oficina tipográfica do Sr. Juvenal funcionou até o ano de 1972. Durante 44 anos, a tipografia do Sr. Juvenal e família ofereceu a Cantagalo e região trabalho de alta qualidade.

No período de 1930 a 1934, o Sr. Juvenal ocupou o cargo de Delegado de Polícia de Cantagalo. Nessa função, sua característica sempre foi de orientar e aconselhar as partes envolvidas em litígio, procurando a reconciliação. Graças a sua educação e modo suave de agir, na maior parte dos casos conseguia sucesso.

Em 1937, passou a ocupar o cargo de Tesoureiro da Prefeitura Municipal de Cantagalo; função que exerceu com competência e retidão até sua aposentadoria em 1965.

Depois de aposentado, o Sr. Juvenal Goulart permaneceu em atividade graciosamente; durante muitos anos foi o tesoureiro da ACIACAN, formando a diretoria da instituição junto com o farmacêutico Antônio Rocha e Silva Junior e o Prof. Manoel Vieira Batista, sendo os responsáveis pela construção da sede da associação. Quando seu Rocha foi eleito provedor do Hospital de Cantagalo, tinha como companheiros de diretoria seu Juvenal Goulart (tesoureiro) e o seu Walter Soutelino (secretário). Desse modo, vê-se que ele estava sempre pronto a colaborar com as instituições cantagalenses em cargos não remunerados das diretorias.

A vida do Sr. Juvenal Goulart foi marcada por outras características importantes. Sendo homem de boa cultura e sensibilidade, quando mais jovem, fundou o Grêmio Dramático Carlos Rosa, do qual era ator, com a apresentação de peças teatrais no antigo e demolido Cine Teatro Elias. Mais tarde, o nome foi mudado para Grêmio Dramático Leopoldo Goulart.

Foi membro do Grêmio Literário Euclides da Cunha, que inaugurou o busto do escritor cantagalense na praça principal da cidade.

Participava, também, dos carnavais da cidade; na década de trinta, foi o presidente da agremiação carnavalesca Os Caturras, sendo o responsável pela cenografia do mesmo, nas acirradas disputas saudáveis com o outro grupo denominado Tenentes do Inferno.

O senhor Juvenal Goulart ainda possuía duas outras características importantíssimas: era músico e poeta.

Como músico, foi um excelente flautista, sabendo executar partituras musicais, também, com o saxofone e o clarinete.

Em 1950, criou, com outros músicos, a Orquestra Cantagalense que durante alguns anos animava os bailes no salão nobre do Fórum de Cantagalo e em outras cidades da região.

Como músico, durante muitos anos, foi o flautista do coro da Matriz do Santíssimo Sacramento de Cantagalo, sem remuneração, juntamente com outros músicos como os irmãos Assis (Dílio, Lourival e Loreta), sob o comando da Profa. Maricota.

Como poeta, nos deixou dois livros: Pétalas Caídas e Miragens, ambos impressos da sua Gráfica Fênix. Possuo o segundo, com uma simpática dedicatória do autor, amigo dos meus pais durante toda vida.

O Senhor Juvenal Goulart foi casado com a Sra. Enedina Chevrand, resultando do matrimônio os filhos: Celso, Lety, Marlene (minha colega de ginasial) e Ronaldo.

As sementes genéticas dos irmãos Goulart germinaram; como as boas árvores só dão bons frutos, até hoje os seus descendentes continuam trabalhando pelo crescimento de nossa querida terra de Cantagalo.

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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