“Um homem que seguiu fiel o caminho”, por Amanda de Moraes

João de Moraes e sua neta, a advogada Amanda

João de Moraes e sua neta, a advogada Amanda

Algumas homenagens são feitas somente após a morte. Nomes em ruas, teatros, praças, rodovias, monumentos públicos condecoram alguma personalidade. Essa atitude, caso fosse destinada a quem está vivo, feriria o princípio da impessoalidade da administração pública. Assim, dizem julgados sobre o tema.

Condecoração, após o falecimento, tem forte simbolismo, principalmente sobre o ser humano que deixou algo precioso para o mundo. Alguns relatam que é uma forma de honrar a memória dos que não estão mais entre nós. Outros afirmam ser necessário relembrar à sociedade os feitos nobres; eternizando o nome, rememora-se a todos a sua contribuição. Realmente, existem aqueles que fizeram valer a vida que lhes foi dada e tornaram um pouco melhor o dia a dia do próximo.

Recentemente, João de Moraes, prefeito por 4 vezes em Trajano de Moraes, recebeu mais uma merecida honraria. A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou o projeto de lei que denomina a RJ-174 de “Rodovia João de Moraes”. O governador Cláudio Castro sancionou-a.

Parte dessa rodovia é o trajeto que Joãozinho fazia, ao longo de 16 anos, até à prefeitura. Para ele, uma escolha pessoal, um caminho, um sonho… sentido real de sua existência humanista.

Quando estamos corridos, frase clássica do século em que vivemos, nós não temos tanto tempo de prestar muita atenção ao caminho percorrido. Afinal, chegar mais rápido é preciso. Todos os dias, pessoas andam de metrô. Todos os dias, atravessam a mesma rua, para o mesmo local de trabalho. Daí, uma reflexão em tempos de Natal: o que levaremos das nossas rotinas? E o que deixaremos para quem cruzar essa estrada do viver?

No mundo contemporâneo, muitos influencers empenham-se em campanhas para a vida nômade e sem rotina. Cada mês em lugar, dando-nos a entender que, isso, sim, é aproveitar de verdade. Proveito, aliás, é um conceito individual. Uns preferem o pôr do sol, sozinhos e em silêncio; outros se emocionam ao estarem numa fazenda repleta do som que cada voz familiar emite.

Bem, se perguntassem a João de Moraes se ele aproveitou a vida, diria, com absoluta certeza, que sim. Inclui-se, aqui, a preferência de ter repetido, todos os dias, o trajeto da RJ-174.

A partir da sua escolha de fazer esse mesmo percurso, João sempre dizia que uma criança não poderia andar muito para chegar a uma escola. Dito e feito. Ergueu em cada canto do município uma escola. Não é por acaso que muitas pessoas lembram de suas músicas: “perguntei às criancinhas, para onde vocês vão? Nós vamos para a escola, construída por João.

Pelos aprendizados que a RJ-174 trazia a esse prefeito, construiu, do zero, tudo que facilitasse uma vida proveitosa à gente de Trajano: hospital, postos de saúde, fórum, hotel, conjuntos habitacionais.

Joãozinho, conhecido como o Prefeito dos Pobres, ainda vive em suas construções. Mas também permanece vivo nos pequenos detalhes éticos do dia a dia, que o distinguia de tantos políticos.

Em um município do interior, não é possível se esconder em fotos simpáticas de Instagram. A proximidade exige o convívio com a população.

Para além dos seus feitos, quando contam histórias sobre João de Moraes, as narrativas geralmente não se iniciam pelas obras que ele fez. As memórias sempre começam assim: “Joãozinho, sempre que me encontrava, beijava a minha mão, olhava em meus olhos e perguntava como eu estava. Ele sempre lembrava o meu nome e da minha família.

Frequentava, pessoalmente, as casas mais humildes, para saber questões essenciais à vida: “Como está sua dispensa? Tem comida? E o trabalho?” Ele ouvia o outro. Com presença. Ele ouvia.

Em seus últimos dias, não era sobre eventuais férias ou diversões que se recordava com carinho. O seu orgulho era das vidas que tinha tocado. As fotos que pedia para rever eram as que estavam repletas de povo, de gente trajanense.

João de Moraes não era visto debatendo teorias. Ele era visto fazendo. Coisas simples, que, pela sinceridade, se tornavam grandiosas. Antes de seu falecimento, comentava seu amor pelas crianças de Trajano.

Certa vez, fora comunicado que um senhor estava entrando em sua propriedade e furtando madeiras para vender. Pediu que chamassem tal homem, pessoa humilde, com a maior brevidade possível. Feito isso, perguntou:

– O senhor que está entrando aqui e pegando minhas madeiras?
– Sou eu, sim, seu João, respondeu o homem envergonhado. Estou sem trabalhar.
– E como o senhor carrega essa quantidade de madeira para vender na cidade?
– Carrego no lombo.
– Mas essa situação é absurda, disse João. Vou te dar um burro, para que você consiga carregar as madeiras direito.

João enxergava o outro. Talvez esteja aí um bom começo para uma sociedade um pouco melhor. Começarmos pelo simples. Ficamos voltados em obras grandiosas e esquecemos de que muitas das respostas que buscamos estão nos gestos mais simplórios.

Venceu o bom combate, por ter feito uma inesquecível história. A rodovia, agora, está lá, como um bom filho que a casa torna.

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes

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