“Os jovens estão ficando mais sábios?”, por Amanda de Moraes

Existem formas diferentes de enxergar tudo o que veio antes de nós. Para algumas comunidades, principalmente em povoados indígenas, a ancestralidade está ligada à sabedoria. A bússola para a vida reside em ensinamentos de seus antepassados, que ultrapassaram tempos difíceis para que os seus descendentes pudessem existir. Olha-se sobre o antigo com respeito, admiração e humildade.

Há, ainda, os que “pedem bênção” ao mais velhos: filho à mãe, neta à avô, sobrinho ao tio. Um sinal de reverência e carinho. No entanto, em outras situações, o assunto pessoa idosa é carregado de preconceitos.

Muitos, acreditando que estão cuidando, tendem a infantilizar os idosos: “Ah, mas que bonitinha essa senhora! Precisa de alguma coisa? Um suquinho? Um cafezinho?” O diminutivo é para deixar tudo pior. É uma ênfase à insuficiência imaginária criada pela sociedade. Mirian Goldenberg, ao relembrar que o jovem de hoje é o velho de amanhã, nos faz uma pergunta: “Gostaria de ser chamada de fofinha, em sua idade mais avançada?”

Infantilizar os mais velhos é apagar sua história, retirar a sua força e neutralizar seus ensinamentos, conquistados pela vivência. Há muitas coisas que os livros não podem ensinar. Os que chegam à terceira idade não o fazem por mero acaso.

Aos que pretendem aproveitar a vida na reta final do caminho: “Como ousam?” Gastam a juventude em meio à correria, pagam inúmeros impostos, criam filhos (por vezes, até outros parentes), convivem com lutos e disputas, vencem tantos desafios, mas quando as obrigações dão uma trégua, estão no noticiário: “Atenção! Mulher de 65 anos ingressa na faculdade.”

Realmente, para elas, a situação é ainda mais delicada, por serem vítimas diretas do etarismo. Quantos manifestam estranheza, ainda que de forma velada, por aquelas senhoras que amam curtir um bloco de carnaval. Afinal de contas, de acordo com o preconceito, quaisquer ambientes festivos devem ser frequentados por pessoas de até uma certa idade. É como se o colágeno fosse o passaporte.

Mulheres que viveram nas vísceras o machismo em sua forma mais dura sobreviveram aos papéis predefinidos por lei, emocionaram-se ante a conquista do direito ao voto e ao divórcio e pagaram um alto preço em sua jornada, que incluía a solidão e a exclusão por grande parte da sociedade. A essas mulheres, que desenvolveram habilidades silenciosas de sobrevivência, em um local que apenas permitia a dor, todo o direito à alegria!

Falamos de pessoas que esperavam semanas para receber notícias de seus entes queridos, por meio de cartas, enfrentaram a precariedade da luz elétrica, a ausência de internet, do Google e do celular. Como não os admirar?

Ainda assim, alguns discriminam. Outros manifestam piedade. A ótica pela qual enxergamos a vida é uma questão de construção mental. Se optamos por admirar a força da idade, é uma escolha elogiável. Porém, tornar pública qualquer manifestação de etarismo é preconceito, ou seja, um crime.

A terceira idade está longe de se resumir a um sofá e a sessões da tarde. Quem condena idoso condena a si próprio. Que possamos, todos, ao conquistarmos a velhice, usufruirmos do nosso tempo como nos convém e, de preferência, vivermos conforme o livre-arbítrio que nos foi dado.

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes

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