“Quaresma”, por Dr Júlio Carvalho

Seguindo o ciclo litúrgico da Igreja Católica entramos, mais uma vez, a partir de quarta- feira, dia 02, na quaresma de 2022, período de quarenta dias, que termina na quarta-feira da Semana Santa.

A quaresma é o tempo em que somos chamados à reflexão, a revisar nossa conduta pessoal, em relação aos nossos semelhantes e em relação aos mandamentos da lei de DEUS, sendo aconselhado também a intensificação dos atos de caridade. Portanto é um período importantíssimo, cada ano, em nossa vida.

O povo judeu tem o dia do perdão, em que permanece em jejum e orações, o dia do Ion Kipur; na quaresma também temos os dias de jejum e abstinência de carne, sendo a quaresma um período de preparação para a Páscoa de Jesus, maior festa religiosa do cristianismo, em que são relembradas a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, como ensinou São Paulo: “E se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é sem fundamento, e sem fundamento também é a nossa fé” (1 Co 15,14).

Até o ano 325 d.C., a preparação para a Páscoa era feita em apenas três dias. Todavia, considerando esse período insuficiente, no Primeiro Concílio de Nicéa, criou-se a quaresma de 40 dias, passando os três dias para o Tríduo Pascal.

A escolha de quarenta dias guarda relação com o número 40 de passagens do Antigo e do Novo Testamento:

• 40 dias do dilúvio de Noé;
• 40 dias de Moisés no Monte Sinai;
• 40 anos de travessia do deserto pelo povo judeu;
• 40 dias e 40 noites do profeta Elias no deserto, rumo ao monte Horeb;
• 40 dias para apresentação de Jesus no templo e purificação de Maria Santíssima;
• 40 dias de jejum de Jesus no deserto.

A Quaresma tem início na 4ª feira de Cinzas com a deposição de cinzas na fronte dos fiéis; cinzas resultantes da queima dos ramos utilizados do Domingo de Ramos do ano anterior, quando o padre diz “Lembra-te que és pó e em pó te tornarás”.

A deposição das cinzas está ligado a uma tradição do Antigo Testamento, quando os judeus arrependidos, em um ato de penitência, colocavam cinzas sobre a cabeça. Serve, também, para mostrar nossa insignificância, pois um dia todo orgulho, vaidade e poder serão transformado em pó desprezível.

Em dezembro de 1964, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aprovou a criação da Campanha da Fraternidade, realizada em todo o Brasil durante a Quaresma, movimento que de cinco em cinco anos se realiza de modo ecumênico, com a participação de outras denominações cristãs.

Cada Campanha da Fraternidade tem um tema específico e um lema, buscando sempre despertar na população um problema que atinge a sociedade brasileira, merecendo ter uma solução.

O gesto concreto se traduz na coleta das ofertas que ocorrem nas missas do Domingo de Ramos, em todas as igrejas do Brasil. Toda arrecadação é destinada ao Fundo Nacional de Solidariedade e aos Fundos Diocesanos da Solidariedade; 60% são aplicados em projetos sociais da própria comunidade diocesana e 40% restantes formam o Fundo Nacional de Solidariedade, sendo utilizados para o fortalecimento da solidariedade entre as diferentes regiões do Brasil.

As duas primeiras Campanhas da Fraternidade, sob influência do Concílio Vaticano II, foram sobre transformações da própria Igreja: 1964 – Igreja em Renovação – com o lema – Lembre-se: Você também é Igreja; e em 1965 – Paróquia em Renovação – com o lema – Faça de sua Paróquia uma comunidade de fé, culto e amor.

No período de 1966 a 1972, os temas visaram a RENOVAÇÃO DO CRISTÃO: Fraternidade, Corresponsabilidade, Doação, Participação, Reconciliação, Serviço e Vocação.

A partir de 1973, a Igreja preocupa-se com a REALIDADE SOCIAL DO POVO, denunciando o pecado social e promovendo a justiça: Fraternidade e Libertação, Reconstruir a Vida, Fraternidade é Repartir, Fraternidade e Comunidade, Fraternidade na Família, Fraternidade no Mundo do Trabalho, Por um Mundo mais Humano, Fraternidade no Mundo das Migrações, Saúde e Fraternidade, Fraternidade e Violência, Fraternidade e Vida.

A partir de 1985 a Igreja objetivou as SITUAÇÕES EXISTENCIAIS DO POVO BRASILEIRO: Fome, Terra, Menor, Negro, Comunicação, Mulher, Mundo do Trabalho, Juventude, Moradia, Família, Excluídos, Política, Encarcerados, Educação, Desempregados, Dignidade Humana e Paz (Ecumênica), Drogas, Povos Indígenas, Pessoas Idosas, Água, Paz (Ecumênica), Pessoas com Deficiências, Amazônia, Defesa da Vida, Segurança Pública, Economia e Vida (Ecumênica), Vida no Planeta, Saúde Pública, Juventude, Tráfico Humano, Igreja e Sociedade, Casa Comum, Nossa Responsabilidade (Ecumênica), Biomas Brasileiros e Defesa da Vida, Superação da Violência, Políticas Públicas, Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso, Fraternidade e Diálogo: Compromisso de Amor (Ecumênica).

Nesse ano, 2022, o tema da Campanha da Fraternidade é Fraternidade e Educação, com o lema “Fala com Sabedoria, ensina com amor” (Pr 31.26). Tema sabiamente escolhido, depois de dois anos de pandemia, em que o ensino foi terrivelmente prejudicado, principalmente nas camadas mais pobres da população, que não puderam acompanhar o ensino a distância. Certo dia, conversando com um professor, meu amigo, ele me disse estar muito preocupado, pois em uma turma de cerca de 40 alunos, menos de 10 estavam acompanhando as aulas à distância. Alguns artigos em jornais do Rio de Janeiro chegaram a escrever que o atraso no ensino, devido à Covid, será de 10 anos. Será tudo isso?

Enquanto a Quaresma é um tempo de reflexões, caridade, orações, esmolas e reconciliações, o povo da Ucrânia, brava e heroicamente se defende da invasão militar e covarde das poderosas forças armadas da Rússia. Como civilização, mais uma vez retrocedemos!

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.