“Um Pequeno Paraíso”, por Dr Júlio Carvalho

Durante 23 anos, residimos em uma rua no final da cidade, onde raramente trafegava algum veículo, seu piso era de terra vermelha, transformado em grande lamaçal nos dias de chuvas seguidas. Nos temporais fortes, a rua inundava e, certa vez, entrou bastante água em nossa casa. Sabedor da situação, imediatamente o jovem prefeito Antônio Carlos Gonçalves apareceu em nossa residência oferecendo os serviços da Prefeitura de Cantagalo. Na política, éramos de lados opostos, mas havia respeito mútuo. Algum tempo depois, determinou o calçamento da artéria pública e a construção da rede de esgotos pluviais.

A situação melhorou 70%, todavia nos temporais de verão as inundações retornavam, sendo que a solução definitiva só surgiu quando o prefeito Wilder de Paula determinou a construção de um enorme bueiro transversal, que drenava toda água para uma galeria de manilhas de metro que terminava no córrego São Pedro.

Os leitores estarão pensando, que pequeno paraíso é esse? Esperem um pouco, chegaremos lá!

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

A pequena rua era habitada por famílias de todas as camadas sociais; como sempre os mais pobres eram os que possuíam maiores proles. Todavia, apesar da labuta constante, todos se mostravam felizes. Certa vez, resolvi contar o número de crianças da nossa rua, chegando perto de meia centena. Quando havia uma festa de aniversário, não havia necessidade de convidar crianças de longe, as da rua já faziam a festa!

Dos meninos da nossa rua, quatro tinham o nome de Marco Antônio e o papagaio da D ª. Cibinha de tanto ouvir as mães chamarem os filhos com suas vozes agudas e fortes, também passou a gritar Marco Antônio a todo instante.

O que caracterizava aquela rua era a solidariedade, não havia vizinhos, formávamos uma irmandade, havendo um verdadeiro sistema de socorro quando algo grave ocorria.

No final de cada ano, impedia-se o tráfego de veículos na rua, colocava-se um grande toldo preso nos postes e nos sobrados como proteção contra a chuva. À noite cada família levava uma mesa com salgados e doces, todos se reuniam em comemoração a passagem de mais um ano do calendário, enquanto as crianças brincavam, corriam e gritavam, extrapolando a energia excessiva, os adultos se confraternizavam como uma grande família. As crianças, poucas vezes, se desentendiam, mas era tudo passageiro.

Registro de 2017 do Colégio Estadual Maria Zulmira Torres. Hoje, o colégio conta com uma quadra coberta.
Registro de 2017 do Colégio Estadual Maria Zulmira Torres. Hoje, o colégio conta com uma quadra coberta.

As crianças da rua frequentaram o Colégio Estadual Maria Zulmira Torres, mantendo sempre a amizade. Mais tarde, cada um seguiu seu rumo, mas até hoje relembram com saudade a fase feliz da infância naquela pequena rua.

Algumas vezes, o Padre Crescêncio chegava de táxi em nossa casa, na hora do almoço, mas não almoçava. Bebia um pouco de água e saía rápido, dizendo querer chegar de surpresa e almoçar no Asilo Visconde de Pinheiro, para ver que alimentação estava sendo servida aos asilados idosos. Foi um verdadeiro sacerdote!

Quando almoçava em nossa casa, terminada a refeição, solicitava um quarto para descansar um pouco, pedindo que o chamasse às 14h00. Era o pai espiritual de cada família cantagalense nos 44 anos que aqui viveu!

Uma das atrações da rua era uma grande e belíssima amendoeira, onde os pássaros, na alvorada e nos finais de tarde, pousavam e emitiam seus cantos maravilhosos. Nos momentos mais quentes do verão as crianças ali, também, se reunia,, com suas brincadeiras e gritarias próprias da infância.

Houve um dia em que um casal novo, desprovido de filhos, alugou a casa junto a amendoeira e, surpreendentemente, mandou cortar a bela árvore, alegando que a mesma sujava a rua com suas folhas e os pássaros passavam a cantar pela madrugada atrapalhando o sono. Foi uma tristeza geral mas, o que fazer, tem pessoas que não gostam da natureza, procurando destruí-la constantemente.

As crianças daquela época, hoje, estão com mais de meio século de vida e tudo se transformou, mas da rua Dr. Nagib Jorge Farah ficaram a lembrança e a saudade de um período feliz de solidariedade e de amor que não retornará!

 

Rua Dr Nagib Farah, em registro de 2012, via Google Maps
Rua Dr Nagib Farah, em registro de 2012, via Google Maps

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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