Meu saudoso pai era um homem dotado de grande equilíbrio; apenas duas vezes presenciei momentos em que ele ficou mais exaltado, falando de modo mais elevado. Não criticava ninguém e quando admirava alguma pessoa a elogiava de modo discreto, sem exageros. Entre as pessoas que mereciam seus elogios estava o Professor Paulo Campos, que eu não conhecia na minha juventude.
Muitos anos depois, quando meus dois filhos mais velhos estudavam em Niterói, em um domingo, estando na antiga capital fluminense, resolvi assistir a um conserto com uma orquestra no teatro da UFF, em Icaraí. Antes do início, sentou-se ao meu lado um cidadão de meia idade, muito educado, que logo iniciou um diálogo comigo. Quando eu lhe disse que era de Cantagalo e que meu nome era Júlio Carvalho, me perguntou se eu era parente do Dr. Carvalhinho; ao lhe responder que era filho, passou a tecer os maiores elogios ao meu pai como médico e como político.
Quando lhe perguntei o nome, respondeu-me que era o Prof. Paulo Campos, natural do município de São Sebastião do Alto, mas que residia em Niterói. Mantivemos um agradável papo até o início do maravilhoso conserto. Pediu meu endereço e no dia seguinte deixou na portaria do prédio um pacote com artigos de sua autoria e um livro que escrevera sobre Nova Friburgo. Até hoje, guardo com carinho esse presente oferecido por um culto homem de nossa região fluminense, que dedicou toda sua vida ao ensino da infância e da juventude fluminense e brasileira.
No último fim de semana, apesar de diversas atividades esportivas acontecidas em Cantagalo, lembrei-me daquela agradável figura que casualmente conheci em um teatro em Niterói. Fiz uma pesquisa e conclui que o Prof. Paulo de Almeida Campos foi um expoente do ensino e da cultura fluminense e brasileira.
Nascido na zona rural do município de São Sebastião do Alto, filho de um proprietário que vivia da produção e venda do fumo de rolo, só foi alfabetizado com quase nove anos, fazendo o curso ginasial em três cidades: Cordeiro, Miracema (RJ) e Ribeirão Preto (SP), período em que morou na residência de um tio-avô, estudando em colégio estadual. Nesta cidade de São Paulo também concluiu o Curso Normal.
Em 1932 retornou a terra natal, ajudando o pai nas atividades rurais de fabricação e venda de fumo de rolo. Viajando pelos municípios vizinho em lombo de burro para vender o que produzia, permaneceu nessa atividade penosa durante quase um ano.
Durante meio século o Prof. Paulo de Almeida Campos dedicou-se inteiramente ao ensino, começando como professor de escola primária (1933-34) e diretor de grupo escolar (1935-40) em sua terra natal, São Sebastião do Alto e em Cordeiro; à noite lecionava no curso supletivo para adultos. Apaixonado pela educação, em 1941 prestou concurso com prova escrita e defesa de tese para Técnico em Educação; a seguir foi Diretor do Ensino Primário, do Serviço de Estatística e Pesquisas Educacionais e do Departamento de Ensino Médio, Membro da Junta Pedagógica, Assistente Técnico e Chefe de Gabinete do Secretário de Educação e Cultura, chegando a titular dessa secretaria em nosso estado. Foi, também, Orientador Técnico do Curso Normal Rural que funcionou no município de Cantagalo durante alguns anos.
Chefiou a Primeira Missão Cultural do Brasil (1944) e participou de diversas comissões técnicas, como a Comissão UNESCO/INEP para organização do Primeiro Curso de Especialistas em Educação para a América Latina.
Frequentou estágios de aperfeiçoamento no Centro Internacional d’Etudes Pedagogiques de Sèvres (Paris), na Université de Besançon (França) e em Porto Rico. Foi bolsista da UNESCO durante cinco meses para estudar a organização do ensino na França (1961). Foi o Delegado do Brasil em três Conferências Internacionais de Educação promovidas pela UNESCO.
Durante nove anos foi assessor do Prof. Anísio Teixeira, quando foi o representante do INEP junto a NOVACAP de 1957 a 1960, desde o momento da criação da primeira escola até a implantação do sistema escolar de Brasília.
O Prof. Paulo de Almeida Campos lecionou no Curso de Mestrado em Educação na PUC- Rio e em cursos do INEP, DASP, Senac, da Diretoria do Ensino do Exército, da Secretaria de Educação e do Departamento do Serviço Público do Estado do Rio d Janeiro, na Faculdade de Filosofia Santa Doroteia (Nova Friburgo) e foi Orientador Educacional do Colégio Nova Friburgo da Fundação Getúlio Vargas.
Além de lecionar em tantas instituições o Prof. Paulo Campos, como era mais conhecido, foi autor de inumeráveis trabalhos literários, entre os quais podemos citar: “ A Faculdade de Educação na atual estrutura universitária brasileira” (UFF-Niterói), “Da Formação do Professor Primário” (tese para concurso), “Subsídios para a história do magistério friburguense”, “A declaração de Lima sobre a generalização da educação primária e a eliminação do analfabetismo”, “ Projeto Maior nº 1 da UNESCO para generalização do ensino primário”, “Discursos Acadêmicos”, “Friburgo em Três Tempos”, “A Nova Língua dos Brasileiros”. Neste último trabalho relacionado ele analisa e critica o uso de palavras de línguas estrangeiras no nosso belo idioma português, principalmente o inglês.
O Prof. Paulo Campos foi membro de diversas instituições culturais, a saber: Academia Brasileira de Educação, Associação brasileira de Educação, Associação Nacional de Profissionais de Administração Escolar, Sociedade Interamericana de Administração da Educação, Academia Petropolitana de Educação, Associação Les Amis de Sèvres (Paris) e Associação Fluminense de Educação.
Foi membro das seguintes Academias de letras: Niteroiense, Friburguense, Valenciana, Cordeirense e Cantagalense, bem como do Instituto Histórico de Niterói. Em vida recebeu várias condecorações: Comenda da Ordem de Cavaleiro do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Comenda da Ordem de Araribóia, Comenda do Mérito Cultural Dante Alighiere (NF), Ordem do Mérito Martim Afonso de Souza (SP) e Prêmio Golfinho de Ouro (RJ).
Por decisão unânime do Conselho Universitário, a Faculdade de Educação da UFF, em 20 de dezembro de 1990 concedeu-lhe o título de Professor Emérito por mais de meio século de total dedicação ao ensino em todos os seus níveis, bem como à cultura. Cerca de três meses depois, no dia 07 de março de 1991, o Prof. Paulo Campos falecia em sua residência em Niterói.
Jamais poderia imaginar que aquele homem tão educado e tão simples que um dia conheci, casualmente, no teatro da UFF, fosse tão nobre pessoa, autêntico guerreiro a favor do ensino e da alfabetização de todos os brasileiros. Sua alma, certamente, deverá estar no Paraiso reservado aos justos!
Júlio Carvalho.