“Oswaldo Cruz – Herói da Saúde”, por Júlio Carvalho

No dia 5 de agosto de 1872, na cidade de São Luís de Paraitinga, interior de São Paulo, o casal Bento Gonçalves Cruz e Amália Bulhões Cruz foi contemplado com o nascimento de um filho que recebeu o nome de Oswaldo.

Em 1877, a família transferiu a residência para a cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil, onde o filho fez sua formação inicial nos Colégios Laure, São Pedro de Alcântara e externato Pedro II. Aos 15 anos ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sendo diplomado aos 20 anos.

Durante o curso médico, mostrou enorme interesse pela Microbiologia, a ponto de montar, no porão da casa em que morava, um pequeno laboratório. Sua tese de conclusão do curso médico foi sobre doenças transmitidas pelas águas poluídas, com o título de “Veiculação microbiana pelas águas”.

Dois anos depois de diplomado, foi convidado a trabalhar na Policlínica Geral do Rio de Janeiro, com a responsabilidade de montar e chefiar o Laboratório de Análises Clínicas. A seguir, seguiu para Paris, permanecendo dois anos no Instituto Pasteur, grande centro científico de referência, onde se especializou em microbiologia, soroterapia e imunologia. Ao mesmo tempo, frequentava o Instituto de Toxicologia de Paris.

Retornando ao Brasil, reassumiu suas funções no Laboratório de Análises Clinicas da Policlínica do Rio de Janeiro; todavia, em 1894, uma grande epidemia de Cólera atingiu os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, ocasião em que Oswaldo Cruz foi convidado pelo Instituto Sanitário Federal a participar de uma comissão científica de combate à doença. No laboratório que mantinha na própria residência, Oswaldo Cruz, examinando material colhido nos pacientes, identificou a bactéria Vibrião cholerae, causador da doença, que vitimou tantas pessoas no Brasil e no mundo.

Em 1899, surge um surto de Peste Bubônica em Santos, sendo a doença transmitida pela picada da pulga dos ratos. Oswaldo Cruz é convidado a participar da comissão criada para combate à doença. Nessa ocasião, outro membro da comissão, o cientista Vital Brazil, é acometido pela doença, sendo tratado pelo colega Oswaldo Cruz; tornaram-se grandes amigos que se correspondiam sobre as pesquisas que realizavam.

Em 1900, foi criado, no Rio de Janeiro, o Instituto Soroterápico Federal, para a fabricação de soros e vacinas, do qual Oswaldo Cruz foi diretor, funcionando na fazenda Manguinhos. Mais tarde, este instituto ficou conhecido como Instituto Manguinhos e, em 1908, Instituto Oswaldo Cruz, justa homenagem àquele que figura entre os maiores cientistas do Brasil. Atualmente este instituto fabrica soros e vacinas que são utilizados em cerca de setenta países do mundo inteiro, orgulho da nossa nacionalidade, sem falar nas pesquisas que ali são realizadas.

Em 1903, em virtude dos trabalhos realizados a favor da saúde pública, Oswaldo Cruz é nomeado Diretor Geral da Saúde Pública, cargo que hoje corresponde a Ministro da Saúde, prometendo acabar com a Febre Amarela no Rio de Janeiro. É importante lembrar que, na última metade do século XIX, essa doença foi a causa da mortalidade de 33.978 pessoas na cidade do Rio de Janeiro; número, provavelmente, maior, face à precariedade das estatísticas de saúde naquela época.

O conceito da medicina, naquela época, era de que o contágio ocorria de modo direto de doente a doente, através da roupa e das secreções corporais; todavia, Oswaldo Cruz tinha o conceito de que o vetor, o transmissor da febre amarela, era o mosquito Aedes aegypti, conforme já publicara o cientista cubano Carlos Finlay, em 1881. Hoje, sabemos que o mesmo mosquito é o transmissor da Zika, da Dengue e da Chikungunya.

Oswaldo Cruz criou verdadeiro batalhão de guardas sanitários, conhecidos como “mata-mosquitos”, que combatiam todos os possíveis focos do mosquito transmissor da febre amarela. Esses funcionários visitavam as residências, terrenos abandonados, pulverizando quintais, jardins e todos os possíveis focos de mosquitos. Na minha infância vi alguns desses elementos na árdua tarefa de visitar os quintais; nem sempre eram bem recebidos pelos moradores!

Outra batalha vencida por Oswaldo Cruz foi contra a varíola. Em 1904, a vacinação contra a varíola tornou-se obrigatória, todavia, pessoas despreparadas se revoltaram contra a obrigatoriedade vacinal; enorme campanha surgiu contra o cientista através de artigos e charges nos jornais; no senado federal, Oswaldo Cruz era criticado por senadores e deputados demagogos, que incentivavam a campanha contra a vacinação. Chegavam ao ponto de afirmar que as mulheres teriam que ficar nuas no momento da vacinação. No Rio de Janeiro, a revolta chegou a tal ponto, na semana de 10 a 16 de novembro de 1904, que prédios comerciais e repartições públicas foram depredados, bondes virados, trilhos arrancados, tumulto geral. Foi necessário o exército agir para a ordem ser restabelecida. Movimento que ficou conhecido como “Revolta da Vacina”. Terminado o tumulto, 30 mortos, vários presos e muitos feridos.

 

 

Infelizmente, a ignorância cria sempre os inimigos das vacinas, como ocorreu recentemente em relação à vacina contra a Covid, quando criaram a lenda de que os vacinados corriam o risco de virar jacarés!

Oswaldo Cruz estabeleceu um código sanitário, com leis internacionais, que foi distribuído em 30 portos marítimos e fluviais do norte ao sul do Brasil.

Em 1907, o sanitarista brasileiro recebeu a medalha de ouro no 14º Congresso Internacional de Higiene e Demografia, realizado em Berlim, pelo seu extraordinário de saneamento do Rio de Janeiro.

Em 1910, a convite do governo do estado do Pará, visitou o norte do Brasil, para combater a malária e a febre amarela que atingiam os trabalhadores da estrada de ferro Madeira-Mamoré.

Em 1913, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, todavia, três anos depois, por motivos de saúde, abandonou todas as atividades no Rio de Janeiro, indo morar em Petrópolis, onde foi eleito prefeito municipal; elaborou um plano de urbanização para a cidade, que não chegou a ser executado. Morreu precocemente, aos 44 anos, em virtude de insuficiência renal.

Quando cursava o segundo ano na Faculdade de Ciências Médica (RJ), o responsável pela cadeira de Microbiologia era o Prof. Aleixo de Vasconcellos, homem idoso, educadíssimo e de ótima cultura, que, na mocidade, havia trabalhado na equipe de Oswaldo Cruz.

Esse saudoso mestre, em algumas aulas, descrevia para os alunos a figura de Oswaldo Cruz, falava sobre a vasta e bela cabeleira do cientista, das campanhas que sofrera durante o período da vacinação obrigatória, da serenidade do mesmo e do seu lema de vida: “Nunca esmorecer, para não desmerecer”.

Em 1961, ao término do curso médico, era o Jubileu de Prata da Faculdade de Ciências Médicas, nossa turma escolheu para patrono o Prof. Picquet Carneiro, titular da cadeira de Clínica Médica e chefe do mesmo setor no Hospital Federal de Bonsucesso. Homem puríssimo, de grande simplicidade, agradeceu e não aceitou a homenagem.

Em reunião da nossa turma, sugeri que, então, fosse colocado em seu lugar o cientista Dr. Oswaldo Cruz, responsável pelo saneamento da cidade do Rio de Janeiro e de outros locais brasileiros. A sugestão foi aprovada por unanimidade, portanto Oswaldo Cruz é o patrono da turma do Jubileu de Prata da querida Faculdade de Ciências Médicas (1961).

Ao terminar essa homenagem ao grande brasileiro, espero que o seu lema de vida possa ser usado por cada um dos leitores:

NUNCA ESMORECER, PARA NÃO DESMERECER!