“Uma longa jornada”, por Dr Júlio Carvalho

Turma de 1961, Jubileu de Prata da Faculdade de Ciências Médicas

Final de uma quente tarde de primavera, atendo o telefone fixo e ouço a voz de um antigo colega da turma de 1961, Jubileu de Prata da Faculdade de Ciências Médicas, convidando-me para um almoço no Rio de Janeiro, no bairro do Flamengo, às treze horas do dia 21 de outubro, comemorando 61 anos da nossa diplomação.

Respondo que ficaria difícil devido à distância, seria cansativo para mim; mas o colega contra-argumenta que eu não poderia faltar, que talvez seria o nosso último encontro nessa vida (conversa realista entre médicos antigos). Confirmo minha presença ante tal argumento.

Parto para o Rio às 8:30, conduzido pelo meu fiel amigo Thiago Naegele Dias, que um dia veio ao mundo no Hospital de Cantagalo, em minhas mãos.

Participaram do encontro 13 médicos da Turma do Jubileu de Prata, todos acima de 80 anos, dominados pela alegria do reencontro, relembrando momentos de alegria e de angústia vividos durante seis anos naquela colina do bairro de São Cristóvão; do rigor de determinados professores, verdadeiras barreiras que tiveram que ser superadas até nossa diplomação.

Em janeiro de 1956, 960 jovens, depois de um ano de intensos estudos, compareceram ao vestibular da Faculdade de Ciências Médicas. Naquela época, fazíamos, inicialmente, as provas escritas; os que fossem aprovados enfrentavam as provas orais, aplicadas por uma banca de três professores. Nessa fase do vestibular, muitos já estavam eliminados nas provas escritas.

 

Faculdade Nacional de Medicina, na Praia Vermelha
Faculdade Nacional de Medicina, na Praia Vermelha

 

Concluído o vestibular, 120 candidatos estavam aprovados (12,5%), surgindo a primeira decepção; a Direção da faculdade, que nada dissera antes, comunica que só matricularia os primeiros 80 aprovados, divididos em duas turmas de 40 alunos.

Espontaneamente, surge o primeiro movimento de união, ou seriam matriculados os 120 aprovados, ou ninguém se matricularia. O impasse dura vários dias, o presidente do Diretório Sir Alexander Fleming, um colega do 4º ano, de nome Vicente, paulista da cidade de São Carlos do Pinhal, se manifesta a nosso favor. Finalmente, o Diretor resolve criar uma terceira turma com mais 40 alunos. Todos se matriculam, começa nossa vida acadêmica. Alegria geral!

Quando estávamos no terceiro ano, as passagens dos bondes subiram dez centavos. Houve protestos de todos os estudantes do Rio de Janeiro, alguns de caráter mais violentos. Um colega de turma, mais exaltado, foi preso e levado para a delegacia do DOPS. Muitos fizeram uma manifestação pacífica, sentando na calçada defronte à delegacia, dali só saindo à noite quando o colega foi libertado.

No sexto ano, nossa diplomação seria em dezembro, todavia cerca de dez ou doze colegas foram reprovados em algumas matérias, indo à segunda época. Resolvemos, então, adiar nossa diplomação para o início de 1962, enquanto a faculdade antecipou as provas de segunda época para a primeira semana de janeiro. Assim, fomos diplomados em nove de janeiro de 1962.

A união foi a grande característica de nossa turma do primeiro ao sexto ano, embora em alguns momentos ocorressem divergência de pontos de vistas, com discussões exaltadas.

No último ano, quando eram programadas as solenidades da diplomação, um grupo de colegas da JUC (Juventude Universitária Católica) propôs que o celebrante da missa na Candelária seria o cardeal D. Jaime de Barros Câmara, figura pouco popular nos meios universitários. Protestamos, sugerindo o nome de D. Helder Câmara. Depois de muita discussão, decidimos pela votação, sendo D. Helder escolhido por larga maioria. Democraticamente!

Na missa, com a Candelária completamente cheia, tive uma marcante alegria da minha vida. Quando D. Helder subiu ao altar, para iniciar a celebração, o concelebrante era o meu querido e saudoso Padre Crescêncio Lanciotte que me fazia belíssima e inesquecível surpresa.

D. Helder, que apesar de bispo se vestia como um padre, pronunciou rica e belíssima homilia, mostrando a importância e o valor da medicina exercida com caridade a favor dos que sofrem. O final da homilia foi inesquecível, disse: “Não pedirei que vocês tenham religião, pedirei somente que exerçam a medicina sempre com caridade amor ao próximo, pois no dia do julgamento final ouvirão alguém dizer, bendito venha para o meu reino, pois quando estava doente você me visitou e cuidou de mim”.

D. Helder foi um santo homem, que sempre esteve defendendo as causas sociais no nosso povo. Tenho certeza que algum dia será canonizado!

 

Dom Helder Camara
Dom Helder Camara

 

Evidente que em um grupo acima de 80 anos algumas patologias se encontravam presentes: um amigo havia perdido a visão do olho esquerdo por glaucoma, enquanto o olho direito havia sido operado três vezes; outro, com diabete melitus e suas consequências: cirurgia de revascularização do miocárdio e insuficiência renal; um terceiro, com grande deficiência auditiva; cada um relatando suas patologias e o perigo de residir em uma cidade dominada pela insegurança crescente. Apesar de tudo isso, o ambiente era de total alegria.

Lembrei-me da frase bíblica: “A vida do homem é de setenta anos; os mais fortes chegam aos oitenta. Daí para frente é dor e sofrimento”. O importante é que estávamos vivos e felizes!

Cheguei a minha residência às 20:15, cansado, porém feliz pelo reencontro com 12 colegas e amigos, que durante seis anos lutaram em busca do mesmo ideal; no retorno, enquanto Thiago, pilotava com tranquilidade e segurança, agradeci a Deus pelas alegrias daquele dia, pensando no que Ele certo dia declarou: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância”.

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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