“Vamos acusar o prefeito – que tal?”, por Amanda de Moraes

Diante do exposto, fulano, na qualidade de Chefe do Poder Executivo Municipal, praticou os fatos criminosos descritos pelo Ministério Público”. Eis as tantas sentenças proferidas pelos juízes.

É comum, no âmbito da área criminal, nós nos depararmos com manifestações nesse sentido, imputando um delito a um político, por alusão, tão somente, ao cargo ocupado.

Esse equívoco ocorre também com pessoas que exercem a função de dirigentes de uma empresa ou cargos de administração.

Nesta semana, assisti a um vídeo no qual um cidadão agradecia ao gestor municipal pela chuva que, após tanto tempo ausente, marcara presença. Noutro, criticava-se o prefeito pelo mau atendimento de uma funcionária pública.

Na esfera jurídica, não se chega a tal ponto. Apesar disso, esse exagero nos serve de reflexão: afinal, sabemos quais são, de fato, os deveres e as limitações de uma pessoa que exerce um cargo de liderança?

Quando se fala em um delito, há algo a ser compreendido: a responsabilidade penal é subjetiva, personalíssima, apenas atingindo quem praticou o fato com dolo ou culpa. Em outras palavras, para ser fixada a responsabilidade penal de um político ou empresário deve ser identificada a sua participação no fato apurado, a sua vinculação. Para tanto, a delimitação da sua conduta é o que importa (ação ou omissão).

Luiz Regis Prado nos ensina que “a responsabilidade penal é sempre pessoal ou subjetiva – própria do ser humano -, e decorrente apenas de sua ação ou omissão, não sendo admitida nenhuma outra forma ou espécie”.

Na prática: caso um secretário municipal adote um comportamento criminoso, este não se estenderá automaticamente ao seu superior hierárquico. Se o dirigente resolve se aventurar em uma empreitada transgressora, os demais gestores não podem (de súbito e no automático da dedução emotiva em primeira pessoa) ser implicados.

Criticar, às cegas, lembremos, é criar pseudojustiça: “Puno, porque quero. Sei que ele fez, acho isso e vamos à punição rápida e requintada com tons de crueldade!

É impossível que um gestor tenha conhecimento de todos (leiam-se todos) os atos que ocorrem sob sua coordenação. A estrutura de um órgão ou empresa é composta por diversos setores, sendo certo que sua administração (funcionamento) ocorre de maneira fragmentada.

O fato de ser exercer o cargo máximo dentro de determinada área não implica dever (possibilidade) de analisar todos os acontecimentos. A maioria? Talvez.

Inclusive, há questões que envolvem especializações e capacitação técnica para que possam ser compreendidas. Para isso, existem as inúmeras profissões e cargos dentro de uma corporação. É o famoso saber popular “cada um no seu quadrado”.

Por isso, antes de críticas e acusações, ser ciente de um tema jurídico, pilar da justiça: Responsabilidade Penal. Meu avô, João de Moraes, era esperto numa fala: “Todos nós, brasileiros, temos uma enorme tendência a ignorar o que queremos e a considerar as benquistas”. Um dado humano: inexiste um ser que detenha mais saber do que ignorância. Sabemos pouco diante do que nem ao menos temos média consciência como especialistas.

Um médico, renomado em seu meio, especialista em cirurgias, pode desconhecer leis básicas de astronomia. Um estudioso advogado tampouco será doutor em agronomia, não sabendo opinar sobre agricultura e pecuária.

Ponderações são sempre bem-vindas. Quem ocupa o cargo máximo decerto tem maior visibilidade; por isso, é “sedutor” atirar a pedra em quem está em maior destaque; trata-se de uma grande sugestão do imediatismo da sociedade, desde Roma Antiga, Grécia ou Neolítico. É mais fácil, não exige investigação, tempo ou debate.

Antes de soltarmos qualquer ideia fixa, capazes de ferir mais do que navalha enferrujada, relembremos a defesa feita pelo advogado de Dmitri Karamazov, no clássico Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski, ao alertar ao Tribunal: “Tão cruel quanto um culpado solto, ou até mais, é um inocente condenado”.

Se o Direito for tema de algum debate ético e humano, a individualização da conduta, na medida de cada responsabilidade, é um antídoto antiautoritarismo.

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes.
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes.

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