“Os irmãos libaneses”, por Dr Júlio Carvalho

No último artigo, discorri sobre dois irmãos cantagalenses que, com o trabalho, concorreram para o crescimento artístico, cultural e político de Cantagalo. Hoje, mantendo tema semelhante, comentarei sobre dois irmãos que vieram de uma terra longínqua, escolheram Cantagalo como nova pátria e, aqui, no comércio, ajudaram acentuadamente o crescimento cantagalense. Refiro-me aos irmãos Mansur e Jacob Abib Nacif.

Esses dois irmãos nasceram no Líbano, pequeno país situado na parte oriental do Mar Mediterrâneo, que, durante séculos, foi vítima da invasão de povos de pensamento bélico.

Os irmãos eram filhos de João Miguel e Sophia Nacif. O primeiro citado, Mansur, veio para o Brasil aos treze anos de idade, indo morar com o tio Mitre Nacif, em Aperibé. Lá chegando, o tio preparou uma mula e uma mala com vários objetos, entregues ao Mansur para iniciar a sua vida como mascate.

Percorrendo vasta e quente região fluminense, montado na mula, o jovem Mansur foi vendendo suas mercadorias e guardando pequenas economias. Alguns anos depois, abriu seu primeiro armazém, vindo a se casar com uma prima chegada do Líbano, a jovem Sahide Nacif, na cidade de Itaocara.

Contraído o matrimônio, o casal se estabeleceu em Aperibé, onde nasceram os dois primeiros filhos: Alcides e Chafic. Posteriormente, o Sr. Mansur transferiu seu comércio para Cantagalo, na época, centro urbano de maior importância na região.

Em nossa cidade, começou como sócio do seu primo Felipe João, em uma firma comercial. Observando que a firma não tinha o desenvolvimento esperado, retirou-se da mesma e abriu uma loja no centro de Cantagalo, onde, atualmente, é a sede do Banco do Brasil.

Com o crescimento de sua casa comercial, trouxe para nossa cidade seu irmão Jacob João Abib Nacif, trabalhando como sócios até a década de 1930; ocasião em que, amigavelmente, desfizeram a sociedade comercial.

O senhor Mansur permaneceu no centro da cidade, transferindo sua loja para alguns metros adiante, onde permaneceu até o seu falecimento, defronte a Praça S. João XXIII, onde com muito trabalho e entusiasmo criou uma bela família, ajudando na projeção comercial de Cantagalo.

Em Cantagalo, nasceram mais sete filhos do casal Mansur e Sahid: Anice, Julieta, Marieta, Michel, Manira, Sada e Alberto. Este último, meu contemporâneo no Colégio Euclides da Cunha. Excelente violonista e bom jogador de futebol como defensor. Trabalhou até a aposentadoria em um dos cartórios de Cantagalo.

A casa comercial do Sr. Mansur vendia vários tipos de tecidos, nacionais e importados, calçados e material de aviamento. Todavia, duas características a tornavam diferente das demais lojas da cidade. No início de cada ano letivo, seu Mansur tinha a relação dos livros adotados pelos professores do Colégio Euclides da Cunha; ia ao Rio de Janeiro e abastecia sua loja, vendendo estes livros para os estudantes, com pequeno lucro.

Outra característica interessante, que tive a oportunidade de presenciar, era a venda de óculos de grau. O cidadão chegava se queixando que estava enxergando pouco. Era sentado em uma cadeira, enquanto seu Mansur abrindo uma pequena estante apanhava um dos óculos e dava para o freguês experimentar, lendo em um jornal. Se não servisse, a operação era repetida até que encontrasse o óculos adequado. O cidadão pagava o óculos, não pagava a consulta e saia feliz.

O senhor Mansur participava das atividades sociais da cidade; era membro da Loja Maçônica Confraternidade Beneficente de Cantagalo, onde ocupou vários cargos no setor administrativo.

Recentemente, vi uma fotografia do dia em que foi inaugurado o primeiro aparelho de R-X potente no Hospital de Cantagalo; entre os presentes estava o Sr. Mansur, apesar da idade, com a fisionomia que demonstrava felicidade com aquele avanço cientifico na cidade.

 

Edifício Mansur Nacif
Edifício Mansur Nacif

 

Certa vez, operei o senhor Mansur, de uma H.I.D. Passei a ter maior contato com o mesmo, que me contava os horrores que o Líbano passou quando invadido pela Turquia.

O senhor Mansur faleceu no final de maio de 1982, depois de meio século como comerciante em Cantagalo, terra que ele optou como sua segunda pátria, sendo seu corpo sepultado no cemitério municipal.

O outro irmão, Jacob João Abib Nacif, veio para o Brasil em 1909, com a idade de 19 anos, estabelecendo-se no vizinho município de Itaocara como comerciante. Lá conheceu a senhorita Maria Luiza, com quem se casou no dia 31 de dezembro de 1917.

Depois de residir como comerciante em Itaocara e Aperibé, o Sr. Jacob transferiu sua residência para Cantagalo, permanecendo como sócio do seu irmão Mansur em uma firma comercial, desfeita, amigavelmente, depois de cerca de dez anos.

A partir dessa época, o senhor Jacob criou o “Bazar Jacob”, tradicional casa comercial que existiu por mais de 50 anos, na esquina das ruas Rodolfo Albino com Euclides da Cunha. Era um comerciante forte, que negociava de cereais a materiais de construção.

O prédio tinha uma situação interessante: a casa comercial possuía duas portas para a Av. Rodolfo Albino e uma para a rua Euclides da Cunha. A seguir, a loja era abraçada por uma construção em L, que formava o conjunto residencial da família. Finalmente, depois da residência, na rua Euclides da Cunha, estava situado o depósito de material pesado: cimento, areia, pedra, madeira, ferragens, tintas, etc.

Nessa residência, seu Jacob e dona Maria viveram por mais de meio século, criando os três filhos: José, Nacib e Odila. Infelizmente, nenhum ramo dos filhos desse casal permaneceu em Cantagalo.

O crescimento imobiliário levou à demolição dos prédios onde esses dois libaneses trabalharam e residiram com seus familiares.

Onde era o Bazar Jacob, existe um prédio comercial de quatro andares, construído por um neto do senhor Mansur; enquanto na Praça S. João XXIII foi elevado um imóvel com seis andares e inúmeros apartamentos; prédio que recebeu o nome de Edifício Mansur, justa homenagem a um libanês que, iniciando a vida como mascate em Aperibé, terminou como respeitável comerciante em Cantagalo, cidade em que vivem vários dos seus netos, continuando a saga herdada dos avós: lutar por Cantagalo.

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

Ver anterior

Fundo Estadual de Combate à Pobreza é reestruturado

Ver próximo

Cooperativa de Macuco monta usina hidrelétrica

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais Populares

error: Conteúdo protegido !!