Obras avançam em Cordeiro e Sistema Pare e Siga continua na RJ 116
Casualmente, mexendo em uma gaveta, encontrei um velho papel, escurecido pela ação do tempo e quebradiço em suas dobras. Era uma folha de papel almaço; daquelas que outrora os alunos faziam provas escolares, os cartórios redigiam escrituras, certidões e outros documentos importantes; que os jovens de hoje nem conheceram.
Desdobrei aquela folha dupla, maior que uma A4, cuidadosamente, com receio de rasgar aquele papel fragilizado pelo tempo e tive uma interessante surpresa. Na parte superior da primeira página, há um trecho datilografado, provavelmente por uma máquina Remington, que existia em todas as repartições públicas, com o seguinte teor:
“Tendo sido criado, por portaria do Exmo. Sr. Ministro da Guerra, o Tiro de Guerra n.º 119, e necessitando o Governo Municipal reformar o prédio do antigo Grupo Escolar, não só para instalação do referido Tiro, como também da Associação Rural de Cantagalo e, ainda, de uma Biblioteca Pública Municipal, espera o Governo do Município a colaboração valiosa dos bons cantagalenses, a fim de poder realizar tão indispensáveis melhoramentos para a gloriosa Terra de Cantagalo, visto não dispor de verba necessária no seu total para tão grandes e urgentes realizações.
Cantagalo, 8 de fevereiro de 1947.
“Visto: Joaquim de Souza Carvalho Junior (Prefeito Municipal)”
A seguir uma lista de 80 signatários, com doações variando de Cr$ 200,00 a Cr$ 4.200,00 (Cr$ = Cruzeiro, moeda da época), totalizando a quantia de Cr$ 36.400,00. Com esse recurso e mais algum da Prefeitura de Cantagalo, o prédio foi devidamente reformado.
Em 1947, estava com 12 anos. Todavia, conheci a maioria dos cantagalenses que contribuíram financeiramente para que o prédio velho e abandonado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro pudesse ser reformado.
Para os leitores mais jovens, alguns esclarecimentos deverão ser feitos. O prefeito era o médico Dr. Carvalho ou Dr. Carvalinho, como era, carinhosamente, chamado por alguns; nomeado prefeito por ato do interventor do Estado do Rio de Janeiro, Comandante Ernani do Amaral Peixoto, em 1º de março de 1945, permanecendo no cargo durante dois anos. Dr. Carvalho era meu querido pai.
O prédio em ruínas era na rua Maestro Joaquim Naegele, onde está situada, atualmente, a Biblioteca Acácio Ferreira Dias (fechada há vários meses; por quê?).
Na página inicial, aparecem os proprietários rurais, que naquela época tinham grande destaque na nossa sociedade. Lá estão Manoel Cortes Losada, Manoel Pinto Villela Junior, Joaquim Martins Coelho, Pedro Pitta Filho, Antônio Castro, Miguel Gonzales, Alexandre Augusto Rodrigues, Abílio Morgado, Custódio Marques Ferreira, Oscar Bom, Djalma Beda Coube, Manoel Corrêa Dias, Eugênio Erthal Sobrinho, Álvaro Ribeiro de Aquino, Argemiro Guimarães, Flávio Tardin, além de muitos outros proprietários em todos os recantos do nosso município.
Outro grupo que colaborou, generosamente, com a iniciativa do prefeito foram os comerciantes: Walter Ferreira Tardin, Figueira Filho, Licínio José Gonçalves, Américo Golinelli, Japor, Tardin e Cia., João Nicolao, João Rodrigues dos Santos e quase todos os comerciantes do município.
A colônia libanesa e seus descendentes estão presentes, acentuadamente, na lista de colaboradores: Jacob Nara Yunes, Tanos Calil Filho, José Miguel, José Jorge Farah, Manyr Abibe Japor, Chafic Farah e Irmão, Felippe João, Richa e Filhos, Jacob Nacif, Jamil A. Japor, Felippe Abrahão Sabb, Salvador Paulo Richa e Jorge Abrahim Sabb. Povo que, com muita luta e sacrifício, também colaborou para o crescimento do Brasil.
Entre os signatários encontrei, também, alguns intelectuais: Dr. Júlio Santos Filho, Antônio Rocha e Silva Junior (Sr. Rocha), Dr. Helênio Verani, Dr. Saulo Itabaiana, Dr. Walter Vieitas e Joaquim da Costa Sobrinho.
Está, também, na lista de 80 contribuintes, o Padre Crescêncio Lanciotti, vigário da Paróquia do Santíssimo Sacramento de Cantagalo durante 43 anos que, além da cuidar da assistência espiritual dos cantagalenses, participava de todas as iniciativas que criasse o progresso de nossa terra natal.
Além dos citados acima, aparece a contribuição de dezenas de pessoas do nosso povo, como o alfaiate Pedro Albuquerque, mestre na confecção de ternos, que durante muitos anos manteve sua alfaiataria na esquina onde se encontra, hoje, a papelaria Tipocan. Nordestino que escolheu Cantagalo como sua segunda terra.
Deixei para o final um aspecto que considerei muito interessante. A primeira assinatura na lista de 1947 é a da Sr.ᵃ Ermelinda Ventura, proprietária da fazenda São José do Rio Negro. Dezesseis anos depois, me casava com sua neta Letícia, minha companheira há 61 anos, que me brindou com três filhos maravilhosos. Graças a Deus!
Uma vez reconstruído, no imóvel foi instalado, de um lado, o Tiro de Guerra 119, que funcionou até o ano de 1960. Lá prestei o serviço militar, sob o comando do Sargento Waldir Benício Mendes, em 1959, tendo como companheiros José Geraldo Vollu, Geraldo Arruda Figueredo, Orlando Vieira, Francisco Baptista, Ely Deberg, Alceu Carvalho, Fontoura e mais duas dezenas de companheiros. Foi um tempo ótimo, apesar dos exercícios pesados, estávamos sempre em forma física.
Na outra metade do prédio, foi colocada uma repartição do Ministério da Agricultura, sob a direção do veterinário Dr. Plínio Vieira Pinheiro, que além de vacinar o rebanho cantagalense, fazia exames laboratoriais, orientando os fazendeiros sobre a importância de plantar capineiras e tratar das vacas em lactação no período da seca, assistência a custo zero. Tudo era novidade!
Um proprietário rural, homem de destaque na política, dizia: “Vacinar e tratar de vaca no cocho é ideia de maluco. A vaca é que tem que procurar comida no pasto”.
Por injunções políticas, a repartição foi transferida para Cordeiro, depois para Nova Friburgo e, finalmente, extinta.
Concluindo, fico imaginando o penoso trabalho de meu saudoso pai, peregrinando por todo o município em busca de dinheiro para restaurar um belo prédio no coração da cidade, um verdadeiro missionário. Felizmente, como médico pleno de humanismo, possuía credibilidade popular e obteve sucesso.
Ser prefeito naquela época deveria ser horrível!
Um Comentário
Linda história me emocionei. Parabéns Dr.Julio.