“Velhos Tempos”, por Dr Júlio Carvalho

Desde que a terrível pandemia chegou a nossa região ceifando vidas e atemorizando os brasileiros, a diretoria da Unimed de Nova Friburgo determinou que o grupo de funcionários do setor Produção Médica passasse a trabalhar em casa. Como neto de português, não gosto de usar expressões estrangeiras. Dizem que em Lisboa o clube verde e branco é “Esportíngue” e não Sporting. Está certo, vamos amar nosso complexo idioma, “última flor do Lácio, inculta e bela” como já foi definida a língua portuguesa. Pois bem, numa dessas tardes frias, estava no meu árduo e árido trabalho de auditar contas do intercâmbio federativo e nacional, quando o carteiro me entregou uma correspondência registrada e postada em Niterói.

Abro cuidadosamente o envelope e encontro uma preciosidade, precedida de um bilhete digitado por um querido amigo, cuja amizade é cultivada há 76 anos, desde que passamos na admissão ao curso ginasial, amizade que nos transforma em irmãos espirituais. O conteúdo da correspondência era uma cópia reprográfica de um documento do extinto Colégio Euclides da Cunha, dirigido pela simpática, culta e educada figura do Dr. Messias de Moraes Teixeira, que residia em Nova Friburgo, mas comparecia a Cantagalo, onde lecionava, algumas vezes, o francês. Guardo, cuidadosamente, um livro de literatura francesa que ele me presenteou, com dedicatória amigável.

Cantagalo antigamenteNa capa, a relação dos cursos em atividade, do primário ao técnico em contabilidade, passando pelos intermediários: admissão, ginasial, normal e científico, seis cursos em pleno funcionamento. Data de dezembro de 1951, setenta anos. Quanta história nesse período de mais de meio século; éramos crianças, plenos de energia, sorrisos, sonhos e projetos. Hoje, somos idosos, teimosos em resistir ao tempo, cheios de recordações e saudades, pensando nas vitórias e derrotas impostas pela vida.

Nas demais páginas, a relação dos alunos que concluíram os cursos científico, técnico de contabilidade e ginasial, com os respectivos paraninfos e homenageados. Com os nomes dos alunos, formaram a frase: “sobre as mãos dos mestres queridos deixamos um ósculo de respeito e de estima“. Quanto respeito e gratidão havia, naquela época, aos professores! Hoje, alguns sofrem até agressões morais e físicas.

O curso científico, muito minguado, apenas com dois alunos: Maria de Lourdes Dietrich Gonçalves e Cezar de Azevedo Goulart. Ambos passaram no vestibular da Faculdade Fluminense de Direito, sendo diplomados como advogados. Da. Lourdes não advogou, preferindo continuar como professora de Geografia e Canto Orfeônico até ser aposentada. Prestou excelente trabalho a várias gerações. Dr. Cezar continuou como tabelião competente e honesto em Cantagalo, estando sempre pronto a colaborar com todas as iniciativas favoráveis ao desenvolvimento de nossa terra natal.

Todos os homenageados do curso científico foram políticos e autoridades, tendo como exceções os diretores: Dr. Messias de Moraes Teixeira e Sra. Conceição Cortes Teixeira, além da Prof.ª. Amélia Thomaz.

O curso de Técnicos em Contabilidade era maior, contava com 24 alunos entre cantagalenses e cordeirenses, uma vez que, naquela época, só Cantagalo possuía esse curso na região. Olho a relação e vejo que conheci 19 desses contabilistas, entre eles alguns que se destacaram com atletas do futebol amador.

Cantagalo antigamenteOrlando Regazzi Pereira, maior atleta do futebol da nossa região, digno de figurar nos clubes profissionais do Rio de Janeiro; Vicente de Brito Nicoláu, maravilhoso goleiro, dono de elasticidade apreciável; junto com Orlando, era figura marcada nas seleções da região. Outro que se destacou nos gramados foi José Augusto Jevoux, nosso Gutinho, também goleiro, de grande arrojo e coragem. Esses três brilharam nos gramados da região.

Paraninfo de HonraProf. Manoel Vieira Batista. O eterno e querido Prof. Batista, decano dos professores da região, homem ligado ao ensino durante toda sua vida e, merecidamente, imortalizado no bronze da Praça João XIII e, espiritualmente, em nossos corações; Madrinha da TurmaProf.ª. Maria de Lourdes Dietrich Gonçalves, outra vida dedicada ao ensino cantagalense; Homenagens especiaisDr. Edmyr Vieira; os Professores Silvio Lutterbach e Antônio Ráfare e o Tesoureiro Joaquim Soares Ribeiro, Seu Soares, como sempre foi conhecido. O Tesoureiro Soares, juntamente com o Secretário Ewandro do Valle Moreira, eram as duas colunas de sustentação do extinto Colégio Euclides da Cunha.

Finalmente, o Curso Ginasial, o mais robusto com 38 alunos, oriundos de quase todos municípios da região. Lembro-me de todos eles, todavia em um artigo torna-se impossível escrever sobre cada um. Paraninfo de Honra –Dr. Messias de Moraes Teixeira; Paraninfo – Prof.ª Dulce Barros Lutterbach; Homenageados EspeciaisDr. Luiz Moliterno, Dr. Mario de Moraes Teixeira, Prof.ª Leda de Poli Teixeira, Prof. Romildo Carriello, Prof.ª Hebe Carvalho de Paula e Secretário Ewandro do Valle Moreira.

A antiga Prof.ª Dulce Barros Luterbach, poucas vezes homenageada, ao subir ao palco, dominada pela emoção, tremia tanto e com a voz embargada, quase não conseguia falar. Fora, todavia, uma homenagem das mais justas a uma pessoa plena de bondade.

Muitos já viajaram para a eternidade, como o Dr. Edmo Rodrigues Lutterbach que chegou a procurador da justiça no RJ, amante das letras, que se destacou como euclidianista, com inúmeras palestras, conferências e artigos publicados em vários órgãos da imprensa fluminense. Frequentador assíduo da Semana Euclidiana em São José do Rio Pardo, Nasceu na Fazenda da Saudade, a mesma que serviu de berço para Euclides da Cunha. Tinha a delicadeza de me enviar suas publicações e de me convidar para suas festas de aniversário em 12 de outubro de cada ano. Está sepultado em Macuco.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

Outro colega que não posso deixar de citar, amizade também de 70 anos, depois de residir em algumas cidades brasileiras e em Brasília, destacando-se sempre nos ramos de atividades que abraçava, retornou a Cantagalo, criando o Instituto Mão de Luva, visando preservar a memória de nossa terra, é o querido amigo Celso da Costa Frauches.

A maior parte da turma de 1951 já partiu para a eternidade, vivendo em nosso pensamento e orações. Todavia, alguns com mais de 8 décadas de vida, permanecem em nossa cidade, segurando-se à vida material do jeito que podem. Vejo algumas vezes os colegas José Maciel Teixeira, a prima Dirce Pinto Machado, Marlene Farah Nacif e Déa Erthal Lutterbach que, casando-se com o paraense Francisco L. Riker Branco, constituiu uma belíssima família cantagalense.

Mas quem me enviou esse documento tão importante, gerador de tantas lembranças e saudades? Cidadão que além da amizade, verdadeira irmandade espiritual, é considerado por mim padrão de cultura, trabalho, correção profissional, modelo de vida familiar e simplicidade humana. Procurador aposentado do RJ, mas que ainda trabalha no seu escritório em Niterói; modelo de aluno no antigo Colégio Euclides da Cunha, primeiro lugar da nossa turma durante os quatro anos do curso ginasial, imbatível, seu nome: Geraldo Arruda Figueiredo,

Obrigado amigo e irmão. Que o Mestre Divino, zele sempre por você e sua família!

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

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