No dia 1º de março de 1945, meu pai, o médico Joaquim de Souza Carvalho Junior, mais conhecido como Dr. Carvalho ou Dr. Carvalhinho, foi nomeado Prefeito de Cantagalo, por ato do Interventor do estado do Rio de Janeiro, Comandante Ernani do Amaral Peixoto. Permaneceu como prefeito por dois anos.
Nessa época, a cidade de Cantagalo possuía uma área física e uma população bem menor que hoje, onde todos se conheciam e se respeitavam; todavia, o município era maior, uma vez que Cordeiro e Macuco ainda eram distritos de Cantagalo. Nossa cidade era abastecida pela água cristalina que jorrava das nascentes dos Cambucás, e todos diziam ser uma água maravilhosa.
Dois funcionários municipais eram responsáveis pelo serviço de águas: Antônio Alves e Juvenal Peixoto. Certo dia, em 1946, eles comunicaram ao fiscal municipal Sr. Sylvio Barreto Lima que as árvores dos cambucás estavam sendo cortadas. Imediatamente, o fiscal levou ao conhecimento do Prefeito, que resolveu ir ao local em companhia do fiscal.
Em um determinado dia da semana, de botas, esporas e chapéus na cabeça, cada um montado numa mula (Cocada e Fosca), partiram Serra da Batalha acima. Lá chegando, constataram que a denúncia era verdadeira, sendo a ocorrência denunciada à Polícia Civil.
No meio da semana seguinte, o Delegado Dr. Nilton Leite, acompanhado de policiais civis e militares, prendia, em flagrante, empregados da fazenda Lavrinhas, com junta bovina, canga, carroção, serras e outros equipamentos, cortando árvores dos Cambucás. Todo conjunto passou pelas ruas principais da cidade rumo à delegacia. Assunto comentado pela população durante alguns dias. Ao mesmo tempo, foi aberto processo contra o proprietário da fazenda Lavrinhas (situação bem diferente da que ocorre hoje com a destruição da Floresta Amazônica!).
Alguns dias depois, o Dr. Álvaro Santos, renomado advogado cantagalense, compareceu à casa do prefeito, comunicando que o proprietário da fazenda Lavrinhas convidava o prefeito para um almoço na fazenda. A esposa do prefeito (minha mãe), não queria que o marido fosse, temia uma emboscada, pois, naquele tempo, a estrada de terra entre Cantagalo e Cordeiro era um deserto, com pouquíssimas casas. Todavia, o prefeito, sempre tranquilo, aceitou o convite e, dias depois, partiu para o almoço, em companhia do Dr. Álvaro Santos, no carro de aluguel (táxi) do Sr. Oscar Sereno (naquele tempo a Prefeitura não possuía carros).
À tarde, voltou feliz; o proprietário rural serviu um lauto almoço e doou 20 alqueires de terra, onde estavam situadas as nascentes dos Cambucás, para a Prefeitura Municipal de Cantagalo, sendo o processo encerrado. Assim eram os homens daquela época!
Em 1989, quarenta e três anos depois, cumpria o meu primeiro mandato como vereador em Cantagalo, quando fui procurado por dileto amigo, Sr. Bento Luiz Moraes Lisboa, sempre preocupado com a ecologia, que me sugeriu o aproveitamento da região dos Cambucás, com a criação da Reserva Ecológica dos Cambucás.
Aceitei a ideia, elaborei o projeto de lei e dei entrada na Câmara de Cantagalo, no dia 26 de junho de 1989. Após passar pelas Comissões da Câmara, o Projeto de Lei foi discutido no plenário em duas sessões. Sofreu duas ou três emendas aditivas, sendo aprovado por unanimidade e sancionado pelo Prefeito Geraldo Pires Guimarães.
Há 15 dias, leio no Jornal da Região, n.º 1653, pag. 05, que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e o Inea apresentaram uma classificação ecológica dos municípios do Estado do Rio de Janeiro, que receberão recursos financeiros num total de 308 milhões de reais, conforme sua posição em relação à conservação do meio ambiente, tratamento de recursos hídricos e gerenciamento de resíduos sólidos.
Na mesma notícia, Cantagalo aparece em 81º lugar entre os 92 municípios fluminenses, devendo receber do governo estadual R$. 636.450,94; enquanto isso, alguns municípios da região receberão quantias bem maiores, até três vezes mais. Evidentemente, os critérios sofreram influências externas, provavelmente de ordem política.
Será que os órgãos estaduais consideraram a Reserva Ecológica dos Cambucás, com 20 alqueires de terras cobertas por vegetação natural? Qual município da região tem uma igual?
Será que levaram em conta a Praça João XXIII, situada no coração da cidade, com suas palmeiras-imperiais seculares, suas frondosas mangueiras e outras espécies vegetais?
Será que consideraram a cobertura florestal que ainda existe em grande parte da zona rural de Cantagalo?
Será que analisaram o extraordinário trabalho de coleta e reciclagem dos resíduos sólidos, realizado pela Utilix, na usina criada pelo Prefeito Wilder Sebastião de Paula, que já foi motivo de reportagem pela TV Globo?
Os cantagalenses não deverão ficar assistindo de braços cruzados, afinal são recursos financeiros que deixarão de chegar a Cantagalo em decorrência de uma classificação deficiente. Vamos à luta!
Cabe à Prefeitura Municipal de Cantagalo elaborar um recurso junto aos órgãos competentes. Cabe à Câmara um protesto coletivo. Sempre considerei que os Vereadores formam a Infantaria Municipal!