“Os Peckolt: Theodor (pai), Gustavo (filho) e Oswaldo (neto) – Parte 1”, por Celso Frauches

Retrato de Theodoro Peckolt com assinatura (1822-1912) [Acervo Família Peckolt].

 

O Jornal da Região tem nos dado oportunidade de ouro para fazer conhecidos inúmeros cantagalenses ilustres e destacados nas diversas áreas da Cultura, da Ciência, das Artes que estavam escondidos sob o manto do tempo e cujo valor escapava de nossos olhares distraídos. Mas o brilho da joia nada consegue apagar e ele acaba por destacar-se e aparecer. Basta um raiozinho de sol alcançá-lo. Foi o que aconteceu com o trio familiar: Theodor, Gustavo e Oswaldo Peckolt. Creio que ninguém, ou quase ninguém, ouvira falar deles. No entanto, são cidadãos de inestimável valor para a Ciência e estão intimamente ligados à nossa pequena Cantagalo.

Theodor Peckolt, alemão de nascimento, tinha no Brasil a sua pátria adotiva, como Teodoro. Aqui, em Cantagalo, viveu os anos mais produtivos de sua paixão: a farmácia e a ciência farmacêutica.

Ele nasceu na Alemanha, em Pechen (Niederlausitz, Baixa Lusácia), em 13 de julho de 1822. Seus pais: capitão de Lanceiros do Kaiser, Ferdinand Augusto Carlos Peckolt e Juliana Eleonora Ackermann Peckolt.

 

Pecern, cidade natal de Theodor Peckolt, na Alemanha
Pecern, cidade natal de Theodor Peckolt, na Alemanha

 

Cursou humanidades no ginásio da cidade de Friedeberg (então Silésia alemã). Aos 15 anos, iniciou o trabalho de prático de farmácia na cidade de Friebel, onde permaneceu até 1841. Cedo, Theodor revelou sua vocação como prático de farmácia. Como consequência, foi nomeado farmacêutico militar, na fortaleza de Glogau, na Silésia alemã. Insatisfeito nessa função, ingressou na Universität Rostock (Estado de Mecklenburg-Pomerânia Ocidental, Alemanha) e, em seguida, na Universität Göttingen (Baixa Saxônia, Alemanha). Foi dedicado e brilhante estudante, alcançando notas máximas.

Foi contemporâneo dos botânicos Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) e August Wilhelm Eichler (1839-1887), e do botânico e paleontologista alemão Johann Heinrich Robert Goeppert (1800-1884), com os quais manteve contatos, assim como com notáveis cientistas da época, como Daniel Hanbury (1825-1875), químico e farmacêutico da Royal Pharmacetical Society of Great Britain, e o botânico alemão Friedrich Gottlieb Dietrich (1765-1850).

Em 1847, von Martius e Eichler, reconhecendo as aptidões de Theodoro, contrataram-no para estudar a flora tropical no Brasil e remeter-lhes o material colecionado preparado em herbarium, dando continuidade ao trabalho de von Martius para o preparo de sua “Flora Brasiliensis”, iniciado em 1847, no Rio de Janeiro.

Em 28 de setembro de 1847, Theodoro desembarcou no porto da Bahia da Guanabara, a bordo do navio Independência. O então Império do Brasil estava sob o reinado de Pedro II.

 

Ofício de nomeação de Theodoro Peckolt como responsável pela reorganização do Laboratório Químico do Museu Nacional do Rio de Janeiro, 8 de maio de 1874 [Acervo Família Peckolt].
Ofício de nomeação de Theodoro Peckolt como responsável pela reorganização do Laboratório Químico do Museu Nacional do Rio de Janeiro, 8 de maio de 1874 [Acervo Família Peckolt].

A permanência de Theodoro na cidade do Rio de Janeiro foi por pouco tempo, suficiente para sua aclimação aos costumes e à vida na capital, onde trabalhou na Farmácia de Simão Marcolino Fragoso, localizada na rua do Fogo (atualmente rua dos Andradas, Centro), nº 75. Em 1848, iniciou suas viagens pelas províncias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. Seu veículo: um cavalo que adquiriu no Rio de Janeiro. Por onde passava, contribuía para o atendimento farmacêutico a populações carentes de médicos. Ao lado desse trabalho profissional, dedicava parte substancial de seu tempo em pesquisas sobre a flora brasileira.

Nessas andanças solitárias, chegou à vila de São Pedro de Cantagalo, em novembro de 1851, município que englobava as terras da conhecida região “sertões de Macacu” ou “Canta Gallo”. Essa fase é um marco da pesquisa sobre a farmacopeia brasileira, em uma região farta do material a ser pesquisado. Cantagalo oferecia condições para o minucioso trabalho de Peckolt.

 

Papel receituário timbrado da Farmácia Peckolt localizada na rua da Quitanda, na cidade do Rio de Janeiro [Acervo Família Peckolt].
Papel receituário timbrado da Farmácia Peckolt localizada na rua da Quitanda, na cidade do Rio de Janeiro [Acervo Família Peckolt].

São Pedro de Cantagalo apresentava matas intactas para suas pesquisas. Em Cantagalo, comprou uma farmácia, localizada na rua Direita nº 15. Nela, montou um laboratório adequado às análises quantitativas de extratos de plantas da flora brasileira, para assim obter informações mais detalhadas sobre as suas composições químicas.

Por cerca de dezessete anos, Theodoro viveu entre a Vila e o município de Nova Friburgo. Esse foi um fértil período de pesquisas, adquirindo profundo conhecimento da flora e fauna locais. Montou, em sua farmácia, um laboratório próprio para realizar as análises quantitativas de extratos de plantas da flora brasileira, para assim obter informações mais detalhadas sobre as suas composições químicas.

A região de Cantagalo era, naquela época, bastante importante para os estudos sobre a natureza brasileira, tendo também sido o cenário para as pesquisas do zoologista alemão Karl Hermann Konrad Burmeister (1807-1892) e de Carl Hieronymus Euler (1834-1901), fazendeiro suíço, ornitólogo e autor de “Descrição dos ninhos e ovos das aves do Brasil” (1900).

 

Vista da cidade de Cantagalo (Rio de Janeiro) século XIX – Folha de rosto do bloco de notas da Farmácia Peckolt [Acervo Família Peckolt].
Vista da cidade de Cantagalo (Rio de Janeiro) século XIX – Folha de rosto do bloco de notas da Farmácia Peckolt [Acervo Família Peckolt].

Em 12 de junho de 1854, casou-se com Henriqueta Sauerbrönn, filha do vigário protestante Friederich Oswald Sauerbrönn, líder das primeiras famílias alemães da colônia suíça de Nova Friburgo, na então província do Rio de Janeiro. Desse matrimônio, nasceu Gustavo Peckolt (1861-1923), que também se destacou como farmacêutico e notável pesquisador. Ainda hoje, a Família Sauerbronn continua presente na sociedade cantagalense com muitos e ilustres membros. Os Peckolt emigraram para centros urbanos mais propícios às suas atividades, na medida em que Cantagalo foi decaindo de sua importância socioeconômica na hoje conhecida região serrana fluminense, incluindo o cantagalense Gustavo e sua família.

Theodoro permaneceu em Cantagalo até 1868. Aqui teve a oportunidade de estudar plantas de diversas famílias, suas características e condições de reprodução, e recolheu informações sobre nomes triviais, usos e interessantes objetos da história natural, valiosas contribuições para a sua coleção botânica.

Hermann von Ihering, em seu Necrológio do Dr. Theodoro Peckolt, publicado na Revista da Flora Medicinal, Rio de Janeiro, p.108/127, oferece-nos o perfil do extraordinário cientista:

O herbário fornecia-lhe os meios para comparação morfológica das numerosas espécies e no laboratório aprofundava o trabalho, dando informações detalhadas sobre a composição química das plantas medicinais, de seus alcaloides e outras substâncias extrativas. Não conhecemos exemplo de outro naturalista, versado igualmente em estudos botânicos e químicos que tão profundamente tivesse estudado e esclarecido por investigações próprias, o estudo econômico, farmacêutico e químico de qualquer flora tropical.

 

[LEIA AQUI A PARTE 2 DESTE ARTIGO]

 

Celso Frauches
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

 

Fotos e legendas: SANTOS, N. P. dos.: Theodoro Peckolt: a produção científica de um pioneiro da fitoquímica no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 12, n. 2, p. 515-33, maio-ago. 2005.

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