“Sesmarias ou “datas”: surgem as fazendas em Cantagalo”, por Celso Frauches

Mapa das Novas Minas de Cantagalo, área dominada por Mão de Luva durante 26 anos

Mapa das Novas Minas de Cantagalo, área dominada por Mão de Luva durante 26 anos

Sesmarias, ou “datas”, eram terras abandonadas pertencentes a Portugal e concedidas para ocupação, primeiro dentro do território português e depois na colônia brasileira, onde o sistema perdurou de 1530 até 1822. O sistema foi usado desde o século 12 nas terras comuns, comunais ou da comunidade.

Em 10 de outubro de 1532, Martin Afonso, capitão da capitania hereditária de São Vicente, concedeu a primeira sesmaria do Brasil a Pedro de Góes. Em 10 de fevereiro e 4 de março de 1533, concedeu sesmarias a Ruy Pinto e Francisco Pinto, respectivamente. Essa concessão teve o caráter perpétuo, inédito nesse sistema.

Em 1787, Manoel Pinto da Cunha e Souza, acompanhado de militares, um pároco e agentes públicos, por determinação do vice-rei da capitania do Rio de Janeiro, Luis de Vasconcelos e Sousa, instala, no local do povoado antes ocupado por Mão de Luva e sua gente, agora abandonado, um posto de distribuição de sesmarias e de arrecadação do quinto, tributo cobrado pela Coroa Portuguesa da produção oriunda dessas sesmarias.

Ali, ele e seus companheiros inicialmente ocuparam choupanas, enquanto edificavam a casa de Registro de Ouro e algumas construções administrativas. Em seguida, a capela dedicada a São Pedro de Cantagallo é construída de pau a pique. Inicia-se, dessa forma, a distribuição das sesmarias, em 1787.

Nascia, assim, sob os melhores auspícios, o distrito de Novas Minas de Canta Gallo, do município de Santo Antônio de Sá, futura vila de São Pedro de Canta Gallo, mais tarde simplesmente Cantagalo.

 

O garimpeiro Manuel Henriques, criado, hoje, pela IA do Bing
Mão de Luva, ao receber São Martinho, em 1786, não demonstrando qualquer reação por ter sido traído pelo governador da capitania de Minas Gerais, Luis Antonio Furtado e Mendonça, visconde de Barbacena.

 

Antes de proceder ao sorteio, porém, o Manoel Pinto da Cunha e Souza separou as melhores áreas, dividindo-as em sesmarias e dadas à rainha, D. Maria, ao vice-rei, uma terceira para si mesmo e uma quarta para o Guarda-mor, na forma do artigo V do Regimento de 2 de abril de 1702. E por concessão especial, também uma para o Tenente Examinador, “isto por ter deixado a sua Caza e as dependências que estava tratando nessa Cidade (do Rio de Janeiro) para vir empregar-se no serviço de Sua Magestade“.

Feito isso, baixou um edital no dia 21 de junho (1787), amplamente divulgado em Santo Antonio de Sá e no Rio de Janeiro, convocando os interessados para com eles distribuir as 33 “datas” demarcadas nos córregos da Lavra Velha (Lavrinhas) e do Cantagalo (depois chamado São Pedro), a montante da respectiva confluência, cada uma com trinta braças em quadra (30 barras quadradas = 0,075879 hectares).

De acordo com o edital, os pleiteantes deveriam comparecer ou por procuradores, munidos de licença do vice-Rei e prova de recursos para iniciar em curto prazo a exploração (doze escravos e posse de recursos para desenvolver o empreendimento); “ficando todos na inteligência de que deverão principiar a lavrar as “datas” que lhe forem distribuídas dentro de quarenta dias contados daquele em que se-repartirem como também de que as devem disfrutar por si sem as poderem vender, debaixo das penas que são impostas aos que fizerem o contrário“. No dia 21 de julho de 1787, procedeu-se ao sorteio, com pretendentes em número maior que o das glebas licitadas.

 

D. Luiz de Vasconcelos, vice-rei que governava a capitania do Rio de Janeiro, carrasco de Manuel Henriques , o Mão de Luva.
D. Luiz de Vasconcelos, vice-rei que governava a capitania do Rio de Janeiro, carrasco de Manuel Henriques, o Mão de Luva.

 

A perspectiva de riqueza fácil e a publicidade dada ao cometimento, contudo, despertou neles interesse maior que o esperado. Em razão disso, outro sorteio foi realizado em agosto do mesmo ano, tendo por objeto cinquenta datas situadas entre o ponto de encontro dos dois córregos referidos (Lavra Velha, Lavrinhas, e São Pedro) e a desembocadura, no rio Negro, do riacho por eles formado. As novas datas — das quais foram também destacadas — situavam-se em terras depois integradas na “Chácara Queimada” (hoje hospital) e na fazenda Gavião.

As sesmarias de sua Majestade, em vez de leiloadas, como de praxe, ficaram a cargo de Joaquim José Soares, o técnico minerador. Para fomentar sua exploração, o vice-Rei mandou comprar, em Minas Gerais, 14 escravos ladinos, já afeitos à mineração. Cunha Meneses, porém, ciente do fato, logo brecou a pretensão: baixou um “bando” (espécie de decreto) proibindo terminantemente a saída de qualquer escravo daquela Capitania para os sertões do Macacu. Era a sua vingança. Para obviar o impasse, D. Luiz de Vasconcelos não teve outro recurso senão aproveitar a mão-de-obra disponível na Fazenda Santa Cruz, incorporada à Coroa com a expulsão dos Jesuítas, retirando dela os escravos necessários à exploração da região antes dominada por Manuel Henriques e seus irmãos.

Era o começo do povoado das Novas Minas de Canta Gallo, reconhecido mais à frente como distrito, em 1806, elevado à categoria de Vila de São Pedro de Cantagalo, em 1814; e como cidade de Cantagalo, em 2 de outubro de 1857.

 

Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

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