“Solidão tem habeas corpus?”, por Amanda de Moraes

Solidão

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Para muitos, o ser humano é um ser social. Segundo Aristóteles, o homem partilha do bem-estar no convívio com o outro ser humano, em coletividade. Será por isso que o temor da solidão assusta tantas pessoas?

Muitos indivíduos buscam companhia a qualquer custo, submetendo-se a relacionamentos fracassados por n motivos. Seja pelo medo de não encontrarem outro parceiro, seja pelo receio de não constituírem outra família, permanecem estáticos, buscando abafar a angústia com as mais variadas distrações. Isso também se dá no campo de outros afetos, como a amizade.

Henry Thoreau afirma: “a felicidade só é verdadeira quando compartilhada”. Compartilhada com quem? Há de se ter cuidado com quem escolhemos para nos acompanhar; a mesma partilha que traz alegria, em um revés, pode gerar dor, tristeza, frustração.

Um saber popular diz que é melhor ficar só do que mal-acompanhado. Para outras pessoas, é melhor mal-acompanhado do que a dor de seguir sozinho. Vai saber…

A solidão, para o dicionário Michaelis, traduz-se em um estado de sofrimento pela condição de estar só. Popularmente, tem-se utilizado palavra com semelhante sonoridade para representar um outro sentimento decorrente dessa condição: solitude.

Esse vocábulo, no senso comum, utilizado de forma distinta à solidão, aponta para uma outra maneira de experimentar o isolamento: estando só, desfruta-se da própria companhia.

A vida exige maturidade. E a tal da maturidade impõe que, em algumas situações, caminhemos sozinhos por algum tempo. Se é para assim ser, melhor tornar a caminhada um pouco mais aprazível, com a nossa habilidade de permanecermos a sós.

Jean-Paul Sartre (um dos mais importantes filósofos da humanidade) diz que o pior mal é aquele ao qual nos acostumamos. Sem pretender descontextualizar essa frase, fazemos aqui um remendo, para jogá-la como reflexão. Acostumamo-nos com o ruim, medíocre e triste. Talvez essa tal de solitude devesse ser matéria obrigatória nos primórdios da escola.

Para além das relações, outros casos podem impulsionar o isolamento. Recordo-me, nesse tema, daqueles que são jogados às agruras do cárcere, como se estivessem em cima de um tapete puxado abruptamente pela própria vida.

No lusco-fusco, são deixados sem os alicerces do convívio humano, e percebem-se apartados de qualquer afeto conhecido. Quando se fala em prisões preventivas, o foco da sociedade (no geral) paira somente no suposto delito cometido. Para prevenir, prende-se. Poderia tecer rios de tintas sobre as consequências nefastas de um cárcere. Por ora, fiquemos apenas com a solidão, tão comum a todos nós.

Para muitas pessoas presas, o dia mais importante é o dia da visitação. É quando o sopro do afeto ultrapassa os vidros do parlatório, e percebe-se que, apesar de tudo, há alguém que permanece ao lado. Nos momentos de turbulência, existe o surpreendente: o já condenado ao esquecimento tem, por vezes, alguém ali, para visitá-lo.

Entre os solitários, os da solitude e os encarcerados (por quaisquer motivos que assim estejam), a vida surpreende. Prega peças o tempo todo. Quando se pensa ter chegado ao tal lugar seguro, alguns se sentem, em verdade, à beira do poço.

Momento confissão: eu já estive lá também e acredito que você, caro leitor, também. O que fazer ao chegarmos lá? Cada caso tem a sua particularidade. Não podemos esquecer que a humanidade tem a estranha mania de sofrer em silêncio. Talvez porque vivamos, hoje, a ditadura da felicidade, com sorrisos “instagramáveis”.

Ninguém é tão feliz quanto suas postagens aparentam. Há momento nos quais preferimos chorar baixinho, em silêncio. Há outros nos quais um colo cairia muito bem. O importante é reconhecermos esses sentimentos como fatores normais da vida e olharmos, bem atentos, para as relações que estamos construindo. Não pela quantidade, mas sim pela qualidade.

A pergunta é: quando o mundo desmoronar (e ele irá), quem você visitará para declarar o que se passa nos cômodos do coração?

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes

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Um Comentário

  • Quando o mundo desmoronar e ele irá. De fato.
    Belo texto!!

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