Responsabilidade com o Paraíba do Sul

Felipe Santa Cruz e Flávio Ahmed*

Hoje, sofremos efetivamente com a crise ambiental. Se até algum tempo atrás os problemas decorrentes da poluição se limitavam a restritos grupos de discussão, agora essa percepção foi ampliada. A atual crise hídrica denota um descompromisso da preservação dos recursos naturais que confronta os princípios constitucionais do meio ambiente sadio e da dignidade da pessoa humana.

O Rio de Janeiro já viveu um episódio que vale preciosa lição. No século XIX, a Floresta da Tijuca teve sua vegetação devastada para a ocupação de cafezais. O resultado foi dramático: o desmatamento secou as fontes de água da cidade. Foi necessária a visão de D. Pedro II, que, em 1861, incumbiu o major Archer e poucos escravos de restaurá-la com o plantio de 100 mil mudas ao longo de 26 anos. O esforço salvou a maior reserva florestal urbana do mundo. Mais que isto: com a vegetação, o povo voltou a ter água.

Pelo visto, a lição não foi assimilada. Vítima do desmatamento de antigas fazendas cafeeiras, o Rio Paraíba do Sul e seus afluentes – a bacia que abastece nosso estado – passam por estresse hídrico. Desordenadamente, cidades se estabeleceram em suas margens sem o devido saneamento. Os reservatórios agonizam. A poluição contamina as águas e a supressão contínua de vegetação afeta o ciclo hidrológico, o que se agrava com as mudanças climáticas.

E pouco se faz para reverter esta realidade. Patrimônio natural e histórico, o Paraíba do Sul é a motriz do sistema Guandu, criado em 1963 e, até hoje, nossa principal fonte de abastecimento. Sem qualquer obra que amplie o fornecimento desde então, o Guandu opera no limite para atender mais de seis milhões de cariocas – o dobro de seu início. Além disso, dois terços da água gerada são destinados à indústria e à agricultura. Em matéria de economia, o Rio seria reprovado: lideramos o consumo de água per capita no país e somos o segundo no ranking do desperdício.

A água é bem ambiental, de uso comum do povo, cuja gestão deve ser “descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades”, como define a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/97). A pauta também é econômica, já que, da preservação do Paraíba do Sul, dependem não só a vida saudável da população, mas as produções industrial e agrícola.

Diante deste quadro, a OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro) lançou um amplo programa para desenvolver atividades que visam estimular a cooperação na gestão dos recursos hídricos no estado. Recuperação florestal de pontos degradados, mobilização dos setores jurídicos das empresas, interlocução com o poder público e propostas e acompanhamento de ações no Poder Judiciário, constam do projeto. O objetivo é incluir o tema na pauta da entidade, mobilizando advogados e cidadãos, com discussões e acolhimento dessas medidas.

Se, por um lado, somos vítimas diretas do descaso de nossos antepassados, por outro, possuímos a responsabilidade e o dever de lutar pela reversão deste quadro, de modo a assegurar melhor qualidade de vida às futuras gerações. Dever este que envolve um compromisso ético, ampla mobilização social e ações concretas que evitem o agravamento da crise ambiental.

*Felipe Santa Cruz é presidente da OAB/RJ e Flávio Ahmed é presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ.

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