Obras avançam em Cordeiro e Sistema Pare e Siga continua na RJ 116
Forçado pelas limitações impostas pela chuva, encontrei tempo para buscar antigos documentos e publicações guardadas há muito tempo; encontrando um opúsculo confeccionado pelo Sr. João Carlos Burguês de Abreu sobre a raça Guzerá-JA, oferecido ao meu saudoso pai, com a seguinte dedicatória: “Ao grande e presado amigo Dr. Carvalho, com um grande abraço do seu admirador Joãosinho. Em 24 de janeiro 1965” (Cópia integral).
O interessante trabalho com 36 páginas e diversas fotos de exemplares da raça Guzerá-JÁ, premiados em exposições nacionais, estaduais e regionais, começa com a fotografia do Sr. João de Abreu Junior, que viveu durante 80 anos (1869-1949), português, nascido na ilha da Madeira, chegado ao Brasil com 8 anos de idade, em companhia de um tio.
Como todo imigrante, levou vida difícil. Na fase de adulto, comprava e levava bovinos de corte para os matadouros de Niterói, através as estradas poeirentas da época. Passou a separar e guardar animais de grande porte e chifres em forma de lira, pois desejava criar animais de grande peso. Só mais tarde veio a saber que eram bovinos da raça Guzerá.
Segundo historiadores, é uma das raças mais antigas do mundo, aparecendo esculpida em documentos com cerca de 5.000 anos. Sua origem encontra-se na Índia, no estado de Gujarat, região de solo pobre e temperaturas elevadas, que chegam até 50 C. Daí a adaptação fácil do Guzerá aos terrenos áridos.
Desde cedo, em 1895, o Sr. João de Abreu Junior procurou selecionar o seu gado Guzerá, visando a produção de leite, afirmando que o mundo necessitaria cada vez mais de carne e leite. Declarava, em defesa da raça que criava: “O leite da vaca Guzerá é abundante e amanteigado, não temendo o confronto de qualquer outra raça aclimatada no Brasil. A carne do zebu é saborosa e tenra, quer queiram quer não queiram seus detratores”.
Contam que, certa vez, em uma exposição nacional, o Presidente Getúlio Vargas criticou a qualidade da carne das raças zebus. João de Abreu Junior, tomando conhecimento da crítica, mandou sacrificar uma de suas vacas em exposição, oferendo um churrasco ao presidente, que mudou de opinião a respeito da carne do zebu. Não sei se é verdade!
Na primeira exposição de Cordeiro, o touro Pavilhão-JA recebeu todos os prêmios relativos à raça (1921). No ano seguinte, na Exposição do Centenário da Independência do Brasil, novamente foi campeão, o que se repetiu em outras exposições. A fama do animal foi tão grande que recebeu até um dobrado de autoria de Barão Zetta. Pavilhão, na Exposição da Independência pesava 1.050 Kg. O que era um recorde. O campeão era filho de animais importados: Dijon e Pilat.
O rebanho do Sr. João de Abreu Junior foi vitorioso em inúmeras exposições, ficando conhecido nacionalmente. Seu trabalho teve sequência com o seu filho Sr. João Carlos Burguês de Abreu, que foi prefeito de nosso município durante quatro anos, período em que as fábricas de cimento começaram a ser construídas em Cantagalo.
Voltando ao opúsculo analisado, na capa aparece o touro Gladiador, que também conquistou o título de Campeão Nacional, com o peso de 950 KG. Na contra capa, com a frase “O beijo dos campeões”, estão Pavilhão-JÁ e Tulipa-JÁ.
Em 1964, quando este livreto foi elaborado, o trabalho de seleção visando um Guzerá leiteiro e manteigueiro já se encontrava com 69 anos de existência e a premiação pelo Brasil era gigantesca. Só fui à fazenda de Itaóca uma vez observando as salas de taças, troféus, diplomas, medalhas, etc., lá existentes. Lembravam um museu!
Entre as fotos encontradas no livreto, existe a do touro Flamengo-JA, campeão nas Exposições de Cordeiro e Campos, descendente de Pavilhão-JA. Nome muito bem escolhido para um campeão!
Aparecem, também, os touros Patrimônio, Vampiro e Rebento, todos JA e premiados como campeões em várias exposições.
Outra característica do gado Guzerá é o alto teor de gordura do leite; nesse trabalho, é narrado pelo autor que os butirômetros existentes mediam até 8% de gordura; sendo necessário encomendar do Laboratório Gerber (Suíça) a fabricação de butirômetros com maior capacidade. Acrescenta, ainda, que a novilha Cinelândia-JA, na segunda ordenha, na exposição de Cordeiro atingiu 11% de gordura.
Todo esse trabalho era registrado minuciosamente na fazenda de Itaóca, havendo um acompanhamento em pedigrees, arquivos e fichários, alguns com relatórios de 10 gerações de bovinos, trabalho de muitos anos.
Nesse opúsculo, é mostrado, também, as vantagens do cruzamento do Guzerá com outras raças europeias na formação de mestiças de porte grande e boa produção de leite.
Todo o trabalho de seleção da raça guzerá, na fazenda de Itaóca, foi encerrado em 1975; sendo que, em 1978, 520 cabeças da raça Guzerá-JA foram vendidas para Pernambuco; além de todos os apontamentos zootécnicos e troféus que foram adquiridos, 20 anos depois, por um fazendeiro de Unai (MG), conforme reportagem da revista Globo Rural de janeiro de 2001.
Por pouco não desaparecia de Cantagalo um trabalho zootécnico de cerca de um século, realizado por duas gerações da família Abreu. Digo por pouco, porque esse trabalho foi salvo parcialmente pelo Sr. Allyrio Jordão de Abreu, filho do segundo casamento do Sr. João de Abreu Junior.
Com a morte do pai, o Sr Allyrio herdou a sexta parte da fazenda de Itaóca, dando-lhe o sugestivo nome de Canaã e 300 cabeças de bovinos Guzerá-JA, mantendo a tradição paterna iniciada há mais de um século. Hoje, a criação é mantida pela Sra. Lilliane Abreu e pelo seu marido Francisco Ismério, mantendo a marca JA que levou a muitos pontos do Brasil e do exterior (América do Sul e África) o nome de Cantagalo.
Essa história confirma aquilo que tantas vezes é dito: Deus se manifesta através dos menores e da pequenas coisas. Assim foi salva a marca JA em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.