“Reminiscências”, por Dr Júlio Carvalho

Rua Chapot Prevost, antiga Rua Direita, no Centro de Cantagalo

Rua Chapot Prevost, antiga Rua Direita, no Centro de Cantagalo

Rua Chapot Prevost, antiga Rua Direita, no Centro de Cantagalo.

 

Cantagalo, na minha infância, era uma cidade bastante diferente da atual. Até a idade de dez anos, morei em um sobrado existente na Rua Direita (que era angulada); hoje, Rua Chapot Prevost. O sobrado já não existe, foi demolido e em seu lugar construído o Parque Infantil Maria de Lourdes Machado Vieira, no governo de Antônio Carlos Gonçalves (Tontal).

Habitávamos a parte superior do sobrado, que possuía sete sacadas metálicas; a central com as letras E.C.S., iniciais do primeiro proprietário do imóvel, mas o povo dizia maldosamente Eduardo Cara de Sapo. Os cômodos eram demasiadamente grandes, as maçanetas eram de cristal, bordadas com flores e, na sala principal, havia um lustre de cristal, verdadeira joia do tempo imperial, em que Cantagalo atingiu o seu apogeu. Certo dia, o proprietário do prédio, que residia em Teresópolis, veio a Cantagalo, retirou todos essas belezas existentes e levou para sua mansão na cidade serrana.

A casa ficou mais feia, mas para minha mãe foi ótimo, pois quando tinha que limpar o lustre do salão era trabalho quase que para o dia todo. Necessitava de uma escada, retirava todas as correntes de cristais que eram lavadas cuidadosamente e recolocadas nos devidos locais.

Na parte inferior do prédio, meu pai mantinha o seu consultório médico, em um terço do espaço, enquanto a parte maior era uma garagem de aluguel, usada por motoristas de praça (hoje, taxistas).

Naquela época, eu e meu irmão Maurício, ficávamos nas sacadas assistindo aos acontecimentos da rua. A passagem da tropa de mulas era uma verdadeira festa; à frente, vinha a mula madrinha da tropa, repleta de guizos e sininhos que soavam anunciando a chegada da tropa, formada até por vinte animais; cada mula com duas bruacas de couro repletas de gêneros alimentícios que abasteciam as casas comerciais da nossa cidade. Naquele tempo, a zona rural era habitada e a produção agrícola era grande.

Pela manhã, bem cedo, era aguardada a passagem do Adalto, vinha de um sítio próximo à cidade, puxando um burro com uma lata de leite de cada lado do animal. Parava nas casas e as pessoas iam comprar o leite, que saia de uma torneira fixada na parte mais baixa das latas. Era o Adalto Leiteiro, figura inesquecível! Seus descendentes ainda estão em Cantagalo.

Outro personagem da época, diariamente aguardado pelas donas de casa, era o quitandeiro. Homem branco, longilíneo, magro, vinha da sua chácara, empurrando um carrinho de mão, de madeira, repleto de legumes, verduras e frutas. Tinha o apelido de “misto grande” (em relação ao trem da Leopoldina), todavia não gostava do apelido. Quando os rapazes o chamavam pelo apelido, ele respondia com palavrões.

O jardim da cidade era o ponto de encontro das famílias e das crianças. O jardineiro era um afro-brasileiro alto e magro, Joaquim Pires; usava um chicote de couro longo, que fazia estalar no ar, colocando ordem no local, mas nunca batia em pessoas. Nessa época, o jardim não tinha as muretas, ficando ao nível da rua.

A área física da cidade era muito menor e algumas ruas não eram calçadas a paralelo. No sentido de Cordeiro, a cidade terminava na chácara do Sr. Rodolfo Tardin (hoje, AABB).

No sentido da Casa de Caridade de Cantagalo, o calçamento acabava na Vila Amélia; dali para baixo era poeira na seca e lama no período das chuvas.

No sentido oposto, a cidade terminava no final da rua Rodolfo Albino. A seguir era a estrada da Batalha, com, o Asilo dos Velhos, o sítio do Sr. Oscar Monteiro e o sítio do Sr. Ítalo Sandemberg (hoje, Quinta dos Lontras).

O calçamento a paralelos terminava na rua Rodolfo Albino, 128; dali para cima, as calçadas públicas eram com grandes lajotas de pedras (ainda poderão ser vistas na esquina da Rodolfo Albino com Cel. Manoel Marcelino de Paula). Por falar em rua Cel. Manoel Marcelino de Paula, inicialmente, era denominada rua Cap. Jorge Soares. Diziam os mais antigos que foi um militar getulista morto da revolução de 1930. O Ver. Carlos Fernandes Gomes (Dondoca) promoveu a rua de capitão a coronel, dando-lhe o nome de um cantagalense que liderou a política de Cantagalo por cerca de trinta anos.

 

Registro das grandes lajotas de pedras que ainda podem ser vistas na esquina da Rodolfo Albino com Cel. Manoel Marcelino de Paula. Foto: Celso Frauches
Registro das grandes lajotas de pedras que ainda podem ser vistas na esquina da Rodolfo Albino com Cel. Manoel Marcelino de Paula. Foto: Celso Frauches

 

A rua Cap. Jorge Soares não tinha calçadas públicas nem calçamentos a paralelos. No período chuvoso, a vegetação tomava conta da rua, ficando apenas um trilho no centro, por onde as pessoas passavam. No cume da rua, havia uma casa (ainda existente) onde morava uma senhora que lavava roupa para as famílias, conhecida como Da. Nata. Defronte, era a chácara da Sra. Júlia Gonçalves e bem mais adiante a residência do Sr. Homero Lutterbach e sua esposa Sra. Fidelina. Eram só três casas na rua!

A rua Nilo Peçanha também era mal cuidada, sem calçamento e com predomínio de habitações antigas; terminava no casarão da família Teixeira. Na chácara ao lado, havia um engenho de cana cuidado pelo Sr. Arnaldo Teixeira que, em primeira núpcia, foi casado com uma prima do meu pai. Certa vez, fui lá com o meu pai, vivendo uma inesquecível experiência infantil, vendo o movimento do engenho e a fabricação da rapadura.

A partir daquele ponto era o Pasto dos Reis, com algumas chácaras: Viúva Leite, Sr. Alberto Sauerbronn, Sr. Lalau Teixeira, etc. Era a zona rural quase dentro de Cantagalo. Depois da urbanização, com a construção das belas residências, passou a ser chamado de Passos dos Reis, sendo criada a rua Antônio Castro.

Voltando ao centro urbano, a Praça dos Melros (hoje, João XIII) tinha o seu entorno formado por velhas casas, sem qualquer aspecto de beleza em suas fachadas. O Largo da Igreja (atualmente, Praça Cônego Crescêncio Lanciotti), tinha o chão de terra batida, com um marco, na parte central, relativo à inauguração da energia elétrica em Cantagalo. Só foi urbanizado na década de 50, pelo Pref. Lacordaire Villela, trabalho do construtor David da Costa Lage. O povo ficou feliz e o Padre Crescêncio mais ainda, pois o piso da igreja permaneceu mais limpo.

Mais ainda teria para escrever, mas ficaria cansativo para os leitores e seria abusar do espaço do jornal.

Dedico este artigo àqueles que frequentemente dizem que “Cantagalo não cresce, não progride, não tem jeito!”. Peço-lhes que leiam com atenção, meditem e mudem o conceito sobre nossa cidade.

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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