“Título de Cidadão”, por Amanda de Moraes

A advogada Amanda de Moraes, o prefeito Rodrigo Viana e o Dr. Victor Farsoun

 

Todos pertencem a algum lugar, por imposição legal.

A naturalidade vem do latim naturalitate, pois remete ao local de nascimento de uma pessoa.

Muitas não têm a oportunidade de viver em seu nascedouro, tendo uma breve passagem ao vir à luz; quis o destino que construíssem, pelas razões mais distintas, a vida em outra terra.

Mais velhas, algumas fincam por ali raízes profundas, não deixando sua região por nenhum fim. Outros tornam-se andarilhos, em busca de sabe-se lá o quê.

Esse assunto faz-me lembrar o filme Nomadland, vencedor do Oscar em quatro categorias. A protagonista Fern, após perdas e dores em sua vida (emprego e marido), decide viver sem CEP (residência fixa), em uma van, rumo à estrada da vida. Dores todos têm, o caminho para superá-las… cada um tem o seu.

Para muitas pessoas, ser cidadão de uma localidade é motivo de grande honra. Contudo, seria injusto se essa honraria ficasse às mãos apenas do destino?

Como forma de compensar os enredos de alguém fiel à terra escolhida para ser também natal, foi criado o Título de Cidadão Honorário.

O título de cidadania equipara a pessoa homenageada a uma adoção oficial; dessa hora em diante, já é um conterrâneo, mais um entre nós. Ganha-se uma nova certidão de nascimento. Tenho, por uma visão de afeto, como uma espécie de fortuna por aquilo que chamo de terno, ou seja, eu – Amanda – acho que alguém é rico porque tem amor pelas origens.

Não se trata de mera referência geográfica, mas sim de mais identidade.

Na sessão solene da Câmara Municipal de Trajano de Moraes, recentemente, em comemoração aos 132 anos de emancipação político-administrativa da cidade, algumas pessoas tornaram-se trajanenses. Entre elas, o Dr. Victor Farsoun, médico da região, que, com afeto, serve à Trajano de Moraes. Quem atesta a sua competência é o próprio povo, ao repetir elogios à medicina: atencioso, carinhoso, dedicado e comprometido.

Pertencer ao povo que tanto ama é motivo de genuíno orgulho. É bela e humana a sensibilidade dos representantes eleitos em enaltecer aqueles que já fazem (e vivem) por um município.

A adoção sempre será um ato admirável. Tão digna quanto é a sensibilidade dos políticos que escolhem os adotados.

Esse evento foi coroado com a entrega da Medalha João de Moraes a pessoas que fazem pelo município: o prefeito Rodrigo Viana, pelo humanismo e coragem no enfrentamento à pandemia de Covid-19. A cidade ser a última do estado do Rio de Janeiro a ter o primeiro caso de contaminação não se deu por mero acaso, sendo resultado do pulso firme de seu gestor e de sua equipe.

Leda parece ser nome que carrega em si a distinção. A medalha foi concedida também à Sra. Leda Freira, pela revolução na área pedagógica e liderança na Secretaria Municipal de Educação. Igualmente, à Sra. Leda de Moraes Souza, pelos serviços de grande relevância ao povo trajanense.

Feitas as adjetivações aqui, preciso – como mulher apaixonada pelo Direito e por Trajano – mostrar o porquê de ter usado o tema Naturalidade neste texto. Precisarei da sua licença, ou seja, da sua maior compreensão.

Neste ano, após ter esta coluna, eu me vi profunda no amor à minha terra, ao meu avô e desafiada. Hoje, além dos afazeres no escritório por que tanto respeito, vivo entre livros e sonhos. Minha casa – nas pilastras de um Rio em tamanha desigualdade social e violência – tem o aconchego das memórias. Por que é tão difícil ser mulher, escritora e advogada no Brasil?

Gostaria de ter esse papo com meu avô João de Moraes, mas o tempo da carne é injusto com o afeto; a carne se vai, para se tornar uma memória que derrama o peito volta e meia. A neta sabe e, por isso, caminha com uma força que vem do sobrenatural… Não! Vem da naturalidade… Trajano.

Quando estava à tribuna para receber o título de cidadã, uma espécie de Spielberg se instalou à minha mente: posso eu escrever em primeira pessoa? Será que alguém compreenderá meu narciso emocionado, aqui, por amar sem fronteiras a terra que me fez mulher?

Somos assim: errantes, emocionados, nada humildes quando estamos falando sobre a nossa (ou nossas) terras. Talvez alguém no cartório, lá no futuro, pergunte: “Natural de onde?“.

Bem, eu responderei em lágrimas, não as de tristeza, mas em uma espécie de carta, porque falar sobre Trajano é como desenhar uma árvore genealógica do meu ano mais desafiador, num Rio ainda caótico e belo. Sim… mais um erro da minha parte: estar aqui, redigindo, confidente para e sobre um lugar de todos os meus afetos.

A vida é rápida. Eu sei. Você sabe. E um dos meus maiores conselhos, aos momentos de maior introspecção, é: escreva sobre o lugar de onde você veio.

Por mais que as palavras não caibam, a intenção se fará num amor absoluto (e basta!) sobre a terra natal. Você e seu íntimo se encontrarão numa ceia. Quase certa será a emoção por reencontrar aqueles que, como Cristo, deram tudo para um amor maior, sem egoísmo ou vaidade.

Nossa terra? Trajano de Moraes!

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes.
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes.

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