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Retrato de Theodoro Peckolt com assinatura (1822-1912) [Acervo Família Peckolt].
[LEIA AQUI A PARTE 1 DESTE ARTIGO]
Theodoro chegou ao Brasil em novembro de 1847 e aqui permaneceu os 65 anos restantes de sua vida, legando-nos uma obra de cento e setenta publicações, entre artigos em periódicos e livros, com dados de suas análises de cerca de seis mil plantas, em sua grande maioria pertencentes ao domínio da Mata Atlântica, na região de Cantagalo. Por sua obra, em 1864, foi agraciado com título de Oficial da Imperial Ordem da Rosa; em 1869, com o de Cavalheiro da Ordem da Suécia da Estrela Polar, e o de Farmacêutico da Casa Imperial.
Theodoro foi um notável revisor da maior parte da “Flora Brasiliensis” de von Martius.
Durante o período em que viveu na cidade de Cantagalo, Theodoro Peckolt fez cerca de quinhentas análises quantitativas de extratos de plantas da flora brasileira, muitas das quais foram publicadas em diversos periódicos, nacionais e estrangeiros, entre os anos de 1850 e 1868.
J. von Tschudi (1818-1889), cientista e diplomata suíço, visitou o Brasil entre 1857 e 1859, e em sua obra “Viagem às provinciais do Rio de Janeiro e São Paulo” (Belo Horizonte: Itatiaia, 1980, pp. 89/89), destaca às diversas atividades desenvolvidas por Theodoro em Cantagalo:
Não quero deixar de me referir aqui, e é com grande satisfação que o faço, ao nome de um homem que goza de grande fama nos meios científicos alemães, o Dr. Theodoro Peckolt, há anos estabelecido em Cantagalo, como farmacêutico, e que se tem ocupado com zelo incansável da botânica e da química orgânica. Dotado de profundos conhecimentos e de uma ímpar capacidade de trabalho, soube colecionar vultuoso material de pesquisas que, na Europa, seria impossível ou muito difícil obter. Os resultados de suas pesquisas científicas são regularmente publicados nas revistas farmacêuticas que se publicam na Alemanha. Seus preparados químicos foram distinguidos com uma medalha na exposição industrial do Rio de Janeiro, e na exposição mundial de Londres, em 1863, com nada menos de três. Ao tempo de minha visita a Cantagalo, o Dr. Peckolt achava-se ocupado com um trabalho químico-analítico […] relativo às plantas úteis brasileiras. […] Ao lado de sua alegre residência, o Dr. Peckolt organizou um pequeno jardim botânico, onde se dedica aos estudos do desenvolvimento das plantas, sua nutrição, e aclimatação.
Após residir, pesquisar, manter uma farmácia e conviver com a sociedade cantagalense, Theodoro retornou à cidade do Rio de Janeiro, em 1923. Lá, associou-se ao farmacêutico Frederico Augusto Duvel, tornando-se também farmacêutico da Casa Imperial. Em 1872, adquiriu sua própria farmácia. Durante esse tempo e seu afinco na sistematização da análise das plantas, Peckolt tratou da divulgação, em colaboração com seu filho, Gustavo, das obras Análises da Matéria Médica Brasileira, de 1868; História das Plantas Alimentares e de Gozo do Brasil, e História das Plantas Medicinais e Úteis do Brasil.
Esse trabalho contém a classificação botânica e descreve, por exemplo, as técnicas de cultura, as partes próprias para uso, a composição química, o emprego em diversas moléstias, as doses e os usos industriais de plantas brasileiras. Estas duas últimas obras são ainda hoje citadas em virtude de sua amplitude. Nelas, a participação de Gustavo foi essencial, com sua inegável competência na área em que seu pai era notável pesquisador. Algumas dessas pesquisas foram desenvolvidas em laboratórios na Alemanha.
Em 28 de outubro de 1911, sentindo-se cansado, Theodoro registrou em cartório a venda da Farmácia Peckolt, em Cantagalo, para seu filho Gustavo. Após 1914, os historiadores e biógrafos de Theodoro não encontraram mais indícios dessa farmácia.
Mas a família de gênios da farmácia e da pesquisa farmacêutica ainda pode contar com a contribuição de um neto de Theodoro Peckolt: Oswaldo Lazarini Peckolt, farmacêutico e pesquisador, provavelmente nascido em Cantagalo.
A longevidade do clã Peckolt, na farmácia e na análise de plantas medicinais brasileiras, pode ser comprovada através dos trabalhos de seu filho Gustavo e posteriormente de seu neto Oswaldo Lazarini Peckolt. Este último trabalhou na revisão feita em 1936 da Farmacopeia brasileira, trabalho de Rodolpho Albino, farmacêutico natural de Cantagalo, que havia sido publicada quase dez anos antes (1928). Destacou-se nas áreas de farmacobotânica e fitoquímica; chefiou a Seção de Ensaios Biológicos e Controle do Instituto Oswaldo Cruz, e, assim como o avô, foi membro de várias instituições internacionais. Em 1942, essa comissão foi substituída, pois o interesse do período estava voltado para os medicamentos sintéticos e para a alopatia, e só em 1952 saiu a primeira publicação da segunda Farmacopeia brasileira. Nessa segunda farmacopeia, as 138 plantas que constavam da primeira reduziram-se a dez.
Do extenso trabalho da professora e pesquisadora Nadja Paraense dos Santos, podemos constatar que as cerca de três mil plantas estudadas pelos Peckolt foram relegadas ao quase total esquecimento no meio científico. Ainda hoje no Brasil são raros os trabalhos de pesquisa associando antropologia e farmacologia. O descaso brasileiro abre caminho para a biopirataria, o roubo de plantas e animais, levando a patentes no exterior de remédios pelos quais os brasileiros terão de pagar caro. Conforme já nos dizia Peckolt, em 1888:
Ao publicarmos o resultado dos nossos estudos, não é nosso intuito apresentar a última palavra sobre tudo o que se refere aos vegetais indígenas e exóticos aclimatados entre nós; mas unicamente fornecer um ponto de partida para trabalhos de maior fôlego, que tenham o poder de significar que os médicos e farmacêuticos brasileiros compreendam que não lhes é lícito conservar-se inativos, concorrendo, assim, para que continuem a ser feitas no estrangeiro a maior parte das investigações sobre a Flora Brasileira.
Essa é uma pequena homenagem ao brasileiro e cantagalense adotivo, assim como aos seus filhos cantagalenses, Gustavo e Oswaldo, que nos legou uma inegável obra científica, ainda não integralmente estudada, mas que nos relembra os tempos em que Cantagalo era referência socioeconômica para o Império brasileiro, em várias áreas do conhecimento.