Foto de capa: Inauguração da herma de Euclides da Cunha, no jardim da cidade, com a presença do prefeito Sady Vieira
Vieira é um sobrenome de origem portuguesa. Deriva do nome de um fruto do mar de carne bem branca e textura delicada, a “vieira”. Os primeiros registros do sobrenome de pessoas que nasceram nessa região remontam ao século 13. Os Vieiras eram uma família nobre em Portugal e tiveram grande influência na história do país. O sobrenome se espalhou por todo o mundo, especialmente durante a época das grandes navegações portuguesas. Hoje em dia, existem muitas personalidades famosas com o sobrenome Vieira, incluindo escritores, jornalistas, políticos e esportistas.
Sady Vieira, filho de João de Sá Vieira e de Elisa da Costa Vieira, nasceu em Cantagalo, em 1892. O sobrenome Costa é de origem portuguesa. Significa que a pessoa que recebeu esse sobrenome habitava o litoral português ou uma encosta. Surgiu como um nome geográfico para pessoas que viviam perto do mar.
Quando retornei a Cantagalo, ao final de 2020, fui morar na casa de Angela, na Vila Pitta. Subia e descia a rua Cel. Manoel Marcelino de Paula para ter acesso à vila onde residia. Antes da entrada para a minha nova residência, passava por uma vila, identificada por “Sady Vieira”. Que era? A primeira informação era de um jornalista que havia fundado, em 1866, o periódico CORREIO DE CANTAGALLO.
Sady Vieira iniciou os estudos no Colégio Nossa Senhora das Dores, das irmãs Bellieni, onde grande parte das crianças e adolescentes de Cantagalo estudaram. Mas sua família mudou-se para o Rio de Janeiro, onde prosseguiu os estudos. Optou pela advocacia. Fez o curso na tradicional Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, uma das mais antigas no Brasil. Para pagar os estudos, trabalhou na imprensa do então Distrito Federal. Formado na área jurídica, deliberou voltar para Cantagalo, sua terra natal.
Era, acima de tudo, um homem apaixonado pela política e o jornalismo. Fundou, dirigiu e redigiu dois jornais em Cantagalo: o CORREIO DE CANTAGALLO, que circulava duas vezes por semana, e outro, literário e humorístico, com o misterioso nome de O GATO. Com essa iniciativa teve participação ativa nas homenagens prestadas ao escritor Euclides da Cunha, em 1919, quando se inaugurou a herma do autor do magistral OS SERTÕES, na praça XV de novembro, mais tarde João XXIII.
Tenho em mãos o exemplar de 28 de novembro de 1915, “Anno 44” do “Orgão dos interesses do município, politico e noticioso”, graças ao curador da obra de Amélia Thomaz, o amigo Gilberto Cunha. O Redator-geral era Hugo Cunha. Na primeira página, há informações sobre o “Almanack do Correio de Cantagallo”; sobre o “Grêmio Dramatico Arthur Azevedo”, que levou à cena do Cine-Theatro Elias o drama “Arthur, o Jogador” e a comédia “Dois estudantes no prezo”. Juvenal e Leopoldo Goulart foram os principais atores do drama e da comédia.
Aproximando-se as eleições de 19 de dezembro de 1819, o jornal entrevista o coronel Cesar Freijanes, candidato a vereador. Se eleito presidente do legislativo cantagalense, disse que governaria o município com seriedade, tendo como prioridade a educação. Mas havia um pequeno anúncio: “BROMIL: Cura Tosse, Bronchite, Ashma, e Rouquidão”. E na terceira página, fico sabendo que “Olavo Bilac curou-se com o Bromil”.
As demais páginas (três) estão dedicadas aos anúncios. Fico sabendo que “Não Há Nada Que Possa Substituir a Emulsão de Scott”, que as “Pilulas do Dr. Q. Heinzelmann” acabam com as “irreggularidades na evacuação”. A “Fábrica de calçados MÃO DE LUVA”, de propriedade de Vicente Lovisi, produzia e vendia, a “preço baratíssimo”, o calçado MÃO DE LUVA, “muito hygienico, fabricado com cabedal de 1ª ordem e capricho”. O que aconteceu com a fábrica Mão de Luva?
Na Biblioteca Municipal Acácio Ferreira Dias, o caro leitor poderá encontrar essa e outras edições do CORREIO DE CANTAGALLO e outros jornais que já circularam em Cantagalo.
Na política, foi candidato a vereador, em 1920, e perdeu, com 420 votos, mas em seguida foi eleito prefeito. Exerceu o mandato entre 1921 e 1923, quando foi eleito deputado estadual, com expressiva votação. Contudo, uma infecção microbacteriana progressiva, a conhecida tuberculose, estava corroendo sua saúde, em tempos sem a penicilina.
Naquela época, a tuberculose levava a óbito. E foi o que aconteceu com o nosso Sady Vieira, interrompendo sua trajetória política, que se anunciava importante para Cantagalo. Ele tentou todos os recursos então existentes, em Campos de Jordão (SP), mas tudo foi em vão. Em 17 de maio de 1925, veio a falecer, precocemente, aos 33 anos de idade. Foi sepultado em Niterói, onde residiam seus pais.
No período em que Sady foi prefeito, a Câmara Municipal era presidida pelo capitão Januário F. Freitas Jr. que, segundo o CORREIO DE CAANTAGALO, era um político “sério, enérgico e independente”. O município possuía 37.112 habitantes, distribuídos em seis distritos: Cantagalo, a sede, 1º distrito; 2º, Santa Rita da Floresta; 3º, Cordeiro; 4º, Macuco; 5º, Santa Rita do Rio Negro; e 6º, São Sebastião do Paraíba. A cidade de Cantagalo tinha 6.315 habitantes. Nessa época, o CORREIO DE CANTAGALLO completava cinquenta anos de existência.
O Grêmio Euclides da Cunha tinha “assignalado relevo” na sociedade cantagalense. Euclides da Cunha era relembrado em todas as solenidades e na imprensa. Vieira participou da solenidade de inauguração da herma de Euclides na hoje Praça João XXIII.
Tínhamos o Cine-Theatro Elias, com dois andares, local de filmes, teatro, palestras, formaturas e outros eventos, no centro da cidade. Destruído o prédio, em seu lugar surgiu o Cine-teatro Eldorado, onde hoje funciona a loja “A Cantagalense”, ao lado da extinta Casa Richa. Sady Vieira governou um município na era do café. Hoje estamos nos tempos do minério, em plena era digital.
Cantagalo, outrora uma forte potência socioeconômica da província do Rio de Janeiro, era, nessa ocasião, um município em decadência, devido à decrescente produtividade das lavouras de café. Um alento foi a criação da Fábrica de Fiação e Tecidos, no 3º distrito, Cordeiro, sob o comando do dr. Osório Tavares. Um dos suportes para a elevação do distrito à condição de município.
Outro evento importante foi a criação, pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, cuja capital era Niterói, do Posto do Monta, onde seriam realizadas exposições da produção agropecuária da região e de outros estados.
Sady Vieira estava presente, assim como os demais prefeitos da região, ao lado do dr. Raul de Moraes Veiga, então presidente do Estado do Rio de Janeiro, na abertura da primeira exposição agropecuária de Cordeiro.
A morte de Sady Vieira foi um evento sem repercussão. Ele sumiu do noticiário. Somente foi relembrado pela Associação Rural, Comercial e Industrial de Cantagalo (ACIACAN), em 1936, com Missa solene e confecção de seu retrato. O então presidente da ACIACAN doou o retrato à Prefeitura, onde foi inaugurado no então “salão nobre”, que não existe mais.
Ele é um dos esquecidos pelas autoridades de Cantagalo. Não foi um grande fazendeiro, comerciante ou industrial. Foi um simples jornalista, político e prefeito de Cantagalo. Um dos poucos políticos idealistas, que desejava dar a Cantagalo uma administração que possibilitasse o desenvolvimento das pessoas e das empresas, sem o “toma lá dá cá” daqueles tempos.
Assim como ele foi esquecido, esquecidos serão os que o ignoraram. Ah! Foi nome de rua, mas na ânsia de homenagear parentes e amigos dos poderes políticos, essa única homenagem física foi destruída por outro nome. Não sei onde ficava a rua Sady Vieira. Agora é uma vila. Quem se lembrou de Sady Vieira para essa justa homenagem merece as homenagens dos cantagalenses.
Fontes:
- Gente da Casa de Mão de Luva. Amélia Tomás (Cantagalo, RJ: Tipocan, 1978);
- Registros de Nascimento e Desenvolvimento de Cordeiro. Madalena Tavares (Cordeiro, RJ: In Média Res, 2022);
- Album do Município de Cantagallo. Dr. Júlio Pompeu. Cantagalo, RJ: 1922);
- Correio de Cantagalo, Ano 44, nº 44, Cantagalo, RJ, 28 de novembro de 1915.