“Professor Baptista: educador de gerações – parte 1”, por Celso Frauches

O Prof. Baptista, o primeiro à esquerda, participa da inauguração do marco do centenário da cidade de Cantagalo, em 2 de outubro de 1957, tendo ao lado o juiz da Comarca, Dr. Felisberto de Ribeiro Monteiro Neto.

 

Conheci o professor Manoel Vieira Baptista quando ingressei na primeira série do curso ginasial, no extinto Ginásio Municipal Euclides da Cunha, criado na gestão do prefeito Acácio Ferreira Dias, que funcionava na rua Nilo Peçanha, mais conhecida como “rua Pinto & Palma”. Era um prédio térreo, estilo colonial. Em frente, havia um terreno baldio, usado para as aulas de educação física e as “peladas” de futebol. Foram quatro anos de convívio. O professor Baptista acumulava as funções de professor e de diretor, com uma atuação discreta, mas competente. Em seguida, no curso científico, agora no Colégio Euclides da Cunha, dos irmãos Messias e Mário Teixeira, lá estava o professor Baptista, sempre generoso com os seus discípulos. Era um multiprofessor, um ser humano de qualidades pouco encontradas nos educadores da época. Circulava por várias áreas do conhecimento. Lecionava português, francês, matemática, latim, física, química, sociologia, anatomia, fisiologia.

Mas quem foi esse ser humano?

Já escrevi sobre ele, na viagem no tempo que fiz num passeio pelo Jardim de Cantagalo, a Praça João XXIII. Mas foi apenas um ensaio para um artigo mais amplo, indispensável para a história da educação em Cantagalo.

Tive acesso à autobiografia do professor Manoel Vieira Baptista, escrita quando ele completou 68 anos de magistério, em 1973, cópia de um exemplar dedicado à neta Maria de Lourdes Machado Eccard e ao esposo dela, Zenille Eccard, em 12 de dezembro do mesmo ano. Àquela época, não vivia em Cantagalo. Somente agora li esse texto, um presente da minha prima e amiga Leni Costa Siqueira.

O prof. Baptista sempre dizia aos seus alunos que era filho de um padre. Mas eu não acreditava, entendia como uma brincadeira do mestre. Ele nasceu no dia 6 de janeiro do distante 1888, em São José do Ribeirão. Seus pais: Catharina Amélia Hots e do padre José Vieira Baptista.

O padre José Vieira Baptista nasceu em Porto das Caixas (RJ). Era filho de portugueses. Fez o curso de Humanidades na Universidade de Coimbra, Portugal, e o seminário em Salvador (BA). Foi capelão e depois vigário da freguesia de São José do Ribeirão, Bom Jardim (RJ), por 31 anos. Segundo informações do Prof. Baptista, seu pai, por viver com a companheira e seus filhos, foi perseguido pelo bispo D. Francisco do Rego Maia e transferido para Cordeiro (RJ), como capelão. Em seguida, foram suspensas suas ordens por não ter abandonado a família. Durante essa suspensão, abriu um colégio em Cordeiro. Todavia, o novo bispo, D. João Braga, devolveu-lhe as ordens sacerdotais, removendo-o para Cantagalo, como coadjutor do vigário Ambrósio Coutinho. Mais tarde, foi transferido para a paróquia de Santa Rita da Floresta. Por último, voltou para São José do Ribeirão. Ali veio a falecer e ser sepultado, aos 65 anos de idade.

 

São José do Ribeirão, antigo povoado de Nova Friburgo, mais tarde distrito do município de Bom Jardim, é um dos mais antigos redutos da colonização europeia no Brasil. A maioria das famílias de suíços e alemães que se fixaram na localidade vieram de Nova Friburgo (Foto de 2015 - Acervo de A Voz da Serra).
São José do Ribeirão, antigo povoado de Nova Friburgo, mais tarde distrito do município de Bom Jardim, é um dos mais antigos redutos da colonização europeia no Brasil. A maioria das famílias de suíços e alemães que se fixaram na localidade vieram de Nova Friburgo (Foto de 2015 – Acervo de A Voz da Serra).

 

Em 1857, São José do Ribeirão, hoje 2º distrito de Bom Jardim, foi elevada à categoria de freguesia do município de Nova Friburgo. O município de Bom Jardim foi criado pela Lei Estadual nº 37, de 17 de dezembro de 1892. Sua instalação, porém, correu em 5 de março de 1893, em terras desmembradas de Cantagalo e Nova Friburgo. Pode-se afirmar que o professor Baptista é friburguense de nascimento e cantagalense por adoção.

A conhecida região serrana fluminense, antigas “sertões de Macacu” ou de Cantagalo, pertencia à Província do Império do Brasil (1822-1889), criada a partir da Capitania do Rio de Janeiro (1565-1821). Em 1891, deu origem ao estado do Rio de Janeiro, cuja capital era Niterói. Em 1974, com a junção do Estado do Rio com o Estado da Guanabara, a capital passou a ser o município do Rio de Janeiro.

Na transferência, o padre, a companheira e os três filhos − Manoel, Mário e Juvenal − passaram a residir em Monnerat, distrito de Buas Barras (RJ). Nesse distrito, o professor Baptista e seus irmãos estudaram “as primeiras letras”, o curso primário em uma escola pública.

Para continuar os estudos do filho Manoel, o padre José internou-o em um seminário em Petrópolis (RJ), então capital da província do Rio de Janeiro. A capital era Niterói, mas foi temporariamente transferida para Petrópolis devido aos distúrbios causados pela Revolta da Armada. O governador da província era Alberto Torres (1865/1917), um tenaz combatente do comunismo.

Ali, ele cursou Filosofia Eclesiástica, aos dezessete anos de idade, o que o encaminharia à ordenação como padre. De volta ao lar, pensou nessa possibilidade, mas não resolveu seguir a carreira sacerdotal. Os estudos no seminário deram-lhe uma sólida formação nas letras, artes e ciências.

Sem um futuro profissional, seu pai deliberou abrir “uma taberna” para ele, ocupação que não lhe agradava.

 

Nota de falecimento do Padre José Vieira Baptista, pelo periódico Ribeironense, de 1° de março de 1905
Nota de falecimento do Padre José Vieira Baptista, pelo periódico Ribeironense, de 1° de março de 1905

 

Dois meses após a morte do pai, Manoel, ainda sem profissão definida, se casa com Guiomar Cecília Combat. O casal teve oito filhos: José Fausto, morto aos onze meses; Manoel Vieira Baptista Júnior, morto aos treze anos; Guiomar Vieira Baptista Machado, que foi casada com Manoel Pinto Machado; Mário Vieira Baptista, Amando Vieira Baptista, Bolivar Vieira Baptista, Clóvis Vieira Baptista e Maria de Lourdes Baptista, que se suicidou aos quinze anos.

Após a morte de sua esposa, o professor Baptista uniu-se à sua auxiliar doméstica, Maria de Lourdes Cláudio, que esteve ao seu lado até os seus últimos dias de vida. Com eles, vivia uma filha de criação, Ana Maria José Vieira e uma filha da companheira: Maria José Cláudio, mãe do menino Carlos Augusto Cláudio, que ele chamava carinhosamente de “meu netinho”.

Surge, porém, uma oportunidade, oferecida pelo “guarda-livros Xavier de Lima”: lecionar o curso primário em escola na Fazenda de Santa Bárbara, em Bom Jardim, de propriedade do comendador Antônio José Dias de Castro. Em 1901, passou a ser diretor dessa escola. É o início de uma brilhante carreira de professor e de gestor escolar.

Por força do destino”, o professor Baptista resolve mudar para Cordeiro, com a intenção de abrir uma escola. Era um empreendedor nato, estava no seu DNA. Mas ali já existiam duas escolas. Verificou que haveria uma pulverização de vagas, mais estas do que a demanda. Desistiu. Empregou-se numa fábrica de fogos. Tornou-se fogueteiro.

Mas o destino trabalhava ao seu favor. José Antônio Teixeira Siqueira, que dirigia a Escola Paroquial, convidou-o para ser seu adjunto na referida escola, por “ser um moço de cultura intelectual”. Meses depois, Siqueira resolveu transferir-se para Niterói e o nosso biografado foi promovido a diretor interino. O então vigário de Cantagalo, padre Veiga, nomeou François Belliene diretor, e o interino passou a ser adjunto.

O professor Baptista narra que os pais dos alunos foram procurá-lo por não estarem satisfeitos com o novo diretor. Convidaram-no para abrir uma escola. Daí nasceu, em Cordeiro, a Escola São José.

Mas o irrequieto Baptista não se acomodava. O seu destino apontava para horizontes mais amplos.

O Colégio Brasil, na mesma localidade, devido à epidemia de varíola, foi transferido para Niterói. Mas o professor João Bittencourt, que era sócio do Colégio Brasil, permaneceu em Cordeiro e criou o Colégio Bittencourt. Lá estava o professor Baptista como professor. Porém, por pouco tempo. Convidado a fundar um colégio em Barra Alegre, hoje 4º distrito de Bom Jardim, em 1914, pelo ex-aluno Manoel Erthal, aceitou a proposta. Lá fundou o Colégio Modelo, mais tarde transferido para Nova Friburgo. Em 1920, transferiu esse colégio para Cordeiro, onde preparava alunos para exame no Colégio Pedro II, tendo como sócio o professor Carlos Cortes. Em 1924, vendeu sua parte na sociedade para o professor Alberto Lontra.

 

Fonte: Acervo de Meinardo Baptista Machado, neto do professor Baptista, contendo autobiografia e jornais da época noticiando as homenagens e a morte do mestre.

 

[CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO]

 

Celso Frauches
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

 

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