“Um Paraíso Perdido”, por Dr Júlio Carvalho

Nosso conterrâneo Euclides da Cunha, que viveu em Cantagalo somente nos dois primeiros anos de vida, ficou conhecido mundialmente graças a sua obra literária OS SERTÕES, livro vingador como ele mesmo o definiu, traduzido em mais de vinte idiomas e que o conduziu à Academia Brasileira de Letras.

Inicialmente, Euclides foi enviado ao sertão baiano como correspondente de guerra do jornal o Estado de São Paulo, a fim de cobrir a Guerra de Canudos, que, segundo os republicanos, tinha cunho monarquista colocando em risco a república brasileira. Euclides tudo analisa e conclui que fora um massacre de fanáticos religiosos de Antônio Conselheiro pelo exército brasileiro que usou na campanha os mais modernos canhões, tudo arrasando. No dizer de Euclides “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados”.

A Guerra de Canudos
A Guerra de Canudos

Euclides declarava que estava preparando um livro sobre a Amazônia, que seria uma obra importantíssima, que seria outro livro vingador. Todavia, antes de concretizar seu projeto, ocorreu a tragédia da Piedade, em 15 de agosto de 1909 . Perguntarão, mas o que tinha Euclides da Cunha com a Amazônia?

No início do século XX, os peruanos invadiam o território brasileiro na região dos rios Purus e Juruá, na exploração da borracha. O Barão do Rio Branco, que era o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, que já resolvera a questão de divisas diplomaticamente, com a Bolívia na região do Acre, contrata Euclides da Cunha para comandar a missão brasileira que levantaria a bacia hidrográfica do rio Purus, definindo a fronteira entre o Brasil e o Peru, área geográfica invadida pelos vizinhos peruanos.

Euclides permanece na Amazônia cerca de um ano. Chegando a Manaus em 30 de dezembro de 1904, a comissão brasileira só consegue embarcar para a região do litígio em 05 de abril de 1905, em virtude de imprevistos ocorridos com as embarcações brasileiras. Encantado com a riqueza hídrica da Amazônia Euclides assim se expressa: “Não se sabe se tudo ali é uma bacia fluvial ou um mar profusamente retalhado de estreitos”.

Euclides da Cunha
Euclides da Cunha

Como geólogo, Euclides descreveu a monotonia das planícies amazônicas, onde os olhos não conseguem divisar uma elevação. Diante da exuberância da floresta amazônica declarou que “viu nascer uma página inédita e contemporânea do Gênesis, viu a gestação de um mundo”. Declara, também, que “o homem é ainda um intruso impertinente, sem ser esperado e querido, quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão. E encontrou uma opulenta desordem”.

Em relação ao rio Amazonas, se expressou Euclides: “sempre desordenado, e revolto, e vacilante, destruindo e construindo, reconstruindo e devastando, apagando numa hora o que erigiu em decênios – com a ânsia, com tortura, com exaspero de monstruoso artista incontestável a retocar, a refazer e a recomeçar perpetuamente um quadro indefinido…”. Analisa a invasão dos caucheiros peruanos na região amazônica como consequência da cordilheira dos Andes, obstáculo natural para aquele povo, ficando mais fácil a expansão para a planície amazônica. Como militar desaconselha o envio de um exército regular, este certamente fracassaria dentro da floresta, repleta de rios e igarapés. Seria mais lógico armar os seringueiros brasileiros, já adaptados àquelas condições hostis da Amazônia.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

Em seus relatórios, artigos e cartas, Euclides aconselha o governo brasileiro a incorporar definitivamente as longínquas regiões amazônicas ao Brasil, pois elas seriam, certamente, cobiçadas por potências internacionais.

Euclides era um cidadão de múltiplas facetas, sociólogo, observou o trabalho escravo dos seringueiros nordestinos que, contratados, já começavam a tarefa com o salário no vermelho e jamais conseguiam equilibrar suas finanças, sendo transformados em autênticos escravos no interior da floresta. Sobre esse assunto, Euclides escreveu um dos mais ricos capítulos com o título “Judas- asveros”, publicado em seu livro A Margem da História e que aparece em antologias da língua portuguesa. Ele defende o clima da Amazônia, declarando que, realizado o saneamento da região, o mesmo não seria nocivo ao homem. E diz sobre o clima do Acre: “Policiou, saneou, moralizou. Elegeu e elege para vida os mais dignos. Eliminou e elimina os incapazes, pela fuga ou pela morte”.

No início do século XX, também no livro A Margem da História, Euclides demonstra a necessidade da abertura de uma rodovia, que cortando os rios do Acre transversalmente, serviria para aproximar os núcleos brasileiros situados nas margens fluviais, que viviam em completo isolamento. Euclides da Cunha é um manancial inesgotável, interminável, que não cabe dentro de um artigo. Em outro mostrarei a luta, os sacrifícios, os sofrimentos e o patriotismo do nosso conterrâneo do interior da floresta amazônica.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

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