“Um grande líder nacional”, por Dr Júlio Carvalho

Naquele tempo, quando estava com onze anos, mensalmente meu pai me conduzia a Niterói para ser submetido a um tratamento de correção da arcada dentária com o bondoso e competente Dr. Gustavo Vieira de Araújo, em cuja residência, certa vez, passei três meses. No final, ele e a esposa, Profa. Maria Emília, queriam que eu permanecesse para sempre. Apesar do bom trato recebido, optei pela casa paterna!

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

Nessa época, o único meio de transporte de Cantagalo para a então capital do estado do Rio de Janeiro era a E.F. Leopoldina, que passava em Cantagalo às 10h00, chegando a Niterói às 19h00, quando não atrasava, o que era uma raridade: desse modo, cada vez que íamos à Cidade Sorriso eram gastos três dias: um para ir, outro para voltar e um para ir ao dentista.

Ficávamos hospedados no Hotel Imperial, que de imperial só tinha o nome, antigo prédio de três andares, servido por um antigo elevador, cuja porta interna era de grades e manobrado manualmente. Creio que ficava na esquina da Rua da Praia com Rua da Conceição, bem no centro da capital fluminense. Era o ponto em que os políticos do interior se hospedavam. Quase sempre meu pai encontrava com algum deles, que lá permaneciam em busca de ajuda para seus municípios do interior.

Felizmente, esse tempo tão difícil e complicado já foi sepultado, pertencendo a um passado remoto. O velho hotel já foi demolido, os meios de transporte são bem diferentes e Niterói sofreu múltiplas modificações. Narrei apenas para que os de hoje sintam como tudo era bem mais difícil no passado, antes de JK.

Numa dessas idas, do hotel meu pai ligou para um amigo cantagalense que residia em Niterói, foram colegas no início dos estudos em Cantagalo, no Colégio Barros, mantendo a amizade através a vida. Marcaram o encontro para a Praça Araribóia, a fim de atravessarem para o Rio de Janeiro Capital Federal, numa das lentas barcas da Cantareira, que levavam 40 minutos na travessia.

Conversaram muito e meu pai solicitou que o cidadão conseguisse verba federal para construção de arquibancadas no campo do Cantagalo E.C., presidido pelo dinâmico cantagalense Edmo Japor.

Desembarcando na Praça XV, os dois, da mesma altura, foram caminhando e conversando animadamente até o prédio em que funcionava a Câmara Federal, onde se despediram.

Estádio Acúrcio Torres
Estádio Acúrcio Torres

No ano seguinte a verba federal chegou ao nosso município, sendo construídas as arquibancadas no campo do Cantagalo E.C., sendo o local denominado, merecidamente, Estádio Acúrcio Torres.

Mas quem foi esse cidadão?

Acúrcio Torres nasceu em Cantagalo em um dia 12 de abril de 1897, filho de Antônio Francisco Torres e de Maria Zulmira Torres; fazendo seus estudos iniciais no Colégio Barros e no Colégio Abílio, em nossa cidade. Como os pais passassem a residir em Niterói, concluiu seus estudos no curso Guilherme Briggs, naquela cidade. Em 1916, com 18 anos, diplomou-se advogado pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.

Iniciou suas atividades como advogado na cidade de Niterói, destacando-se desde cedo por sua competência e clareza em sua profissão como causídico, além de brilhante oratória. Foi Promotor de Justiça em Niterói e Adjunto de Promotor na cidade do Rio de Janeiro, na época Distrito Federal.

Precocemente ingressou na política, elegendo-se vereador em Niterói em 1919, onde se destacou pelos pronunciamentos firmes, assumindo logo a liderança do seu grupo. Segundo Brígido Tinoco, que militou na política fluminense durante muitos anos, “os discursos de Acúrcio Torres sacudiam o plenário”.

Em 1921-22, na campanha política a favor de Nilo Peçanha à presidência da república, denominada Reação Republicana, o cantagalense Acúrcio Torres participou de modo esplendoroso; no seu pronunciamento na Praça Araribóia, assim se expressou o Sr. Nelson Kemp: “Estou vendo você, Acúrcio, em cima de uma tribuna improvisada na Praça Martim Afonso, exaltando a figura de nosso chefe Nilo Peçanha, quando ele regressava do norte, na memorável campanha da Reação Republicana, conclamando o povo brasileiro para cerrar fileiras em torno de um dos grandes estadistas do Brasil. E você fez um dos seus melhores discursos políticos, impressionante por sua linguagem colorida e sonora, calorosa e patriótica. Na ponta dos pés, mais de dez mil pessoas de todos os municípios de nosso glorioso Estado aclamaram você, Acúrcio, como um dos nossos maiores tribunos”.

Foi eleito deputado estadual em 1926 e em 1930; combateu a Aliança Liberal e a Revolução de Outubro, que foi vitoriosa, interrompendo o seu mandato.

Em maio de 1933, foi eleito para a Assembleia Nacional Constituinte e, em outubro do ano seguinte, para a Câmara Federal, onde permaneceu em atividade até 1937, quando Getúlio Vargas, decretando o Estado Novo, encerrou as atividades do Poder Legislativo.

Busto Acúrcio Torres
Busto do advogado e deputado federal Acúrcio Torres na OAB Niterói. Foto: Chris Portugal.

Em 1945, com a redemocratização do Brasil, Dr. Acúrcio Torres é eleito, mais uma vez, deputado federal, ocupa várias comissões da Câmara Federal, sendo líder do Governo do General Dutra. Foi a época que, em companhia de meu pai, eu o conheci na Praça Martim Afonso.

Vejam, senhores leitores, naquele tempo, o líder do governo brasileiro morando em Niterói, viajava de bonde, de barcas e andava a pé nas ruas de Niterói e do Rio de Janeiro como um cidadão comum, bem diferente do que ocorre nos dias de hoje!

Em 24 de agosto de 1976, em Niterói, veio a falecer o Dr. Acúrcio Torres. Seu corpo foi velado na Câmara Municipal de Niterói, onde ele iniciou sua vida política e seu corpo descansa no cemitério de Maruí.

Na Câmara Federal e no Senado vários políticos se manifestaram sobre o ilustre cantagalense. Na Câmara, o Dep. Célio Borja, seu presidente, assim se expressou: “Ele foi a representação viva de nossa Província Fluminense; homem que se notabilizou pela inteligência, pelo invulgar conhecimento da Ciência e do Direito, tendo dado contribuições valiosíssimas à estruturação jurídica do País, sobretudo no período que se seguiu a 1946”.

No Senado, assim se manifestou o Senador Dinarte Mariz: “Uma grande personalidade na política brasileira, no momento em que o Brasil se encaminhava, com dificuldades, nos processos iniciais de sua redemocratização”.

Creio que Dr. Acúrcio Torres forma com Dr. Júlio Santos a gigantesca e extraordinária dupla de políticos cantagalenses que se projetou no cenário nacional. Aos dois todo nosso respeito e admiração!

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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